Brasil recicla apenas 20% dos resíduos têxteis que produz
A estimativa é que, por ano, 136 mil toneladas de roupas vão parar em lixões e aterros sanitários
A estimativa é que, por ano, 136 mil toneladas de roupas vão parar em lixões e aterros sanitários
Mesmo com os armários abarrotados, para muitos, parar de comprar roupas está fora de cogitação. Nessa toada, a previsão para este ano é de que seis bilhões de peças de roupas sejam vendidas no Brasil, segundo o Instituto IEMI – Inteligência de Mercado. Os números da indústria têxtil acompanham a velocidade da chamada fast fashion, em que as roupas são consumidas e descartadas com rapidez. Esse padrão de consumo, porém, tem um grande impacto ao meio ambiente. O Brasil produz por ano 170 mil toneladas de resíduos têxteis e apenas 20% desse material é reciclado, segundo o Sebrae. O restante, 136 mil toneladas de roupas, acaba em lixões e aterros sanitários.
No maior polo têxtil do Brasil, o Brás, em São Paulo, 16 caminhões de lixo têxtil são descartados diariamente, principalmente com sobras de produção. Ainda segundo uma pesquisa do Sebrae, no mundo, o número chega a 50 milhões de toneladas de roupas que são jogadas fora a cada ano, parte delas levadas para países da África, como Gana, e da América do Sul, como o Chile. A maioria não é biodegradável.
Pesquisas indicam que tecidos sintéticos levam de 100 a 300 anos para se decompor e o poliéster leva até 400 anos. As roupas de algodão demoram entre 10 e 20 anos para se decompor. Todo esse material pode ter um destino mais nobre do que os aterros e os lixões.
O relatório A New Textiles Economy: Redesigning fashion’s future, da Fundação MacArthur, estima que mais de US$ 500 bilhões são perdidos ao ano por falta de reciclagem do vestuário. De acordo com o estudo, o setor têxtil produz 1,2 bilhão de toneladas anuais de gases do efeito estufa, mais do que todos os voos internacionais e de transporte marítimo juntos. Ainda segundo o documento, quando lavadas, algumas peças de roupa liberam microfibras de plástico, que somam meio milhão de toneladas todos os anos lançadas em cursos de água.
Na contramão do modelo fast fashion, a moda circular vem ganhando cada vez mais adeptos mundo afora, nas fábricas, passarelas, nas vitrines das lojas e no comportamento dos consumidores. A proposta, que já vem sendo adotada por designers, estilistas e algumas redes varejistas, é valorizar produtos com um ciclo de vida mais duradouro e sustentável, e reduzir os impactos negativos à sociedade e ao ambiente.
“A democratização da moda e a criação do modelo fast fashion, na década de 1990, mudaram o comportamento das pessoas, que passaram a consumir roupas com maior velocidade”, afirma Edson Grandisoli, mestre em Ecologia e doutor em Educação e Sustentabilidade pela USP (Universidade de São Paulo). “Hoje vivemos uma nova realidade, de rever hábitos e repensar o consumo para que possamos conter as mudanças do clima e dar mais fôlego ao nosso planeta. A economia circular é um dos principais caminhos para atingirmos esses objetivos”, completa.
Grandisoli é também coordenador pedagógico do Movimento Circular, que surgiu em 2020 para incentivar a transição da economia linear para a circular. A ideia de que todo recurso pode ser reaproveitado e transformado é o mote da Economia Circular, conceito-base do movimento.
Na economia circular o lixo não existe. Os resíduos se transformam em matéria-prima para as empresas praticarem o upcycling, processo que reaproveita os materiais sem perda de valor ou qualidade. “A circularidade se inspira na natureza e seus ciclos. Nela, nada se perde, tudo se transforma”, aponta o profissional.
A economia circular é uma alternativa à economia linear, baseada em extrair, produzir, usar e descartar, modelo que já se mostrou insustentável. Na circularidade, os materiais são mais duráveis e reaproveitados, até que nada vire lixo. “Para que esse modelo se torne realidade, todos nós temos um papel a desempenhar. É um círculo colaborativo, que alimenta a si mesmo, e ajuda a regenerar o planeta e nossas relações”, afirma ainda o professor. Várias empresas já abraçaram o desafio de tornar a indústria da moda mais saudável para o meio ambiente.
No CicloVivo, já foram levantadas diversas iniciativas positivas na moda. É o caso de uma coleção brasileira de xales e ponchos produzidos com sobras têxteis e da iniciativa da Puket, que transforma meias velhas em cobertores para pessoas carentes. Há ainda ações inovadoras em desenvolvimento, sendo o caso de uma francesa que está usando resíduos têxteis para fabricar tijolos.
Quando se fala em reaproveitar peças de roupas, os brechós não podem ficar de fora. E foi a partir da experiência de um adolescente que cresceu rapidamente e perdeu muitas roupas que nasceu a ONG Roupa Descolada, em São José dos Campos (SP). “Em um ano, Pedro cresceu 20 centímetros e perdeu todas as roupas e calçados. Ele imaginou como seria se pudesse trocar essas peças com outras pessoas”, conta Alinye Amorim, mãe do jovem.
Com ajuda dos professores e da Pastoral da Educação da cidade, a primeira sede da Roupa Descolada ganhou espaço na Escola Franciscana em agosto de 2020. A proposta conquistou adeptos, cresceu e, no final do ano passado, outras duas unidades foram abertas, na escola de Pedro e na paróquia da cidade. Nas escolas, o projeto conta ainda com palestras para os alunos repensarem hábitos de consumo e o respeito ao meio ambiente.
As peças encalhadas são ainda customizadas. “A camiseta não precisa virar lixo. Ela pode virar matéria-prima para uma ecobag, que vai durar mais um tempão, e depois ainda pode virar um pano de chão”, explica Alinye. A Roupa Descolada contabiliza 4 mil peças trocadas, entre roupas e calçados, envolvendo mais de 700 pessoas, o que equivale a 14 mil quilos de gases do efeito estufa que deixaram de ser lançados ao meio ambiente e economia de 20 milhões de litros de água. A ONG busca apoiadores para levar o projeto para mais escolas.
E se você possui peças de algodão em casa que não são aptas para doação, é possível descartá-las de modo a garantir sua reciclagem. Por meio da Plataforma Circular Cotton Move, você encontra os pontos de descarte disponíveis.