Com 26% de área devastada, Amazônia se aproxima do ponto de não retorno
Estudo conduzido por cientistas e líderes indígenas alerta: “O ponto sem retorno não está no futuro; é agora.”
Estudo conduzido por cientistas e líderes indígenas alerta: “O ponto sem retorno não está no futuro; é agora.”
Após anos de crescimento nos índices de desmatamento e queimadas, um novo e importante alerta: com 26% da floresta amazônica comprometido pelo desmatamento e degradação, a floresta se aproxima do ponto de não retorno. Esta uma das conclusões do estudo Amazônia contra o relógio: uma avaliação regional sobre onde e como proteger 80% até 2025, escrito por uma coalizão de cientistas e líderes indígenas.
Os pesquisadores, no entanto, afirmam que não é tarde demais para salvar a floresta, mas que é necessário agir agora.
“Isso revela novas evidências que demonstram que a Amazônia já se encontra em crise”, disse a colaboradora Jessika Garcia, da Coordenadoria de Organizações Indígenas da Bacia do Rio Amazonas (COICA), em uma entrevista coletiva em 5 de setembro anunciando os resultados. “O ponto sem retorno não está no futuro; é agora.”
O novo relatório vem um ano após o Congresso da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) aprovar a proteção de 80% da floresta amazônica até 2025. Pesquisas realizadas por diversas organizações, como a Rede Amazônica de Informações Socioambientais Georreferenciadas, foram divulgadas na 5ª Cúpula dos Povos Indígenas da Amazônia e apontam para a necessidade de se proteger uma parcela significativa da Amazônia até 2025, não 2030, como algumas entidades sugeriram.
A parte mais preocupante do novo relatório envolve a porcentagem da Amazônia que atingiu o ponto de inflexão na transição de floresta para savana. Dados coletados entre 1985 e 2020 mostram que 26% da Amazônia já foi desmatada ou degradada o suficiente para atingir esse ponto de inflexão, com 20% sujeitos a “mudanças irreversíveis de uso da terra” e os outros 6% extremamente degradados.
Estudo anteriores apontam que o ponto de não retorno da Amazônia ocorreria quando o desmatamento e degradação da Floresta atingisse entre 20% e 25% da floresta. Mas os pesquisadores explicam que o trabalho científico conduzido por Carlos Nobre e Thomas Lovejoy, se referiam às regiões leste, sul e centro da Amazônia e que, o presente estudo considera toda a floresta, uma área de 847 milhões de hectares.
Noventa por cento dessas áreas de risco estavam localizadas na Bolívia ou no Brasil, sendo o Brasil responsável por 82% da floresta degradada. Segundo cientistas, 34% por cento da Amazônia brasileira está alterada ou extremamente degradada.
“Essa realidade ameaça toda a região, pois o Brasil é o país que abriga dois terços da Amazônia”, escreveram os autores do estudo.
Os resultados apontam a agropecuária como principal impulsionador do desmatamento da Amazônia. A quantidade de área florestal agora dedicada à agricultura aumentou três vezes desde 1985, e o desmatamento da floresta tropical para criar gado é responsável por quase 2% das emissões anuais de gases de efeito estufa em todo o mundo.
A Amazônia brasileira especificamente ficou sob pressão adicional nos últimos três anos sob a liderança do presidente Jair Bolsonaro. “No Brasil estamos presenciando um governo com uma política de Estado flagrantemente anti-indígena que busca, de todas as formas possíveis, legalizar o que é ilegal”, disse Nara Baré, ex-Coordenadora de Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira.
“A destruição desenfreada e a cobiça direcionada aos nossos territórios ancestrais, nossa Amazônia, no norte do país, é a face visível da histórica violação de direitos a que nós, os povos indígenas do Brasil, estamos submetidos há décadas”, reforça Nara.
O fogo é outras ameaça crescente à floresta com os números de focos de calor batendo recordes constantes. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) divulgados em setembro de 2022, mostram que os focos de calor na Amazônia Brasileira atingiram o maior número desde 2010.
Apesar de todos os dados alarmantes, os autores do relatório afirmaram que ainda é possível proteger 74% da Amazônia intacta remanescente e restaurar os 6% degradados. Mas, para isso, é preciso agir imediatamente. Líderes políticos precisam respeitar os direitos à terra dos povos indígenas, apontados por diversos estudos como os melhores guardiões da floresta.
“Nós somos o povo, as nações, as nacionalidades que estão propondo que a humanidade continue existindo”, afirmou José Gregorio Díaz Mirabal, membro do povo Wakuenai Kurripaco da Venezuela e líder eleito da COICA.
De acordo com o relatório, 86% do desmatamento ocorreu fora dos Territórios Indígenas ou Áreas Protegidas e 33% dessas áreas desprotegidas já estavam em transição para o cerrado, seis vezes mais do que em áreas protegidas e mais de oito vezes mais do que em Territórios Indígenas reconhecidos.
As comunidades indígenas protegem 80% da biodiversidade restante do mundo, mas precisam se proteger. No Brasil, os povos originários estão sofrendo ameaças constantes aos seus direitos, por meio de projetos de lei, e à sua vida, com uma crescente onda de violência, marcada por assassinatos e perseguições. O garimpo tem avançado nos territórios indígenas, poluindo a água dos rios e expulsando os povos de suas terras.
Entre as recomendações dos autores do estudo está a garantia da proteção da biodiversidade e dos direitos indígenas, reconhecendo os cerca de 100 milhões de hectares de Territórios Indígenas que foram identificados, mas são contestados ou não são oficialmente protegidos. Também foi recomendado que a área florestal remanescente seja governada em conjunto com comunidades indígenas e locais e que cada país amazônico apresente um plano de ação para atingir a meta de 2025.
Para apoiar estas determinações, a comunidade internacional pode ajudar, perdoando a dívida externa dos países amazônicos. Em comunicado à imprensa, o vice-coordenador da COICA Tuntiak Katán disse que que o cancelamento dessa dívida seria uma medida de proteção imediata para aliviar os desafios econômicos enfrentados pelos países amazônicos e que esse cancelamento estaria condicionado à proteção de 80% da floresta.
“Os países industrializados e as instituições financeiras internacionais assumiriam a responsabilidade de proteger o planeta, mitigar as mudanças climáticas e aliviar a pressão sobre a Amazônia com a liderança dos países amazônicos”, afirmou Tuntiak Katán.
Além disso, empresas, governos e consumidores em países ricos devem prestar atenção à origem dos produtos que fabricam, importam ou desfrutam.
“Os motores da destruição da Amazônia são principalmente as cadeias de suprimentos dos países industrializados”, disse Alicia Guzmán, co-coordenadora da Iniciativa Stand.earth, no comunicado à imprensa. “Sem saber, comemos, transportamos e nos vestimos com produtos que destroem a Amazônia. Não podemos perder mais um hectare. O futuro da Amazônia é responsabilidade de todos”.
Para acessar o estudo completo (em inglês), clique AQUI.