Mais de 100 botos morrem no Amazonas

Crise climática afeta a seca na Amazônia e situação pode piorar – veja como ajudar no resgate e remoção dos animais

Foto: Miguel Monteiro | Instituto Mamirauá

O período seco está apenas começando no Amazonas, mas já é possível dizer que este será um dos anos mais difíceis para a população e para a vida na floresta. No Lago Tefé, com seu nível muito abaixo normal, pesquisadores e ribeirinhos encontraram pelo menos 110 botos vermelhos e tucuxis mortos. A causa da mortandade ainda não foi definida, mas pode ser a seca e o aumento da temperatura das águas na região.

“O primeiro esforço é retirar os corpos dos animais mortos da água, mas com o grande número de animais mortos se tornou impossível. O translado dos botos vivos para outros rios não é seguro, pois além da qualidade da água é preciso verificar se há alguma toxina ou vírus. Estamos mobilizando parceiros para coleta e análise e outras instituições que possuem expertise em resgate de animais”, explica André Coelho do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá.

botos amazonas
Foto: Miguel Monteiro | Instituto Mamirauá

Equipes e voluntários com experiência em resgate de fauna estão se unindo à ação emergencial, porém o difícil acesso à cidade de Tefé faz com que a ação seja mais lenta que o desejado. A operação é uma corrida contra o tempo para resgatar animais que ainda permanecem em poças rasas e de águas quentes e transferi-los para outros locais que ainda mantêm água fresca e profundidade mínima.

Uma operação de resgate organizada por diversas organizações não-governamentais e agências do governo federal tem como objetivo desencalhar botos que estejam em bancos de areia ou em áreas muito rasas. Outro problema que precisa ser resolvido é a remoção dos animais mortos. Caso eles estejam contaminados por algum agente externo, sua presença em outras áreas pode colocar em risco outros animais e ecossistemas.

boto morto amazonas
Foto: André Zumak | Instituto Mamirauá

É esperado que a situação se agrave nos próximos 15 dias com a forte seca e acometa outras regiões do médio Solimões resultando em mais mortes de botos e tucuxis em zonas sem equipes disponíveis para resgate.

seca amazonas
Foto: Miguel Monteiro | Instituto Mamirauá

Isso faz com que o evento tome proporções ainda maiores e mais impactantes em um dos locais de maior densidade e abundância de golfinhos de rio da América do Sul. “Precisamos de uma ação efetiva de proteção imediata, mas a longo prazo faz-se necessário mais pesquisas para sabermos como eles são e serão afetados pelas constantes mudanças do clima e a redução dos corpos d’água”, alerta Mariana Paschoalini Frias, especialista em Conservação do WWF-Brasil.

Quer ajudar as equipes no resgaste dos botos? Faça uma doação online na campanha que está sendo organizada pela Sea Shepherd Brasil: doe.seashepherd.org.br/page/BotoEmergencia

ajuda aos botos campanha
IMagem: Divulgação | Sea Shepherd Brasil

Mudanças Climáticas e a seca no Amazonas

“Os estudos que realizamos com os botos amazônicos indicam que eles sofrem inúmeras pressões, como o impacto das hidrelétricas, contaminação por mercúrio, o conflito com humanos (pescadores e ribeirinhos) principalmente em atividades de pesca, considerada uma das mais graves ameaças atuais. Agora, esses pequenos golfinhos de água doce são impactados de maneira mais direta pela questão climática”, explica Mariana.

Cientistas afirmam que dois fenômenos simultâneos podem agravar e até prolongar a seca na Amazônia. Além do El Niño, que aumenta a temperatura das águas superficiais do oceano na região do Pacífico Equatorial, o aquecimento do Atlântico Tropical Norte, logo acima da linha do Equador, inibe a formação de nuvens, reduzindo o volume de chuvas na Amazônia.

Imagens aéreas do Lago Tefé. Foto: Instituto Mamirauá

Para os humanos, os riscos relacionados com a falta de água tendem a se agravar com as mudanças climáticas, é o que diz o IPCC. O grupo de cientistas mapeou as tendências de mudanças e descobriu que as alterações climáticas causadas pela ação humana contribuíram para a gravidade do impacto das secas em muitas regiões do planeta. Estima-se que os riscos relacionados com a água aumentem com cada grau de aquecimento global.

Segundo o IPCC, entre 1970 e 2019, 7% de todos os desastres em nível mundial estiveram relacionados com secas, contribuindo com 34% das mortes relacionadas com catástrofes. Mas, além das vidas perdidas, pode-se dizer que a água é a principal vítima da mudança do clima. Em apenas três décadas, o Brasil já perdeu o equivalente a 10 cidades de São Paulo em superfície de água.

Na última década, os nove países com floresta amazônica em seu território perderam 1 milhão de hectares de superfície de água, o equivalente a seis cidades de São Paulo em área hídrica, segundo o Mapbiomas.

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Foto: Bruno Kelly | Amazônia Real

O preço cobrado pela emergência climática é alto. A água é um elemento estratégico: além do quesito sobrevivência, está diretamente associada à matriz energética e à agropecuária, que foi responsável por quase metade das exportações brasileiras. Cultivar a água é a saída para uma vida econômica e ecologicamente mais segura e isso implica no enfrentamento direto às mudanças climáticas.

Além dos botos e peixes que sofrem com a falta de oxigênio e acabam morrendo, a situação afeta diretamente os pescadores e quem sobrevive de toda a dinâmica do rio. O tradicional período de estiagem que tem seu ápice em outubro, já está afetando 59 municípios com a redução do nível de água em seus rios, impactando a navegabilidade e consequentemente questões de logística e insegurança para a coleta e consumo de peixes.

botos encalhados
Foto: Miguel Monteiro | Instituto Mamirauá

A natureza está dando um alerta: teremos um cenário dramático se continuarmos no ritmo atual de aquecimento do planeta. O IPCC já alertou que, mesmo nos melhores cenários, podemos ultrapassar 1,5°C de temperatura na próxima década. Eventos como redução de rios, falta de chuva, enchentes e ondas de calor como as que afetaram o centro-sul do Brasil recentemente, podem ser a normalidade das estações.

Há uma lacuna pequena de tempo se quisermos reverter a curva do aquecimento e manter a temperatura em níveis seguros e garantir a quantidade e qualidade dos recursos naturais. Esse enfrentamento passa prioritariamente pelo desmatamento zero e pela redução do uso de combustíveis fósseis.