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Cuidar de quem cuida da floresta, uma receita para proteger a Amazônia

Garantindo renda e qualidade de vida para os povos da floresta, ONG reduziu em 40% o desmatamento nos territórios onde atua

canoa amazônia
Foto: Facebook | Pousada Vista Rio Negro

“O nosso propósito é maior que manter a floresta em pé, maior do que cuidar das pessoas que cuidam da floresta. Trabalhamos para perpetuar a Amazônia viva, com todos e para todos”, resume Valcléia Solidade, superintendente de Desenvolvimento Sustentável de Comunidades da Fundação Amazônia Sustentável (FAS), organização que completa 15 anos em 2023. A história desta mulher forte, que cresceu em uma comunidade quilombola no Pará, se mistura com a da própria fundação – o fio condutor é sempre o olhar e apoio às pessoas que vivem na floresta.

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Val, como é conhecida, começou a trabalhar na fundação há 14 anos e 5 meses poucos meses depois que a FAS foi criada pelo professor Virgílio Viana, atual superintendente-geral da organização que hoje está presente em 582 comunidades em 16 Unidades de Conservação da Amazônia.

Fundação Amazônia Sustentável
Foto: Facebook | Fundação Amazônia Sustentável

“A FAS nasceu para apoiar a e fortalecer as políticas públicas. Desde que começamos o trabalho nas Unidades de Conservação, nosso propósito é trazer conhecimento e fazer com que o território possa se fortalecer e se desenvolver”, conta Val.

Cuidar de quem cuida da floresta tem dado certo. Entre 2015 e 2021, as ações da FAS contribuíram para aumentar a renda média das comunidades em 202% e reduziu o desmatamento em 40% nos territórios onde atua. Entre as atividades da fundação está o apoio à implementação de políticas públicas, como o antigo Programa Bolsa Floresta do Governo do Amazonas, atual Guardiães da Floresta, que realiza pagamentos por serviços ambientais aos moradores de Unidades de Conservação ajudam na conservação de territórios.

Rio Negro
Rio Negro, na cheia. Foto: Natasha Olsen

Floresta em pé

Além de benefícios socais, esse trabalho também transforma os comunitários em guardiões da Amazônia. As lideranças locais são fortalecidas por meio de novas oportunidades de geração renda, capacitação profissional para adultos, educação formal e educação para a sustentabilidade para jovens e crianças, além de acesso à energia, por meio de placas e sistemas solares.

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“As pessoas tem que ter a oportunidade de continuar na floresta. Ficar onde elas estão e ter acesso aos benefícios da floresta em pé”, defende Roberto Brito, que hoje é dono da Pousada do Garrido, localizada na Comunidade Tumbira, a 80km de Manaus, nas margens do Rio Negro. Além da pousada, ele administra outras três casas na comunidade que podem receber turistas o ano inteiro. Líder comunitário, ele é um exemplo vivo da transformação gerada por conhecimento e oportunidades.

Pousada do Garrido Amazônia
Com 12 anos, Roberto Brito trabalhava com o pai, cortando madeira. Hoje é o proprietário orgulhoso da Pousada do Garrido. Foto: Natasha Olsen

“A floresta derrubada tem preço. A floresta em pé tem valor.”

Com 12 anos, Roberto já saia com seu pai para o meio da floresta para derrubar árvores, cortar e vender madeira. Passava dias embrenhado na mata, em um trabalho extenuante e ilegal. Ao final do mês, ganhava pouco porque dividia o dinheiro da venda com muita gente – o lucro real ficava com quem comprava e revendia a carga.

Ele lembra que depois de receber seu primeiro grupo de turistas por uma semana, ganhou o que não ganhava em 3 meses com a madeira. Os benefícios foram divididos entre outros ribeirinhos, que também se engajaram no ecoturismo e muitos seguem até hoje na atividade, que trouxe muito mais do que ganhos econômicos.

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“A autoestima dos caboclos era muito baixa, por não ter escolaridade. Com o ecoturismo eles passaram a ser valorizados, dão aula sobre o contato com a natureza. As pessoas de dentro da comunidade estão passando este legado para quem vem de fora”, explica o empreendedor e guardião da floresta.

Hoje, com o turismo comunitário Roberto conta que ganha até 20 vezes mais do que ganhava com a venda de madeira, em uma atividade mais leve e compensadora, para ele e para a floresta. “Hoje eu durmo com a consciência tranquila. Quando a gente corta uma árvore ela gera renda uma única vez. As árvores que ficam de pé me trazem benefícios todos os dias, para sempre. Elas são parte das atividades de ecoturismo e algumas ainda nos dão frutos para comer”, explica.

Roberto Brito Amazônia sustentável
Roberto é um dos empreendedores que recebe apoio da FAS. Foto: Natasha Olsen

A Pousada do Garrido foi o primeiro empreendimento de turismo graduado pela Incubadora de Negócios da FAS e aumentou seu faturamento em aproximadamente cinco vezes, saltando de R$ 86 mil em 2020 para R$ 411 mil em 2022. Os números positivos são acompanhados de uma nova relação que Roberto desenvolveu com a Amazônia.

“A floresta derrubada tem um preço. A floresta em pé tem valor. Um valor que não dá para colocar em número. A melhoria da Amazônia, do povo que vive nela tem futuro, porque as pessoas estão inclusas naquilo de melhor que tem nela, que é a natureza. Se você mostrar para qualquer um o que é importante, vai dar certo. Podemos ser analfabetos, mas burros nós não somos!”, ensina ele.

Árvore Amazônia
Manter a floresta em pé garante renda e benefícios de forma permanente. Foto: Facebook | Pousada Vista Rio Negro

Energia, comunicação e desafios

Garantir eletricidade para quem vive no meio da floresta é um dos 3 grandes desafios nesta jornada. “Costumo brincar que quando entramos no jogo para implementar projetos de desenvolvimento sustentável, já começamos perdendo de 3×0. Primeiro enfrentamos a logística, com viagens que passam de 10 horas. Depois vem a geração de energia: nas comunidades em que trabalhamos 65% das pessoas não tem acesso à eletricidade por 24 horas. O outro fator é a comunicação, em muitos lugares em que atuamos, as pessoas se comunicam via rádio”, explica Val.

energia solar Amazônia Rio Negro
Sistema de energia fotovoltáica instalado na comunidade de Santa Helena do Inglês. Foto: Natasha Olsen

Na comunidade de Santa Helena do Inglês, localizada na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Rio Negro, município de Iranduba (AM), os benefícios do acesso à energia são comprovados.

Uma parceria entre a Fundação Amazônia Sustentável e a empresa Unicoba está beneficiando 30 famílias que vivem no local, com um sistema de energia solar fotovoltaica com 132 painéis solares, 54 baterias de lítio e nove inversores híbridos de última geração.

“A comunidade é muito distante da cidade e a energia chegava pela floresta. Quando tinha qualquer temporal, as árvores caíam e a comunidade ficava toda sem energia. Isso afetava muito a escola, que tem aula à noite, a igreja e a pousada comunitária, que recebe clientes”, conta Nelson Brito, presidente da associação comunitária.

Entre os problemas causados pela falta de eletricidade, Nelson cita inclusive danos à saúde das famílias que precisavam salgar os alimentos, o que pode desencadear problemas de pressão alta, por exemplo. Hoje, isso tudo mudou e já existem planos para construção de uma fábrica de gelo e de uma câmara fria para armazenar com segurança os peixes e outros mantimentos que são consumidos ou vendidos pelos comunitários.

Val Fundação Amazônia SUstentável
Val, em uma das muitas visitas que faz nas comunidades com as quais trabalha. Foto: Arquivo Pessoal | Instagram

Seguindo o princípio de cuidar de quem cuida da floresta, junto com os painéis e sistemas solares, vieram cursos técnicos para formar eletricistas de baixa tensão entre os moradores da comunidade. “Formados duas pessoas de cada comunidade, num total de 38 pessoas. Temos que formar o capital humano no território, este lugar só vai se desenvolver se de fato as pessoas que vivem aqui estiverem preparadas”, lembra Val.

Turismo Sustentável de Base Comunitária

Além da energia solar, a comunidade de Santa Helena tem ainda uma pousada, com lucro e gestão compartilhados. O empreendimento é coletivo: a cada dois anos, a comunidade elege os responsáveis por administrar a Pousada Vista Rio Negro e os ganhos são divididos entre quem trabalha diretamente no local e a associação de moradores.

Pousada Vista Rio Negro
A Pousada Vista Rio Negro é um dos empreendimentos de turismo que recebe apoio da FAS para sua gestão. Foto: Facebook | Pousada Vista Rio Negro

A atual gestora, Adriana Mendonça, teve um suporte muito especial para divulgar a pousada nas redes sociais. O filho Romeu, de 16 anos esteve entre os 15 jovens que participaram da Jornada de Marketing Digital promovida pela FAS. Ao longo de quatro meses, ribeirinhos de seis empreendimentos turísticos de Unidades de Conservação para ensinar como utilizar as plataformas digitais de forma eficiente e cativar o público que vai em busca de uma experiência de turismo amazônico.

Romeu se destacou entre os alunos e foi premiado com um smartphone para seu trabalho de comunicação. Os resultados apareceram e o número de turistas vem crescendo, segundo Adriana. Mas o orgulho da mãe e empreendedora amazonense vai muito além disso. “Tenho dois filhos, um de 16 e outro de 20 anos. Nenhum deles sabe serrar madeira, nem atirar em animal, nem para comer. Meus filhos não querem mais isso!”, conta emocionada.

Adriana Pousada Vista Rio Negro
Adriana é responsável pela gestão da pousada e conta com o apoio do filho, que fez curso de Marketing Digital. Foto: Natasha Olsen

“É esse o nosso intuito, manter a floresta em pé. Meus filhos querem trabalhar com turismo, essa geração nova já está preservando a floresta, os peixes, o rio. É isso que a gente quer: a preservação da Amazônia. Isso serve tanto para nós, amazonenses, como para as pessoas de outros estados, de outros países. Estamos mostrando este modelo de quem pode viver numa floresta sem degradar”, garante a empreendedora.

O Turismo Sustentável de Base Comunitária vem de encontro à proposta da FAS e tem como protagonistas as comunidades locais, que recebem apoio para gerenciar e empreender diversos projetos. O objetivo é que os povos da floresta possam criar e gerir seus próprios negócios, com o apoio e investimento de parceiros estratégicos.

“Você olha para a comunidade e vai irradiando seu efeito. As comunidades têm um impacto no território próximo, que chega ao município, depois na capital, no Brasil e no mundo, quando a gente cuida da floresta”, finaliza Val.

Restaurante Sumimi Amazônia
A chef Neurilene Cruz fez cursos de gastronomia e hoje é a responsável pelo cardápio do Restaurante Sumimi, na Comunidade Três Unidos, às margens do Rio Negro. Foto: Natasha Olsen

Esporte e educação

Na comunidade indígena Três Unidos, na APA do Rio Negro, além da educação e apoio ao turismo, a FAS desenvolveu também um projeto de incentivo ao esporte, mais especificamente à canoagem e arquearia, que já fazem parte da cultura do povo Kambeba.

esporte atletas indígenas Amazônia
Nelson e Thales treinam para representar o Brasil e o povo Kambeba. Fotos: Natasha Olsen

O projeto de arquearia começou em 2015 e hoje beneficia 5 atletas indígenas de 3 povos diferentes e visa dar condições de treinamento e preparação para os jovens atletas. Entre eles está Nelson Silva, de 23 anos, que já foi campeão brasileiro e hoje treina cerca 7 horas por dia, se dividindo entre a sua comunidade e a Vila Olímpica, em Manaus. Nelson já conheceu vários países do mundo, representando o Brasil em várias competições. “Eu brincava de arco e flecha e com o projeto descobri que esse era um esporte olímpico. Hoje represento o Brasil e o meu Amazonas”, relembra.

Já o projeto de canoagem começou em 2019, com uma parceria entre a FAS e a Confederação Brasileira de Canoagem. A iniciativa já beneficiou mais de 60 atletas indígenas e ribeirinhos das comunidades Três Unidos, Nova Kuanã São Sebastião, localizadas na Área de Proteção Ambiental do Rio Negro. Thales de Araújo, indígena da etnia Kambeba, é um dos jovens que se dedica ao esporte, treinando três horas de manhã e três horas à tarde. “Meu sonho é me tornar um atleta de alto nível e representar meu povo e minha aldeia em uma olímpiada”, conta.

Nas comunidades, existe a Casa do Professor para garantir qualidade de vida aos educadores. Na comunidade Tumbira, a casa recebe o nome de Raimunda Saracá, educadora e líder comunitária que foi mais uma das vítimas da epidemia de COVID na região de Manaus. Foto: Natasha Olsen