Como as mudanças climáticas impactam a arquitetura?

Arquiteta especialista em construções sustentáveis explica como garantir construções resilientes no campo e nas cidades

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Foto: Gera Brasil Arquitetura

Recentemente, o impacto da pandemia trouxe olhares sobre nossa forma de morar e trabalhar e nos fez refletir muito sobre como podemos ter uma vida mais saudável construindo espaços mais simples e mais eficientes. Houve um aumento pela procura de materiais naturais como tintas minerais, fibras e madeira. Também aumentou o entendimento de que um espaço saudável se faz necessário, com projetos onde as janelas e aberturas são pensados estrategicamente para aproveitar melhor a ventilação, aliado com a iluminação natural, trazendo bem-estar e conforto ambiental.

Mas, diante dos últimos acontecimentos, nossa forma de viver está sendo afetada muito além disso. Nosso país está passando pela quarta onda de calor e chuvas intensas nas regiões mais populosas do país, chamando atenção para nossa percepção de abrigo e ocupação, seja em áreas urbanas ou em áreas rurais.

As ondas de calor estão mais fortes e mais longas, com registros superiores a 5º C acima da média, aumentando a demanda por equipamentos eletrônicos de climatização. As chuvas de verão também vêm castigando bastante, chovendo muito em poucos dias nas regiões sul e sudeste do país, afetando produções agrícolas e causando danos nas regiões metropolitanas.

Vivemos em uma época da arquitetura da adaptação

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Imagem: Fluxus Design Ecológico | ilustração de Fernando Nigro

Uma das primeiras decisões a serem tomadas durante o processo de projeto de uma edificação é o local a ser implantado no terreno. Independente do tamanho, a implantação de uma habitação impacta tanto a arquitetura da própria construção quanto sua relação com o entorno, e por isso deve ser pensada e projetada com cuidado. Se em terreno natural, impacta na relação com o relevo e com a alteração das condições naturais, nas áreas urbanas o impacto é relativo à impermeabilização dos lotes ou problemas de insolação.

Agora pensando num contexto mais amplo, as cidades, condomínios urbanos ou rurais precisam estar preparados para os efeitos dos extremos climáticos ocorridos recentemente. Mesmo uma edificação bem projetada com estratégias de arquitetura e de engenharia não é garantia de resistir às situações intensas como as que temos presenciado. Mas um conjunto de soluções pode minimizar e evitar danos causados pelos impactos climáticos.

Resiliência das cidades

A principal função de um jardim de chuva é minimizar os impactos de enchentes e alagamentos. Essa estrutura é um jardim rebaixado de aproximadamente 1 metro de profundidade, composta por camadas de pedras e areia e que funcionam como uma esponja filtrante. Esses jardins captam as águas de chuva e tem como uma das funções diminuir a velocidade da água nas áreas impermeáveis e redirecioná-las após a filtragem ou infiltrando a água de volta ao solo.

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Jardim de chuva na Vila Mariana, Zona Sul de São Paulo. Foto: Prefeitura de São Paulo

Um exemplo pontual, com resultados rápidos e positivos em áreas urbanas pode ser visto no bairro da Vila Mariana em São Paulo. Em um movimento que alia sociedade civil e poder público, estão sendo implantados em pontos estratégicos e bem pensados os canteiros pluviais ou os chamados jardins de chuva.

Este projeto em específico está sendo executado pela subprefeitura da Vila Mariana, com projeto técnico da Fluxus engenharia e fiscalização da Paisagem Design Regenerativo. É uma grande surpresa e um grande prazer aos olhos de quem passa no local, verificar a implantação de um equipamento urbano que une funcionalidade, estética e eficiência.

Os jardins de chuva na cidade de São Paulo já estão sendo implantados desde 2017 e a cidade atualmente conta com mais de 300 iniciativas que incluem jardins, calçadas, biovaletas, entre outros, todos com a função de drenar as águas e evitar alagamentos.

As 3 perspectivas de um projeto sustentável

A eficiência de uma edificação, a resiliência ao ambiente e a sustentabilidade são o resultado de inúmeros sistemas e que levam em conta as técnicas empregadas e seus potenciais. Esses sistemas podem ter três abordagens distintas, cada uma resultando em um nível de design: uma abordagem mais simples e acessível, uma abordagem mais técnica e elaborada e uma terceira abordagem sistêmica que atende os requisitos de sustentabilidade no âmbito econômico, ambiental e social.

Começando pela abordagem mais simples e acessível, garantimos um resultado funcional e adequado através do uso racional de água potável, do reuso de água de chuva, destinação e tratamento adequado das águas servidas (negra e cinza), instalação de equipamentos de geração de energia solar ou eólica e de aquecimento solar, sistemas eficientes de condicionamento de ar, produção de biogás e uso de materiais certificados. Estes sistemas são aplicáveis a todo e qualquer projeto de edificação de arquitetura.

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Concepção e infográfico: Antonio C. Vissotto Jr.

Com uma visão técnica, além dos sistemas funcionais como o uso da iluminação e ventilação natural, estratégias de uso da energia geotérmica garantindo conforto ambiental interno pode-se alcançar um resultado operacional e de manutenção eficaz, utilizando-se automação para controle inteligente dos sistemas ativos e passivos da edificação. Podemos também determinar em projeto quais formas de controle e de medição dos diferentes parâmetros de funcionamento e ambientais. E na etapa mais concreta de obra, ter um canteiro de obra organizado, seguro e com destinação correta dos resíduos de obra.

A terceira e última visão, a sistêmica, é quando se pode atingir um resultado econômico, ambiental e social, de acordo com os três pilares da sustentabilidade. Nesta visão, muito mais que projeto e obra, foca-se na parte social com ciclos de capacitação, treinamentos específicos para equipe de projeto e obra, além de interessados da comunidade. Essas ações estimulam a economia local e permitem capacitação e conexão das pessoas com o lugar onde se vive.

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Karen em uma obra de seus projetos. Foto: Bruno Chimenti

Este conteúdo foi produzido pela arquiteta Karen Miyabe Ueda, cofundadora do escritório Gera Brasil Arquitetura. Karen desenvolve e aplica nos projetos e empreendimento rurais, práticas regenerativas que contribuem para a tomada de decisões sustentáveis.

Em seus projetos tem como objetivo a pesquisa e a adoção de soluções de baixo impacto ambiental na construção e sempre está buscando uma sustentabilidade honesta e ao alcance de todos. “Se você quer construir ou adaptar seu espaço, estou disponível para conversar sobre como projetar em um mundo onde as mudanças e as reações da natureza não são tão previsíveis como imaginávamos”, avisa. Quer conversar com ela? Envie um email para [email protected].