Andes e Mata Atlântica já foram conectados pelo Cerrado
Há, por exemplo, 23 espécies de aves tropicais presentes nos dois biomas.
Há, por exemplo, 23 espécies de aves tropicais presentes nos dois biomas.
Por Agência Fapesp
As florestas tropicais dos Andes e a Mata Atlântica estão separadas por quase mil quilômetros de áreas mais secas e de vegetação aberta, nos biomas Chaco, Cerrado e Caatinga. Apesar de atualmente não terem conexão, essas florestas tropicais compartilham espécies e linhagens intimamente relacionadas, o que sugere ter havido uma ligação entre essas matas no passado. Há, por exemplo, 23 espécies de aves tropicais presentes nos dois biomas.
Diversos estudos publicados reforçam tal hipótese. O que ainda não se sabia era se a ligação se dava por meio das florestas de galeria que, no passado, acompanhavam os cursos dos rios na região do Chaco (que abrange o sul da Bolívia, o norte da Argentina e o Paraguai), ou pelo Cerrado (parte da Bolívia, Centro-Oeste do Brasil e norte do Paraguai).
De acordo com uma nova pesquisa, que analisou dados genômicos e biogeográficos de aves das espécies Syndactyla rufosupercilita e Syndactyla dimidiata, a conexão entre as florestas andina e atlântica no passado ocorreu pelo Cerrado. A ligação teria se formado diversas vezes durante o Pleistoceno, período geológico ocorrida entre 2,5 milhões e 11,7 mil anos atrás.
A investigação foi conduzida pelo ornitólogo Gustavo Cabanne, do Museo Argentino de Ciencias Naturales, em colaboração com Cristina Yumi Miyaki, professora no Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP). Os resultados foram publicados na revista Molecular Phylogenetics and Evolution.
A biogeografia é a ciência que estuda as relações entre os seres vivos, a geografia, o relevo e o clima. A paleobiogeografia parte dessas mesmas relações para entender, por exemplo, como era a distribuição das espécies no passado e as relações existentes entre elas.
“O grande desafio dos estudos de biogeografia é integrar e interpretar as informações obtidas de diversas fontes, como componentes biológicos, dados genômicos das espécies analisadas, informações geológicas, dados paleoclimáticos, dados palinológicos [de pólen e esporos] ou dados de sensoriamento remoto obtidos a partir de imagens de satélite”, diz a professora Cristina.
De acordo com Cabanne, a conexão entre as florestas úmidas andina e atlântica é apoiada por estudos palinológicos, entre outros, segundo os quais ambas se expandiram transitoriamente em algumas regiões em direção aos Andes durante os últimos máximos glaciais – os períodos mais frios das diversas idades do gelo que ocorreram nos últimos 2,5 milhões de anos.
No trabalho publicado na revista Molecular Phylogenetics and Evolution, os pesquisadores elegeram como objeto de estudo uma ave popularmente conhecida como trepador-quiete (Syndactyla rufosuperciliata). “O trepador-quiete é um modelo apropriado para explorar a conexão das florestas andina e atlântica porque a espécie habita tanto os principais domínios dessas matas como as áreas que poderiam ter sido diretamente envolvidas na sua ligação: as florestas de galeria do Chaco oriental e algumas regiões no sul do Cerrado”, explica Cabanne.
A análise genômica evidenciou que os trepadores-quiete habitantes das florestas tropicais andinas pertencem hoje a linhagens diferentes daquelas dos trepadores-quiete da Mata Atlântica. Mas nem sempre foi assim. No passado, há centenas de milhares de anos, a distribuição original da espécie parece ter sido muito maior do que a atual, e também suas linhagens eram menos diferenciadas do ponto de vista genômico.
Porém, com a sucessão de períodos glaciais e o avanço e recuo da vegetação de Cerrado, os passarinhos andinos e atlânticos foram ficando isolados uns dos outros por dezenas de milhares de anos, o que levou à diversificação em duas linhagens.
Os dados sugerem inclusive que, durante os períodos interglaciais do Pleistoceno, quando a temperatura se elevou e houve avanço das florestas úmidas, ocorreram novos contatos entre trepadores-quiete do leste e do oeste, o que permitiu cruzamentos e novas trocas genéticas entre as duas linhagens.
Aliada aos dados paleoclimáticos, a análise da diversidade genômica dos trepadores-quiete andinos e atlânticos sugere que tais trocas gênicas ocorreram via Cerrado, ao norte, e não via Chaco, mais para o sul.
“Nossos resultados indicam que as florestas andina e atlântica atuaram como refúgios e que as populações das espécies de ambas as regiões entraram em contato por meio da região do Cerrado, sugerindo que a dinâmica histórica desses dois biomas é importante para a evolução das aves florestais”, disse Cabanne.
O estudo completo você encontra aqui e a matéria completa da Fapesp aqui.