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Restaurar áreas degradadas favorece retorno de microrganismos

Além de melhorar a produtividade dos cultivos, bactérias, fungos e arqueias que vivem na terra prestam serviços ecossistêmicos, como estocagem de carbono

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Foto: Sushobhan Badhai | Unsplash

Estratégias aplicadas na restauração de áreas degradadas têm mostrado resultados promissores em terras do semiárido brasileiro, melhorando também as propriedades microbianas do solo e contribuindo para a volta de serviços ecossistêmicos nativos. Entre essas técnicas estão a retirada ou a restrição do acesso de gado a determinadas regiões de pasto; o cultivo de espécies para cobertura vegetal e a adoção de terracing, um procedimento que modifica a topografia em encostas ou inclinações para controlar a erosão.

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Com a recuperação das propriedades microbianas do solo, além do importante papel de manutenção da biodiversidade, a produtividade melhora, contribuindo com uma produção agropecuária sustentável. Esses são os resultados apontados por um grupo de cientistas da Universidade de São Paulo (USP) e das Federais do Piauí (UFPI), do Ceará (UFC) e do Agreste de Pernambuco (Ufape).

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O aspecto das plantas e do solo são bons indicativos para a necessidade de adubação. Foto: Pixabay

Os pesquisadores fizeram uma revisão de 18 estudos desenvolvidos no semiárido, concentrado na Caatinga, e a pesquisa foi publicada no Journal of Environmental Management.

Contexto

No Brasil, 16% do território é suscetível à desertificação. São mais de 1.400 municípios (de um total de 5.570), distribuídos nos nove estados da região Nordeste. Englobam cerca de 35 milhões de brasileiros.

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Solos descobertos estão propensos à degradação. | Foto: Freepik

Além disso, a biodiversidade da Caatinga é variada, composta de quase 600 espécies de aves, 240 de peixes, mais de 170 de mamíferos, entre outras. No bioma, os agricultores familiares estão entre os mais expostos ao risco climático, e os municípios onde eles se concentram registraram perdas de produção nas últimas três décadas.

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Segundo estudo do Climate Policy Initiative da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, o aumento da seca na Caatinga provoca uma queda maior na produtividade do feijão (16%) e do milho (35%), por exemplo, em comparação aos demais biomas (6% e 16%, respectivamente). No caso da pecuária, a queda de 9% na produtividade na região se contrapõe ao aumento de 1% nos outros biomas.

“Buscamos entender o microbioma e suas funções para, a partir daí, enxergar ferramentas que auxiliem a recuperação de áreas degradadas no semiárido. Vimos que as técnicas de restauração têm feito com que a biodiversidade microbiana volte e, consequentemente, haja a retomada de funções e serviços ecossistêmicos mais similares ao que eram naturalmente”, explica o professor Lucas William Mendes, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da USP.

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Os pesquisadores fizeram uma revisão de 18 estudos desenvolvidos no semiárido, concentrado na Caatinga. | Foto: Arthur Prudêncio de Araújo Pereira | UFC

Para entender

O microbioma é a coleção de todos os microrganismos, seus materiais genéticos, funções e relação com o ambiente. Inclui bactérias, fungos, arqueias, protistas e vírus encontrados no solo. Desempenha importante papel na ciclagem de nutrientes, na decomposição de matéria orgânica, além de estar ligado à emissão de gases de efeito estufa e correlacionado com a saúde do solo, refletindo, assim, nas plantas.

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Alguns microrganismos envolvidos na formação e estabilização de matéria orgânica rica em carbono contribuem para o sequestro do gás e ajudam a mitigar os efeitos das mudanças climáticas. Entender como as técnicas de restauração mexem com o microbioma permite não só compreender como está a qualidade da terra, mas também reduzir o uso de insumos artificiais e melhorar a agricultura por meio do potencial biotecnológico.

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Foto: Pixabay

As pesquisas podem fornecer subsídios para orientar a formulação de políticas públicas direcionadas ao desenvolvimento sustentável e à mitigação dos impactos da desertificação. “Essas iniciativas são fundamentais, especialmente ao incorporar o conceito de saúde global, que reconhece a interdependência entre a saúde dos ecossistemas, a diversidade microbiana do solo e o bem-estar humano”, complementa a professora Erika Valente de Medeiros.

Impactos

No artigo, os pesquisadores mostraram que a desertificação no semiárido brasileiro é influenciada por fatores naturais – baixa pluviosidade da região, as altas taxas de evaporação e os solos frágeis – e atividades humanas insustentáveis – como a criação de gado ou uso para agricultura sem o manejo adequado.

Por outro lado, o estudo também indica práticas efetivas de restauração para recuperação da diversidade microbiana no solo. Adotando técnicas moleculares, como metagenômica e metatranscriptômica, foi possível fazer o monitoramento e a avaliação dos impactos dos esforços de restauração.

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“A saúde do solo é reconhecida como um bem comum da humanidade”. | Foto: iStock

Nas áreas em que houve a cobertura com nova vegetação, foram usados o cânhamo (Crotalaria juncea) e o capim-mombaça (Panicum maximum) – planta de origem africana, disseminada nas regiões tropicais e subtropicais, com alta produtividade de massa verde por hectare e elevado teor de proteína bruta, o que o torna um alimento de qualidade para o gado. “Com cobertura das plantas, que muda a química do solo, conseguimos ver que há melhora na pastagem da região, podendo ampliar a quantidade de cabeças de gado por hectare, aumentando a produtividade”, diz Mendes.

Já as áreas de terracing ajudaram a controlar a erosão, conservar a água e facilitar a agricultura. “É importante lembrar que a restauração das propriedades microbianas do solo é um processo complexo e demorado, exigindo compromisso e monitoramento de longo prazo. Daí a importância de cada vez mais estudos nesta área”, completa.

manejo do solo
É possível enriquecer e preservar o solo com técnicas naturais. Foto: Pixabay

Os próximos passos serão desenvolvidos por meio do projeto Caatinga Microbiome Initiative (CMI), uma iniciativa interinstitucional, criada em 2022, que envolve mais de 20 professores e pesquisadores do Brasil e do exterior, com o objetivo de estudar o microbioma da Caatinga e sua relação com a saúde do solo.

Por Luciana Constantino | Agência FAPESP