Revisão de artigo do Código Florestal pode ameaçar o Pantanal
Julgamento pode mudar critérios para compensação ambiental – organizações que atuam no bioma enviaram carta de apelo ao STF
Julgamento pode mudar critérios para compensação ambiental – organizações que atuam no bioma enviaram carta de apelo ao STF
As organizações da sociedade civil que atuam pela preservação do Pantanal estão em alerta. No dia 2 de fevereiro, o Supremo Tribunal Federal retomará o julgamento dos Embargos de Declaração da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 42, para concluir se o conceito de “identidade ecológica” deve ser estendido para os demais métodos de compensação ambiental previstos no artigo 66 do Código Florestal. A decisão pode retirar do bioma a classificação de “área prioritária” – o que seria uma ameaça à proteção da biodiversidade do Pantanal.
Para garantir a permanência do que está na Constituição, o Instituto SOS Pantanal e mais de 46 entidades atuantes no bioma com apelos aos ministros da alta corte do Judiciário para que o ecossistema mantenha sua estrutura de compensação atual.
Para ler a íntegra da carta, clique AQUI.
Sancionado por meio da Lei 12.651, de 2012, o Código Florestal estabelece, entre outras previsões legais, critérios para a recuperação da vegetação nativa em áreas privadas. Com a premissa de preservação da chamada Reserva Legal, uma área mínima de floresta em tais propriedades, a lei em vigor ainda permite que a compensação ambiental seja feita em outro imóvel com excedente de vegetação nativa desde que pertencente ao mesmo bioma. Porém, na lei atual e no próprio conceito de “identidade ecológica” explicita-se que essas condições não se aplicam à área prioritárias (estas com alta relevância ecológica e prioritárias para ações de conservação). Pela Constituição Federal o Pantanal está inserido nestas “áreas prioritárias”.
No caso específico do Pantanal mato-grossense e sul-mato-grossense, uma das maiores extensões úmidas contínuas do planeta com uma rica biodiversidade constituída em mais de 151 mil km², e partindo da interpretação vigente do Código Florestal, a avaliação da área para compensação de Reserva Legal pelo critério bioma tem sido amplamente realizada há mais de uma década e configura um método objetivo, de fácil aplicação e com baixos custos de transação, diferentemente da chamada “identidade ecológica”, conceito que ainda não dispõe de respaldo na literatura especializada e é passível de interpretações subjetivas que podem afetar, por exemplo, produtores rurais comprometidos com a regularização ambiental de suas propriedades.
O estabelecimento de critérios ecológicos em mecanismos de compensação ambiental é de extrema importância para garantir a conservação dos processos ecológicos e serviços ambientais. Porém, uma decisão que institui o critério da identidade ecológica para todos os mecanismos de compensação de Reserva Legal, após mais de uma década da edição da lei e sem uma modulação dos efeitos da decisão para os diferentes cenários já em consolidação, traz uma série de impactos na implementação do próprio Código.
Iniciado em 25 de agosto de 2023, o julgamento dos Embargos de Declaração da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 42 tem como ministro relator Luiz Fux, que votou pela aceitação do critério de “identidade ecológica” para a compensação ambiental, entendimento seguido por outros quatro ministros (Gilmar Mendes, Edson Fachin, Carmem Lúcia e a ex-ministra Rosa Weber). O ministro Alexandre de Moraes divergiu do voto do relator, defendendo a manutenção do conceito de bioma, e o atual presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, pediu vistas, suspendendo o julgamento por 50 dias. Com a retomada da votação em 2 de fevereiro, o pleno do STF poderá formar maioria para a adoção do conceito de “identidade ecológica”.
Com o objetivo de obter dados concretos para avaliar os efeitos de uma possível alteração do critério para compensação de Reserva Legal, o Instituto SOS Pantanal, que atua na conservação do bioma por meio do aprimoramento de políticas públicas e da divulgação de conhecimento científico sobre a região, solicitou ao instituto MapBiomas um estudo aprofundado com o mapeamento de dados envolvendo o critério no bioma, com enfoque no Mato Grosso do Sul e dando destaque para a chamada BAP, Bacia Hidrográfica do Alto Paraguai, determinante não só para a preservação do Pantanal como também para a própria existência do bioma.
O estudo envolveu pesquisas de cinco profissionais – Eduardo Rosa, Marcos Rosa, Mariana Dias, Tasso Azevedo e Julia Shimbo – e foi apresentado por meio da Nota Técnica (NT) “Conservação da Planície e do Planato da Bacia Hidrográfica do Alto Paraguai”.
Para ler a Nota Técnica do MapBiomas na íntegra, clique AQUI.
“Esse rico estudo feito pelo MapBiomas demonstra claramente que o mecanismo de compensação ambiental, da forma que está, funciona perfeitamente. Mexer nesse regramento agora vai judicializar o Código Florestal, que ainda precisa ser amplamente implementado”, defende Leonardo Gomes, Diretor Executivo do SOS Pantanal.
Municiado de dados cruciais informados pelo MapBiomas, o SOS Pantanal também remeteu uma carta ao STF com apelos e considerações relevantes que devem ser observados na retomada do julgamento. Intitulado “Aos Ministros do Supremo Tribunal Federal, um pedido diretamente do Pantanal”, o documento de 11 páginas enfatiza o fato de que, independentemente do veredicto da votação, o impacto de uma possível decisão favorável em relação à adoção do critério de identidade ecológica para a compensação ambiental não deve ter interferência no Pantanal, haja vista que, constitucionalmente, o bioma é considerado Área Prioritária para a Conservação da Biodiversidade, o que assegura excepcionalidades normativas.
“Independentemente do parecer final deste julgamento, é importante reiterar que o Pantanal continua sendo considerado uma ‘área prioritária’ pela própria Constituição Federal, o que automaticamente permite que o bioma receba a compensação de outros biomas. E, mesmo que o critério ‘identidade ecológica strictu sensu’ se aplique, é crucial lembrar que o bioma Pantanal é intrinsecamente dependente do planalto em seu entorno para existir. Portanto, em qualquer ação pensada para o Pantanal deve-se obrigatoriamente incluir a Bacia do Alto Paraguai como um todo”, explica Gustavo Figueirôa, biólogo e diretor de Comunicação e Engajamento do SOS Pantanal.
Para Nauê Bernardo de Azevedo, consultor jurídico do SOS Pantanal, o julgamento no STF, ainda assim, é fundamental para o equilíbrio normativo da compensação ambiental do bioma: “Como há a ausência de uma lei específica para a compreensão do conceito de identidade ecológica, sua adoção pode gerar dúvidas jurídicas sobre a validade da compensação ambiental no Pantanal do jeito que ela funciona hoje, colocando o instituto em xeque nestes locais”, pondera.