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COP 27 teve golaço, gol contra e a volta do Brasil para o jogo

Olho no lance: com linguagem do futebol, cientistas explicam os principais pontos da 27ª Conferência do Clima das Nações Unidas

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Imagem: Pixabay

Não tem como escapar. Apesar de muita coisa importante estar acontecendo no mundo, as próximas semanas vão ser marcadas pelos jogos da Copa do Mundo de Futebol. As seleções e seus craques vão atrair olhares e ser o assunto do momento. Mas, antes do Qatar receber 32 países para a disputa pela taça do mundo, o Egito recebeu países do mundo inteiro para um evento que define muito mais do que um campeão no esporte.

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Negociadores de mais de 190 países estiveram na COP27 e o texto aprovado no dia 20 de novembro de 2022 pela Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática também precisa de atenção. Para ajudar a trazer essa conversa para perto do assunto do momento, pesquisadores que estiveram na COP27 traduzem, na linguagem do futebol, os principais lances, vitórias e derrotas do evento.

André Ferretti, gerente sênior de Economia da Biodiversidade da Fundação Grupo Boticário e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), e Carlos Nobre, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP e pesquisador aposentado do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), contam que o “jogo” no Egito por lá foi bem truncado, mas que teve golaço no finalzinho, gol contra, participação discreta de jogadores importantes e o Brasil aparecendo com vontade de voltar ao pódio.

Confira o que dizem os cientistas sobre a COP 27

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Foto: Pixabay

O golaço

Na opinião de especialistas, o gol mais importante da COP 27 foi marcado apenas na prorrogação. A programação oficial havia terminado sem acordo e as negociações avançavam para o final de semana quando os 198 países participantes da conferência da ONU chegaram a um acordo para a criação de um fundo de perdas e danos para beneficiar os países mais vulneráveis às mudanças climáticas. A decisão foi considerada histórica, apesar de ainda haver muitas dúvidas a respeito dos mecanismos de financiamento e das formas de acesso aos recursos.

Um grupo de trabalho transnacional será formado para definir a efetivação do fundo, que deve socorrer especialmente países ameaçados pelo aumento do nível do mar, migrações forçadas por desastres naturais e outras consequências das mudanças do clima.

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Guerras, desigualdade social e mudanças climáticas agravam ainda mais o quadro da fome no mundo. Foto: Pixabay

“Esses acordos evoluem muito lentamente, pois precisam atender diferentes interesses dos diversos países envolvidos. De qualquer forma, o apoio a comunidades mais vulneráveis era uma demanda histórica dos países em desenvolvimento, presente nos debates sobre mudanças climáticas desde a Eco 92, realizada no Rio de Janeiro em 1992”, lembra André Ferretti. “É importante lembrar que os países mais pobres, apesar de contribuírem muito pouco para as emissões de gases de efeito estufa que causam o aquecimento global, costumam sofrer as maiores consequências do desequilíbrio do clima”, completa.

O gol contra

Os especialistas lamentam que o documento final da COP 27 não tenha apresentado avanços em relação à necessidade de metas mais ambiciosas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Nesse aspecto fundamental das negociações para manter o aquecimento global em 1,5 grau Celsius em relação ao período pré-industrial, conforme estabelecido no Acordo Paris, praticamente não houve evolução em relação à COP 26, realizada em Glasgow, na Escócia.

Apesar de alguns anúncios pontuais na intenção de reduzir as emissões por parte de países como Austrália, Emirados Árabes Unidos, Noruega e Tailândia, é consenso que são medidas insuficientes para conter o aquecimento global dentro dos limites aceitáveis.

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carvão
Foto: Thijs Stoop | Unsplash

O documento final da COP 27 também não apresenta novidades em relação às restrições ao uso de combustíveis fósseis, o que pode ser considerado um gol contra a esta altura do campeonato, já que menções explícitas nesse sentido foram retiradas do texto. A discussão foi flexibilizada e caminhou em direção à adoção de um mix de energias mais limpas, como o gás natural, o que não eliminaria o uso de combustíveis fósseis.

As estimativas mais recentes dos cientistas indicam que, se as metas voluntárias de redução das emissões até 2030 forem mantidas, a temperatura média global deve subir pelo menos 2,4 graus até 2100 em comparação ao início da Revolução Industrial.

“Como os países mais desenvolvidos, que são os responsáveis pela maior parte das emissões, não apresentaram metas mais robustas nesta COP, existe uma expectativa muito grande de que até 2025 todos revejam seus compromissos e apresentem metas mais ambiciosas. Essa deve ser a estratégia se quisermos virar este jogo”, acredita Ferretti.

Brasil volta ao campo

Com a segunda maior delegação da conferência, atrás apenas do Egito, a participação do Brasil na COP 27 foi discreta. Com um governo em final de mandato buscando colocar mais peso na questão energética, sem conseguir muitos avanços práticos, o maior destaque foi a participação do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Em dois pronunciamentos, ele reafirmou que a pauta ambiental terá grande importância em seu futuro governo, inclusive com espaço institucional garantido aos povos tradicionais. Esperava-se, inclusive, que nomes de ministros conectados à pauta ambiental fossem anunciados durante a COP, mas isso não ocorreu.

“Existe uma expectativa muito grande de que o combate às mudanças climáticas tenha um protagonismo no novo governo. Vale lembrar que o Brasil sempre teve um papel de destaque nesta agenda ambiental, desde a Eco 92. Com o novo governo, espera-se que o país volte a ser protagonista no jogo diplomático, disputando partidas decisivas, fazendo o meio de campo entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento”, analisa Ferretti, lembrando que o país nunca havia contado com três espaços físicos em uma COP como ocorreu nesta edição.

Amazônia
Foto: Tamara Saré | Agência Pará

A participação de governadores da Amazônia Legal e de representantes de empresas, ONGs e movimentos sociais, com destaque para organizações indígenas, também foi marcante nesta COP. A intenção do presidente eleito de realizar a COP 30 na Amazônia, em 2025, também ganhou manchetes durante o evento.

Favoritos com atuação discreta

O retorno dos Estados Unidos ao Acordo de Paris após o anúncio de retirada feito durante o governo de Donald Trump (2017-2020) gerou grandes expectativas, mas os resultados práticos ainda são discretos. Em sua rápida passagem por Sharm el-Sheikh, o presidente Joe Biden fez um discurso considerado apenas protocolar. Uma das nações com maior peso no jogo das mudanças do clima, o país saiu de campo sem mostrar todo o seu potencial de liderança. Especialistas recordam que o líder norte-americano também tem enfrentado muitas dificuldades em aprovar projetos importantes para a redução das emissões no Congresso dos Estados Unidos.

mudanças climáticas
Foto: iStock

“Mesmo com dificuldades para a aprovação de todas as medidas prometidas durante a campanha eleitoral, os Estados Unidos estão na direção correta. Como o maior emissor de gases de efeito estufa ao longo da história, e atualmente o segundo maior emissor, atrás apenas da China, os norte-americanos são cobrados para aumentar as ambições e, principalmente, ampliar o apoio aos países mais pobres”, explica Carlos Nobre.

Entretanto, não dá para dizer que não teve uma jogada interessante: a administração Biden-Harris lançou durante a conferência o Roteiro de Soluções Baseadas na Natureza, um esboço de recomendações estratégicas que coloca os Estados Unidos em um caminho para alavancar o potencial das soluções baseadas na natureza para enfrentar os impactos das mudanças climáticas, como a perda da natureza, eventos extremos e intensificação da desigualdade. Foi a primeira vez que os EUA anunciaram uma estratégia para ampliar o uso desse tipo de estratégia.

Jogada ensaiada, mas sem gols

A conferência em Sharm el-Sheikh ficou marcada ainda pela aparente reconciliação entre os dois maiores “jogadores” da agenda climática: Estados Unidos e China. Após tensões diplomáticas que duraram meses, desde que a presidente da Câmara dos Estados Unidos, Nancy Pelosi, esteve em Taiwan, território administrado de forma autônoma e reivindicado pela China, no início do ano, as potências voltaram a buscar entendimento bilateral em relação ao clima durante a COP 27.

qualidade do ar
Shangai, na China. Foto: Photoholgic | Unsplash

“A China é atualmente o maior emissor de CO2 do planeta e, por isso, tem grande importância e responsabilidade na construção de soluções. O mundo aguarda com atenção todos os movimentos de Pequim, pois sem a cooperação chinesa não será possível frear as emissões”, afirma Nobre.