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O pescado que comemos impacta a saúde dos oceanos?

Veja como as nossas escolhas podem proteger espécies ameaçadas e garantir a sustentabilidade dos recursos marinhos

reserva marinha portugal atum
A pesca é uma das grandes ameaças aos ecossistemas marinhos. Foto: Kate | Unsplash

Você sabe de onde vem o peixe que você consome? É muito provável que não, mas diante da crescente preocupação com a origem dos alimentos, tanto em relação à qualidade quanto aos impactos socioambientais que nossas escolhas causam ao planeta, vale a pena entender como a pesca predatória e a sobrepesca são consideradas grandes desafios para a saúde do oceano.

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Esse é, inclusive, um apontamento da Organização das Nações Unidas (ONU). Se a desinformação persistir, corremos o risco de levar espécies à extinção, provocando desequilíbrios entre espécies e crise socioeconômica para as comunidades de pescadores.

O estudo Estado Mundial da Pesca e da Aquicultura, publicado a cada dois anos pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, do inglês) revela que o consumo mundial de pescados mais que dobrou nas últimas três décadas.

ômega 3 salmão
Foto: Pixabay

Relatório divulgado em 2020 pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) informa que, em 2018, cerca de 88% da produção mundial de peixes foi direcionada para consumo humano, o que representa 156 milhões de toneladas.

O maior problema, no entanto, não é o volume crescente do consumo e sim a forma como peixes e frutos do mar são capturados. Estima-se que um terço da pesca seja feita de forma abusiva ou predatória, ou seja, insustentável. Fazem parte desta lista diversas espécies de raia e tubarão (cação), o bagre-marinho e o bagre-branco, o atum-azul, dentre outras que estão em situação crítica na costa brasileira, conforme indica portaria do Ministério do Meio Ambiente.

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Brasil

No Brasil, um agravante para esse quadro é o apagão de estatísticas. Para Alexander Turra, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN) e pesquisador do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP), o país necessita de políticas públicas atualizadas e gestão mais eficiente da atividade pesqueira.

“Embora alguns estados tenham boas práticas, em nível federal percebemos ausência de dados sobre estoques de pescados e o abandono do monitoramento de desembarques pesqueiros há mais de 10 anos. Infelizmente, não temos informações e estatísticas nacionais atualizadas, o que nos leva a uma gestão às cegas. Sem políticas públicas baseadas em dados para garantir a sustentabilidade da pesca, poderemos chegar a um colapso em breve”, alerta Turra.

Em 2018, o ICMBio listou no Brasil 98 espécies de peixes marinhos com algum grau de ameaça, sendo 34 espécies criticamente ameaçadas de extinção.

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peixe cardume
Foto: Pixabay

Sem acompanhamento do poder público, os problemas tendem a se agravar. “A sustentabilidade na pesca pressupõe definições sobre petrechos que podem ser usados, a quantidade de embarcações permitidas em cada área, quantidade e especificações do que se pode pegar, o tamanho dos animais que podem ser capturados, os locais corretos para pescar, o período certo, a metodologia adequada, enfim, uma série de regras que precisam ser estabelecidas e, principalmente, seguidas”, frisa Turra.

A pesca sustentável traz benefícios sociais, econômicos e ecológicos. Conforme destaca o especialista, é necessário respeitar os ecossistemas marinhos e se adaptar ao ritmo reprodutivo dos peixes e outros recursos pesqueiros para manter o equilíbrio e garantir a sobrevivência de todas as espécies.

“Além de gerar consequências econômicas para os pescadores e suas comunidades, a pesca predatória, feita acima da capacidade de reposição dos estoques, gera efeitos nocivos ao longo do ecossistema, comprometendo as cadeias alimentares e trazendo riscos à vida de várias espécies”, explica.

Carne de cação?

tubarão martelo
Photo by Jonas Allert on Unsplash

A abundância global de tubarões e raias oceânicas diminuiu quase três quartos (71%) nos últimos 50 anos, principalmente devido à pesca excessiva, segundo o estudo “Meio século de declínio global de tubarões e raias oceânicos”. Três quartos (75%) das espécies de tubarões e raias oceânicas são considerados em ameaçadas de extinção, segundo critérios da Lista Vermelha da União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN).

Embora alguns tubarões e raias sejam capturados incidentalmente pela pesca, muitos deles são direcionados para o comércio global de nadadeiras. Felizmente a prática do finning, que consiste na retirada e venda apenas das nadadeiras dos tubarões, descartando os corpos no oceano, muitas vezes ainda com vida, está proibida em muitos países, inclusive no Brasil.

Mas, o que “sobra” e que não pode mais ser devolvido ao mar é vendido como carne de “cação”, um consumo crescente em países em desenvolvimento como Brasil e México. Desta maneira, o consumo de carne de cação permite que o comércio de barbatanas continue.

Para agravar a situação, no Brasil não é exigida a rotulagem correta em nível de espécie para tubarões e raias – ou seja, o “cação” vendido no país pode ser a carne de espécies criticamente ameaçadas e proibidas de comercialização, como os tubarões-martelo e raias-viola.

Além de tudo, a carne de tubarão e raia pode ser prejudicial à saúde, uma vez que eles acumulam em grandes quantidades contaminantes orgânicos como pesticidas, metais e derivados de petróleo.

Consumo consciente

Não é só o poder público que precisa fazer sua parte. Os consumidores também podem contribuir bastante para uma mudança deste cenário. Entre os cuidados práticos estão evitar o consumo de cação, pois pode ser carne de uma espécie de tubarão ameaçada; pesquisar iniciativas e selos na sua região que garantam a procedência do pescado; e questionar mercados, restaurantes e peixarias sobre a origem do pescado que comercializam.

Em 2017, a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) listou 455 espécies de peixes criticamente ameaçadas de extinção, incluindo 87 marcadas como possivelmente extintas. Para piorar, estima-se que na pesca e na aquicultura, cerca de 35% do que é coletado mundialmente seja desperdiçado ou perdido.

pesca
Foto: iStock
Alexander Turra respondeu algumas perguntas sobre o consumo consciente de pescados. Confira!
  • Como saber que o pescado que eu consumo não é de pesca predatória? É muito difícil saber ou ter certeza que o pescado que consumimos não é de pesca predatória. Ainda há uma gigantesca dificuldade de combate à pesca ilegal, não reportada e não regulada. Há iniciativas voluntárias que buscam contribuir com esse processo. Selos ou certificados voluntários procuram assegurar que um determinado produto segue práticas sustentáveis. Entre os selos, há aqueles que conferem a um produto um certificado de origem, como o projeto “Olha o Peixe”, que comercializa o pescado respeitando a legislação, com rastreabilidade e trazendo benefícios sociais às comunidades caiçaras no litoral do Paraná.
  • Quais espécies têm defeso no Brasil? Defeso é uma das estratégias de gestão da pesca que impede a captura de organismos em momentos frágeis do ciclo de vida, como durante o período reprodutivo. Essas estratégias também possuem variações regionais. A captura de uma fêmea antes dela desovar causa um gigantesco impacto na população, pois toda a sua prole nem terá chance de nascer. No Brasil, o defeso aplica-se a espécies de peixes, camarões, lagostas, caranguejos e moluscos. Segundo o Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Marinha do Sudeste e Sul (CEPSUL), do ICMBio, 22 espécies são citadas em diferentes instruções normativas e portarias, como: bagres, gurijuba, anchova, sardinha-verdadeira, robalo, robalo-branco, camurim ou barriga-mole (peixes); camarões rosa, sete-barbas, branco, santana ou vermelho e barba ruça; lagostas vermelha e verde; caranguejos guaiamum e uçá; mexilhão e ostra. Por outro lado, a legislação brasileira também regulamenta as temporadas de pesca, ou melhor, os períodos em que a pesca de diferentes espécies de peixes e camarões são permitidas em múltiplas localidades do país. Dentre as regulamentações da pesca no Brasil há também moratória de captura de pescados, como o agulhão branco, agulhão negro, tubarão raposa, tubarão galha-branca, diversas espécies de raias da família Mobulidae, cherne e mero. Há ainda outras estratégias de gestão da pesca, como cotas máximas de captura, tamanhos mínimos em que determinados organismos podem ser capturados, evitando a pesca de indivíduos jovens, rodízio de áreas de pesca e criação de locais de produção de pescado, como as áreas marinhas protegidas. Nessas regiões, onde a pesca não é permitida, os animais têm a possibilidade de manter populações numerosas e se reproduzir.
  • Quais cuidados eu, como consumidor, preciso ter? Além da regulamentação da pesca, a sociedade tem importante papel na valorização da pesca sustentável. E isso envolve as escolhas que fazemos. Por exemplo: podemos ajudar procurando consumir espécies abundantes na natureza. Espécies em declínio populacional em função da atividade pesqueira devem ser consumidas com moderação. Por outro lado, deve-se evitar as com estoques críticos pelo excesso de pesca. Já o consumo das que estão em processo de extinção deve ser proibido.

É fato que a forma como cada um de nós consome pescados impacta na saúde do oceano. Precisamos de consumidores cada vez mais conscientes e exigentes, além de gestão e práticas pesqueiras sustentáveis, para evitar que espécies marinhas desapareçam e não haja escassez de recursos vindos do mar.

Se a sua escolha é seguir consumindo pescado e frutos do mar, veja com atenção o infográfico abaixo:
pescado sustentabilidade
Fonte: Fundação Grupo Boticário