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PL 2903
Foto: Thiago Coelho

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou com 34 vetos a Lei 14.701, que trata do reconhecimento, demarcação, uso e gestão de terras indígenas. Um dos principais dispositivos vetados é o que estabelecia que os povos indígenas só teriam direito às terras que ocupavam ou reivindicavam em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da atual Constituição Federal. Conhecida como marco temporal, a tese jurídica teve origem em projeto de lei, o PL 2.903, apresentado pelo ex-deputado Homero Pereira e aprovado pelo Senado em setembro, sob relatoria do senador Marcos Rogério.

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Entre as justificativas do veto ao marco temporal, o presidente argumenta que a iniciativa do Legislativo contraria o interesse público e incorre em vício de inconstitucionalidade. Ele ainda lembra que a tese do marco temporal também já foi rejeitada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) — decisão que possui repercussão geral.

“Em que pese a boa intenção do legislador, a proposição legislativa contraria o interesse público por introduzir a exigência de comprovação da ocupação indígena na área pretendida na data da promulgação da Constituição Federal, a saber, 5 de outubro de 1988, ou então de renitente esbulho persistente até aquela data, desconsiderando a dificuldade material de obter tal comprovação frente à dinâmica de ocupação do território brasileiro e seus impactos sobre a mobilidade e fixação populacional em diferentes áreas geográficas”, justifica o governo, ao informar que a decisão veio após consultar os Ministérios dos Direitos Humanos e da Cidadania, do Meio Ambiente e Mudança do Clima, da Justiça e Segurança Pública e dos Povos Indígenas, além da Advocacia-Geral da União (AGU).

Outras ameaças como cultivo de espécies transgênicas em Terras Indígenas (TIs), a construção de grandes obras de infraestrutura, como hidrelétricas e rodovias, sem consulta às comunidades impactadas, e a flexibilização das políticas de proteção aos povos indígenas isolados também foram retiradas.

O movimento indígena, as organizações ambientalistas, o Ministério Público, o Conselho Federal de Direitos Humanos e diversos outros órgãos pediram que o projeto fosse integralmente vetado pelo Executivo, o que não ocorreu.

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O que não foi vetado

Dois trechos, que não foram integralmente vetados por Lula, a Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) atenta para maiores preocupações sobre violações aos direitos indígenas:

  • O Artigo 26 do PL trata sobre cooperação entre indígenas e não indígenas para exploração de atividades econômicas, que pode ampliar o assédio nos territórios para flexibilizar o usufruto exclusivo.
  • O Artigo 20 que afirma que o usufruto exclusivo não se sobrepõe ao interesse da política de defesa e soberania nacional.

“Afirmamos que o Artigo 20 é perigoso, pois pode, igualmente, abrir margem para mitigar o usufruto exclusivo, diante do conceito genérico de ‘interesse de política de defesa’, justificando intervenções militares nos territórios. Mesmo com essa ameaça, reforçamos que os Povos indígenas são resguardados pelo Artigo 231, §6o, da Constituição, que prevê que o relevante interesse da União deverá ser disposto por Lei Complementar e não por Lei Ordinária, como é o caso do PL 2903”, aponta a Apib em nota.

marco temporal
Foto: Sofia Lisboa | Midianinja

Na avaliação da organização ambiental WWF, embora não tenha vetado integralmente o projeto, o Presidente retirou dispositivos que, ao fragilizar as regras de proteção a territórios já demarcadas, poderiam levar ao desmatamento de até 55 milhões de hectares de florestas nos próximos anos, uma área quase do tamanho de Minas Gerais.

“Com isso, manteve aberta a possibilidade de cumprir com seu compromisso de zerar o desmatamento no país até 2030 – o que seria impossível sem esses vetos – e manteve acesa a esperança de evitar que a Floresta Amazônica, a grande fábrica de chuvas do país, venha a entrar em colapso (ponto de não retorno) pelo excesso de degradação, o que afetaria a vida de todas brasileiras e brasileiros”, aponta a WWF.

Guardiões das florestas

O WWF também destaca que, nos últimos 30 anos, enquanto as terras privadas perderam quase 20% da vegetação nativa original, as terras indígenas perderam apenas 1,2%, ou seja, 17 vezes menos. Atualmente elas protegem ¼ do que restou de florestas preservadas na Amazônia.

exposição povos indígenas
Foto: Edgar Kanaykõ Xakriabá

Estudos mostram que os territórios indígenas da Amazônia enviam para o restante do Brasil, gratuitamente, todos os dias, 5.2 bilhões de toneladas de vapor de água, por meio da transpiração dos bilhões de árvores que preservam. É essa umidade que forma as chuvas que permitem aos produtores brasileiros colher duas safras ao ano em grande parte do território nacional, tornando o país um campeão agrícola. São verdadeiras fábricas de água, nas quais são protegidas mais de 517 mil nascentes.

Congresso pode reverter

Os vetos presidenciais agora serão analisados pelo Congresso Nacional, em uma sessão conjunta entre Deputados e Senadores, com data a ser definida, podendo reverter a decisão final sobre a lei. Para isso, é necessária a maioria absoluta dos votos de deputados e senadores, ou seja, 257 votos de deputados e 41 votos de senadores, computados separadamente em sessão do Congresso.

Para o WWF-Brasil, é essencial que o Congresso Nacional mantenha os vetos do presidente Lula, o que não só é uma medida de bom senso, como honra os compromissos internacionais assumidos pelo país, como os Acordos de Paris (do clima) e de Kunming-Montreal (sobre biodiversidade).

exposição povos indígenas
Foto: Mrê Gavião

“É necessário seguirmos mobilizados, pois a luta ainda não acabou. A ala ruralista do Congresso Nacional ainda pode derrubar todos esses vetos e aprovar essa lei que legitima crimes contra os povos indígenas”, reforça a Apib.

Com informações da Agência Senado, Apib e WWF.