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Contra o marco temporal, indígenas protestam em todo o Brasil

Mobilizações acontecem durante a semana do meio ambiente e após um ano do assassinato de Bruno Pereira e Dom Phillips

marco temporal indígenas
Atos contra o Marco Temporal. Foto: @oguajajara | Ascom Dep. Céli Xakriabá

A partir desta segunda-feira (5), os povos indígenas promovem mobilizações contra o marco temporal em todo o país. As mobilizações foram convocadas pela Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) e suas sete organizações regionais com o objetivo de reivindicar a derrubada da tese no STF (Supremo Tribunal Federal), que deve ser julgada no dia 7 de junho.

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Com o tema “Pela justiça climática, pelo futuro do planeta, pelas vidas indígenas, pela democracia, pelo direito originário/ancestral, pelo fim do genocídio, pelo direito à vida, por demarcação já: Não ao Marco Temporal!”, as manifestações acontecem durante a semana do meio ambiente (5 a 9 de junho) e após um ano do assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips no Vale do Javari, segunda maior terra indígena do Brasil.

Em Brasília, a mobilização irá ocorrer na Praça da Cidadania onde cerca de 2 mil indígenas devem acampar até o dia do julgamento. A programação do acampamento foi dividida em três eixos, sendo eles: Por demarcação já, pelo futuro do planeta e pelo direito originário.

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Imagem: Apib

Nos três dias serão realizadas plenárias, vigília e atos, além do lançamento do clipe “O chamado dos isolados”, produzido pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), pelo Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi) e pelos artistas Brô Mc’s e a ativista Lídia Guajajara. Todas as atividades serão divulgadas em breve nas redes sociais da Apib.

“O marco temporal para nós é um retrocesso e uma negação dos nossos direitos. Todos os parentes, territórios, aldeias e cidades devem permanecer mobilizados nesse momento tão decisivo para os povos indígenas”, afirma Val Eloy, coordenadora executiva da Apib pelo Conselho Terena. “A gente sempre fez a nossa luta. Tudo o que conquistamos até hoje foi a partir das mobilizações do movimento indígena e não será agora que vamos recuar. Vamos fazer a nossa voz ecoar em todos os cantos do Brasil e enterrar de vez a tese do marco temporal”, completa.

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Julgamento

O julgamento do Marco Temporal está paralisado há quase dois anos e é apontado pela Apib como uma tese anti-indígena, uma vez que afirma que os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras se estivessem em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.

O julgamento trata, no mérito, de uma ação possessória (Recurso Extraordinário n.º 1.017.365) envolvendo a Terra Indígena Xokleng Ibirama Laklaño, dos povos Xokleng, Kaingang e Guarani, e o estado de Santa Catarina. Com status de repercussão geral, a decisão tomada neste caso servirá de diretriz para todos os processos de demarcação de terras indígenas no país.

Em 2021, o julgamento foi suspenso após pedido de vista (mais tempo para analisar o caso) do ministro Alexandre de Moraes. A suspensão ocorreu após os votos do ministro Nunes Marques, favorável à tese anti-indígena, e do ministro relator, Luiz Edson Fachin, que votou contra ao marco temporal e favorável aos direitos indígenas.

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Marco temporal no Congresso Nacional

No dia 30 de maio, o Projeto de Lei 490/07, que transforma em lei o marco temporal, foi aprovado na Câmara dos Deputados com 283 votos a favor e 155 contra. O PL segue para votação no Senado Federal como PL 2903/2023.

Para Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib, a luta continua. “As mobilizações do movimento indígena contra essa proposta anti-indígena seguirá até que o projeto seja derrotado no Congresso Nacional e, no dia 7 de junho, no STF. O Marco Temporal ignora a nossa existência antes de 1988 e coloca em risco a vida da população originária e de toda a humanidade. O nosso direito à terra é originário e garantido na Constituição Federal e é no STF que a Constituição será defendida”, diz.

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Deputadas em defesa da causa indígena protestam no Plenário. | Foto: Pablo Valadares | Câmara dos Deputados

Segundo nota técnica da Apib sobre o projeto de lei também propõe a liberação de construções de rodovias, hidrelétricas e outras obras em terras indígenas sem consulta livre, prévia e informada das comunidades afetadas, violando tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário como a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e ameaçando a vida dos indígenas brasileiros.

Além disso, o PL também autoriza qualquer pessoa a questionar procedimentos demarcatórios em todas as fases do processo (inclusive os territórios já homologados) e flexibiliza a política indigenista do não contato com os povos indígenas em situação de isolamento voluntário.

Em conjunto com a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Conectas Direitos Humanos, Comissão Arns e o Instituto Socioambiental (Isa), a Apib pede à ONU que reconheça a inconstitucionalidade do projeto de lei. Confira aqui o apelo.

Bruno e Dom

Há um ano, na data de hoje (5), Dia do Meio Ambiente, o Brasil se perguntava: “Onde estavam Bruno e Dom?”. A interrogação sobre o paradeiro do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips – ambos defensores do meio ambiente e dos direitos dos povos originários – ecoaria para além do Vale do Javari, no oeste do Estado do Amazonas, e ganharia o mundo.

A questão foi respondida 10 dias depois, quando a Polícia Federal informou oficialmente ter encontrado os corpos, após negligências e falta de transparência a respeito das investigações, o que acabou aumentando a angústia, a dor e a incerteza dos familiares e amigos das vítimas.

A Anistia Internacional Brasil, que tem acompanhado os desdobramentos do caso, publica um documento que resume em 10 as perguntas enviadas no dia 31 de maio para o Ministério Público Federal (MPF), responsável pelo caso, Polícia Federal e Ministério da Justiça e Segurança Pública, na figura de Flávio Dino. Confira abaixo.

10 as perguntas para o Ministério Público sobre o caso Bruno e Dom:

1) Por que o MPF só apresentou denúncia contra três pessoas (Os réus Amarildo da Costa Oliveira, conhecido por “Pelado”; Oseney da Costa de Oliveira, conhecido como “Dos Santos”; e Jefferson da Silva Lima, conhecido como “Pelado da Dinha”), embora tenha citado em sua denúncia os nomes de “Sirinha”, Edvaldo, “Guerão” e “Patuti”, que seriam os “demais agentes” envolvidos no caso – as pessoas responsáveis por operar a ocultação dos corpos queimados e esquartejados de Bruno e Dom?
2) Por que não se apresentou denúncia contra Laurimar Lopes Alves, conhecido como Caboclo, que recebeu liberdade provisória mesmo sendo apontado como um dos suspeitos de ser responsável pela ocultação dos corpos de Bruno e Dom?
3) Por que passado um ano desde os assassinatos, o suspeito apontado pela PF como mandante do crime, Colômbia, ainda não foi indiciado?
4) Quais as linhas de investigação sobre os mandantes do crime? Por que a Polícia Federal publicou uma nota que declarava que não havia mandantes no crime mesmo com indícios e denúncias por parte da Univaja com esse teor?
5) Quais as reais motivações do crime e o contexto da preparação da emboscada?
6) Quais as medidas adotadas pelo Estado brasileiro para garantir o cumprimento da medida cautelar da CIDH que solicita proteções de indígenas da Univaja?
7) Qual a ligação dos assassinatos de Bruno e Dom com o assassinato de Maxciel dos Santos, servidor da FUNAI e antigo colega do Bruno?
8) Qual a procedência da arma do crime?
9) Quais os próximos passos do caso com o recente indiciamento do ex-presidente da FUNAI e outros servidores por omissão no homicídio e ocultação de cadáver de Bruno e Dom?
10) Quais as conexões entre o inquérito dos assassinatos de Bruno e Dom e aquele que apura a atuação criminosa e armada de ribeirinhos em relação a pesca de pirarucu nas comunidades de São Rafael e São Gabriel, ambas localizadas às margens do rio Itacoaí?

“A Anistia Internacional Brasil reitera que os assassinatos de Bruno e Dom não são exceções e refletem um padrão de violações consolidado no país – o quarto no ranking dos que mais matam ambientalistas e defensores de direitos humanos em todo o mundo”, afirma a organização em nota. “A realidade é consequência de falhas da política de proteção aos defensores e defensoras de direitos humanos e da criminalização das lutas e organizações populares, que constantemente sofrem ataques”, finaliza.