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Pelo projeto do marco temporal, indígenas têm direito apenas às terras que ocupavam em 5/10/88. | Foto: Joédson Alves | Agência Brasil

A última terça-feira (30) começou com cerca de 500 indígenas do povo Guarani bloqueando a Rodovia dos Bandeirantes na região do Jaraguá, Zona Norte de São Paulo. Em várias partes do país, como São João das Missões (MG) e Paraty (RJ), diversas etnias também bloquearam trechos de rodovias. O protesto em comum era o PL 490/2007, o projeto de lei do marco temporal. Mas, o apelo das manifestações foi ignorado: o dia terminou em Brasília com uma derrota não só para os povos indígenas, mas também para o futuro do país que tem os indígenas como verdadeiros guardiões das florestas.

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Por 283 votos a 155, o PL 490/2007 foi aprovado na Câmara dos Deputados. Tal projeto tramita na Câmara desde 2007, tendo sido apresentado pelo então líder ruralista Homero Pereira (PR-MT), falecido em 2013. Mas, a tese sobre o marco temporal de demarcação surgiu apenas em 2009, em parecer da Advocacia-Geral da União sobre a demarcação da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima.

O marco temporal impõe que a demarcação de terras indígenas dependa da comprovação da ocupação do território requerido em 1988, data de promulgação da Constituição Federal. Ou seja, trata-se de uma medida que ignora o histórico de expulsão violenta submetida aos povos indígenas antes da data.

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Foto: Tuane Fernandes | Greenpeace Brasil

O marco temporal é um dos pontos discutidos pelo STF (Supremo Tribunal Federal) em uma ação que tem Repercussão Geral (saiba mais aqui) sobre todos os processos envolvendo demarcações de terras indígenas. A ação está pautada para ser votada no Supremo no dia 7 de junho. Para a associação Centro de Trabalho Indigenista, a votação do PL 490 na Câmara é uma tentativa da bancada ruralista de se antecipar ao julgamento do STF.

“O STF discute o tema em razão da disputa sobre a Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ. Parte da área de 80 mil m², ocupada pelos indígenas Xokleng, é questionada pelo governo de Santa Catarina. O estado argumenta que na data de promulgação da Constituição não havia ocupação na área. Por outro lado, indígenas argumentam que, naquela ocasião, haviam sido expulsos do local”, explica a reportagem da Agência Brasil.

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O texto do PL 490/2007 ainda prevê a proibição da ampliação de terras indígenas já demarcadas, a anulação da demarcação que não atenda aos preceitos da lei, além de flexibilizar a exploração de recursos e a realização de empreendimentos dentro de terras indígenas sem consulta prévia. Tudo isso abre brechas para mais violências cometidas contra os povos indígenas no Brasil.

“Esse projeto de lei da bancada ruralista busca não só fragilizar a política indigenista, mas expor as comunidades à violência, reintegrações de posse, legitimando assim a retirada forçada de seus territórios ancestrais”, diz Thiago Henrique Karai Jekupe, liderança da Terra Indígena Jaraguá.

Em audiência na Câmara dos Deputados, a assessora jurídica do Conselho do Povo Terena, Priscila Terena, já havia citado 156 terras, oito etnias e mais de 80 mil indígenas que seriam impactados negativamente pelo projeto. “A aprovação é a declaração do nosso extermínio e o início da institucionalização do nosso genocídio”, disse.

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O G1 fez o levantamento de como votou cada deputado, confira aqui. O próximo passo da PL 490/2007 será a votação no Senado Federal.

Repercussão

O WWF-Brasil repudiou a aprovação do projeto, que definiu como proposta violenta. “Ao contrário dos deputados, os senadores precisam mostrar ao mundo que não têm sangue indígena nas mãos”, afirmou a organização. Segundo o WWF, a regra vai afetar justamente as comunidades indígenas mais vulneráveis, que estão lutando para reconquistar parte de seu território.

“Os parlamentares que votaram hoje a favor deste projeto entrarão para a história como os responsáveis pela aprovação de um projeto de lei que ataca explicitamente contra a vida dos povos indígenas do Brasil. Agora seguimos para a votação no Senado, com muito diálogo para garantir que nossas vidas não sejam negociadas”, declarou a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, logo após o fim da votação.

Em nota, o porta-voz de Amazônia do Greenpeace Brasil, Danicley de Aguiar, ressaltou a atuação da bancada ruralista (frente parlamentar que defende os interesses dos proprietários rurais). “A aprovação do PL 490 coroa os esforços da bancada ruralista para relativizar os direitos indígenas e forçar a abertura dos territórios tradicionais ao agronegócio e a outras atividades econômicas incapazes de conviver com a floresta; ignorando o desejo de reparação histórica aos povos originários expresso pela sociedade brasileira nos Artigos 231 e 232 da Constituição de 1988”, afirmou Aguiar.

“Não podemos tolerar que um punhado de deputados comprometidos com o atraso siga trabalhando para reverter a vontade da maioria dos brasileiros. A bancada ruralista precisa entender que todo ataque aos direitos indígenas é um ataque contra a democracia”, completou o porta-voz do Greenpeace.

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Deputadas em defesa da causa indígena protestam no Plenário. | Foto: Pablo Valadares | Câmara dos Deputados

O Observatório do Clima destaca que o projeto de lei “prevê contestações às demarcações em qualquer momento do processo e retoma uma proposta que nem a ditadura militar aprovou, a da devolução de terras indígenas à União em caso de ‘alteração de traços culturais da comunidade”, um dispositivo racista que pode levar à remoção forçada de povos de seus territórios”.

Antes mesmo da votação na Câmara, a Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal já havia publicado uma nota contrária ao PL 490/2007. O MPF chama atenção para a impossibilidade de se alterar o estatuto jurídico das terras indígenas (disciplinado pelo artigo 231 da Constituição) por lei ordinária, o que torna a proposta inconstitucional. Os direitos dos povos indígenas, ainda segundo o MPF, constituem cláusula pétrea, integrando o bloco de direitos e garantias fundamentais que não pode ser objeto sequer de emenda constitucional.

“A Constituição garante aos povos indígenas direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, sendo a tradicionalidade um elemento cultural da forma de ocupação do território e não um elemento temporal. Fixar um marco temporal que condicione a demarcação de terras indígenas pelo Estado brasileiro viola frontalmente o caráter originário dos direitos territoriais indígenas”, destaca a nota.