Mata Atlântica é fragmentada em áreas menores que 50 hectares

Reconectar as florestas do bioma é essencial para reverter a perda de biodiversidade e amenizar os impactos negativos à vida humana

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Vista geral da area de reflorestamento de Ellen Fontana proprietária parceira do projeto Raízes de Mogi Guaçu. Foto: Tuane Fernandes | WWF-Brasil

Bioma mais biodiverso do Brasil, e também o mais ameaçado, a Mata Atlântica só tem 12,4% de sua área original coberta por florestas maduras e bem conservadas no país, sendo que 76% do total já foi completamente devastado. Além do espaço reduzido, uma característica de suas florestas remanescentes, em especial, tem preocupado os cientistas: o alto nível de fragmentação.

Em toda a Mata Atlântica, que também se estende por partes da Argentina e do Paraguai, 97% dos fragmentos de vegetação são menores que 50 hectares. Para estudiosos como Cézar Borges, analista de conservação sênior do WWF-Brasil, uma fragmentação tão grande tem inúmeros impactos negativos na biodiversidade, mas também nos serviços ecossistêmicos oferecidos pela floresta, no clima, na economia e na vida das 150 milhões de pessoas que habitam o bioma.

“Esse alto nível de fragmentação tem, em primeiro lugar, dois impactos importantes: um deles é a redução da quantidade de floresta, que está pulverizada em áreas muito pequenas. O outro é que essas áreas exíguas são provavelmente floresta de má qualidade ambiental. Dificilmente haverá uma onça ali, como predadores topo de cadeia, ou certas espécies endêmicas, que só existem em algumas regiões da Mata Atlântica”, afirma Borges.

Mata Atlântica
Tiê-sangue, espécie é símbolo da Mata Atlântica. | Foto: Hector Bottai | Flickr

Conectar esses fragmentos por meio da restauração, segundo ele, é urgente para garantir a sobrevivência de espécies ameaçadas da fauna e da flora e manter os serviços ecossistêmicos fornecidos pela floresta. Esses serviços, como o abastecimento de água e a polinização, são fundamentais também para as pessoas e para a economia, pois na Mata Atlântica estão concentrados mais de 72% da população brasileira e 70% do PIB do país.

“Embora sejam muito pequenos, esses fragmentos são importantíssimos para a manutenção da conectividade do bioma. Sua preservação é fundamental, mas é preciso, acima de tudo, intensificar a restauração em áreas prioritárias, reconectando esses fragmentos”, alerta Borges.

Apesar de pequenos e isolados, com baixa qualidade ambiental, os fragmentos que compõem a maior parte da Mata Atlântica representam um importante ponto de passagem da fauna para outras áreas maiores da floresta.

Mata Atlântica
Vista da mata atlântica na Floresta da Tijuca, no Rio de Janeiro. | Foto: Tomaz Silva | Agência Brasil

“É o que chamamos de trampolim ecológico. Os indivíduos de várias espécies vão se deslocando na paisagem usando esses pequenos fragmentos como áreas de parada, até chegarem a áreas de melhor qualidade ambiental. Por isso é tão urgente aumentar sua conexão”, destaca Borges.

Áreas prioritárias para restauração, os fragmentos pequenos preocupam os cientistas porque são mais vulneráveis ao chamado efeito de borda, que consiste em uma série de alterações no ecossistema por conta da abertura de clareiras, redução da umidade, elevação da temperatura e maior entrada de ventos que contribuem para o aumento da mortalidade de árvores e a degradação da floresta.

Biodiversidade e carbono

As condições microclimáticas nessas áreas muito fragmentadas não são apropriadas para as várias espécies sobreviverem porque o acesso à alimentação é escasso. Por isso, os fragmentos muito pequenos geralmente têm baixa qualidade de biodiversidade. As espécies maiores de árvores são justamente as mais vulneráveis ao efeito de borda e são as primeiras a morrer – o que influencia a quantidade de carbono estocado na floresta.

O estudo liderado por cientistas brasileiros que revelou que 97% dos fragmentos de Mata Atlântica são menores que 50 hectares, publicado em março na revista Biological Conservation, também apontou que 75% das áreas remanescentes das florestas situam-se a distâncias de 240 metros de suas bordas.

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Foto: Adriano Gambarini | WWF-Brasil

“Com a redução da sombra das grandes árvores e exposição das bordas florestais a áreas abertas, a umidade é reduzida e a penetração de vento aumenta. As tempestades levam as árvores maiores e o ciclo de degradação se retroalimenta. A redução da qualidade do habitat é potencializada e os impactos na biodiversidade são generalizados, agravando as condições das espécies ameaçadas”, explica Borges. Na Mata Atlântica, pelo menos 65% de todas as espécies de árvores possuem algum grau de ameaça de extinção. No caso das espécies endêmicas, o risco aumenta para 82%.

Considerando toda a paisagem, com seus espaços heterogêneos, a cobertura florestal deve ser de no mínimo 30% para garantir a manutenção da riqueza de espécies da biodiversidade, de acordo com outro estudo feito por cientistas brasileiros e publicado na revista Science há 10 anos.

Caso o desmatamento passe desse limiar de 30% de fragmentação, há uma perda abrupta de espécies. Na Mata Atlântica, por ser o bioma mais ocupado, a paisagem é composta por esses mosaicos de uso da terra ao redor dos fragmentos, o que tem impactos de diversas maneiras, com efeitos de degradação em diferentes intensidades.

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O araçá-roxo é uma das 52 espécies catalogadas pelo guia, que traz informações sobre coleta, beneficiamento, armazenamento, plantio e uso das plantas. Imagem: Reprodução | Do Quilombo à Floresta: guia de plantas da Mata Atlântica no Vale do Ribeira

Esse limiar deixa ainda mais evidente a extrema urgência da preservação e reconexão dos fragmentos da Mata Atlântica. De acordo com Borges, quando a cobertura florestal está abaixo de 30%, além da perda abrupta da riqueza de espécies, a paisagem fica em uma situação mais difícil de se recuperar.

Esforços para a transição agroecológica e estímulo às florestas produtivas nestes contextos de paisagem são importantes, pois além de proporcionarem uma menor resistência da permeabilidade da matriz – área de não habitat, como: pastagem, silvicultura, solo exposto, entre outros -, também contribuem para o desenvolvimento econômico. “Quando um fragmento pequeno é cercado por áreas de pastagem, por exemplo, ele fica muito mais vulnerável à invasão de espécies generalistas e ao efeito de borda”, explica Borges.

Atualmente, na Mata Atlântica, existem apenas duas grandes áreas contínuas de vegetação nativa. Estão localizadas na Serra do Mar, entre Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro; e o Alto Paraná, na região de fronteira com a Argentina e o Paraguai, onde está presente o Parque Nacional de Iguaçu. Essas áreas têm qualidade ambiental suficiente para abrigar, por exemplo, as onças-pintadas, animal que sofre ameaça de extinção local em diversas áreas do bioma. “Isso demonstra claramente a necessidade de restaurar as áreas mais fragmentadas”, salienta Borges.

Soluções baseadas na natureza

A restauração de áreas florestais, a proteção de espécies e a expansão e o fortalecimento de Unidades de Conservação são soluções baseadas na natureza importantes para proteger e reconectar os fragmentos e garantir a qualidade ambiental e a diversidade biológica da Mata Atlântica

Aplicadas à Mata Atlântica, as soluções baseadas na natureza também são fundamentais para preservar os estoques de carbono e até evitar desastres como os que mataram 65 pessoas no litoral norte de São Paulo em 2023, ou a crise hídrica que atingiu a capital paulista em 2014.

Pontal do Paranapanema
O maior corredor florestal já restaurado de Mata Atlântica, no Pontal do Paranapanema, no extremo Oeste Paulista. Foto: IPÊ

Para Daniel Venturi, especialista em conservação e restauração e líder da estratégia do WWF-Brasil na Mata Atlântica, reconectar os fragmentos florestais por meio da restauração também ajuda a reconectar a natureza e as pessoas no bioma mais populoso do país. “A sociedade precisa cobrar políticas públicas que ajudem a proteção e restauração da Mata Atlântica”, afirma.

Segundo ele, o WWF-Brasil atua em diversas iniciativas de proteção e restauração florestal que têm sido fundamentais para conectar as pessoas e reconectar o bioma. A organização é parceira, por exemplo, do Pacto pela Restauração da Mata Atlântica e da Rede Trinacional de Restauração da Mata Atlântica, coletivos que atuam na articulação de instituições públicas e privadas, governos, empresas, além de comunidade científicas e locais, com o objetivo de recuperação da vegetação nativa.

A organização apoia, por exemplo, projetos que ajudam a fomentar políticas públicas para provisão de serviços ecossistêmicos e geração de renda de que as pessoas e os setores produtivos tanto dependem. “Em 2023, chegamos ao acumulado de 815 hectares restaurados diretamente com parcerias locais”, diz Venturi. Essas áreas recuperadas se concentram em paisagens prioritárias: o Alto Paraná, a Ecorregião da Serra do Mar, a Mantiqueira, o Espírito Santo, a Serra do Urubu-Murici (ou Mata Atlântica Nordestina) e a Bacia do Rio Doce.

Mata Atlântica
Foto: Du Zuppani

“Precisamos trazer as pessoas para o coração da Mata Atlântica e a Mata Atlântica para o coração das pessoas. A proteção e a restauração da floresta atlântica são essenciais para a promoção da vida saudável das pessoas que habitam e trabalham, dos setores produtivos e da biodiversidade da Mata Atlântica”, afirma Venturi.

Um exemplo dessa conexão, no interior de São Paulo, em parceria com a Save Brasil, foi o restabelecimento de corredores verdes com espécies da flora nativa ameaçadas, que potencializou a reintrodução da jacutinga em São Francisco Xavier. A ave, que estava extinta localmente, é um símbolo da trinacionalidade e da importância da Mata Atlântica, pois existe apenas nela e é uma das espécies conhecidas por dispersar sementes e, assim, ajudar na conservação e na restauração do bioma.

Sobrevivência de Espécies
Jacutinga, ave em risco de extinção.

“Quando vemos como é possível recuperar a fauna e flora nessas áreas degradadas, percebemos a urgência da restauração e da proteção da Mata Atlântica. Estamos mostrando que podemos alinhar as ambições globais com nossas demandas nacional e local, criando um círculo virtuoso de esperança”, conclui Venturi.

Por Fábio de Castro | WWF-Brasil