Areia verde pode ajudar a capturar toneladas de CO2 da atmosfera
Projeto polêmico propõe cobrir praias com areia verde para ajudar no combate às mudanças climáticas
Projeto polêmico propõe cobrir praias com areia verde para ajudar no combate às mudanças climáticas
O Projeto Vesta é uma organização sem fins lucrativos, com base em São Francisco, no Estados Unidos, que está testando uma solução para capturar toneladas de gases causadores do efeito estufa da atmosfera, ajudando a combater as mudanças climáticas.
A ideia é espalhar nas praias uma areia verde, produzida a partir de olivina, um mineral vulcânico. Graças a uma série de reações químicas a olivina é capaz de capturar CO2, fixando este gás causador do efeito estufa em outras superfícies, como conchas, pedras e corais.
Esta reação já ocorre na natureza, mas a ideia dos pesquisadores é potencializar a capacidade de captação de CO2 pelo mineral, que estaria presente em grandes quantidades na forma de areia, depois seria quebrado pela ação das ondas do mar e por fim se fixaria em outras superfícies marinhas.
O processo é conhecido como mineralização melhorada e, segundo os responsáveis pelo Projeto Vesta, seria capaz de armazenar bilhões de toneladas de CO2. Outra grande vantagem é que o valor gasto seria menor do que em outros projetos de captura de carbono – algo em torno de US$ 10 por tonelada de dióxido de carbono armazenado, considerando a realização em grande escala.
Apesar de bastante atrativa, a ideia gera alguns questionamentos importantes. O primeiro é justamente o método de produção desta areia verde: Como seria feita a extração, trituração e envio de grandes quantidades de olivina de forma sustentável? Quem pagaria por isso?
Outros pontos importantes que ainda não estão claros são a ação necessária das ondas e maré para quebrar a olivina em partículas ainda menores, os possíveis impactos negativos no ambiente marinho causados pela presença do mineral, métricas para se verificar a real absorção de carbono e também a aceitação de “praias verdes” pela sociedade.
“Ainda há muito o que se estudar”, destaca Phil Renforth, professor da Universidad Heriot-Watt (Escocia) que estuda processos de mineralização melhorada.
Os minerais são um dos elementos pelos quais o dióxido de carbono pode ser reciclado. O dióxido de carbono capturado na água em forma de chuva, na forma de ácido carbônico, dissolve rochas e minerais, especialmente aqueles ricos em cálcio, magnésio e silicato, como é o caso da olivina.
Este processo produz bicarbonato, íons de cálcio e outros compostos que são levados aos oceanos, onde organismos marinhos os digerem e transformam em carbonato de sódio sólido, que forma suas conchas e outras estruturas.
Estas reações químicas liberam hidrogênio e oxigênio na água, que capturam dióxido de carbono do ar. A medida que os corais e moluscos morrem, se depositam no fundo do oceano formando camadas de pedras de calcário e rochas similares – onde o carbono permanece armazenado por centenas de milhões de ano, até que seja novamente liberado por atividades vulcânicas.
De acordo com os pesquisadores do Projeto Vesta, este mecanismo natural é capaz de capturar 500 milhões de toneladas métricas de dióxido de carbono por ano, mas a humanidade produz mais do que 35 milhões de toneladas no mesmo período. A ideia do projeto é justamente acelerar e ampliar este processo natural.
A ideia de aproveitar este processo natural para combater as mudanças climáticas não é nova. Um artigo publicado pela Nature, há 30 anos, propunha o uso de silicatos para capturar dióxido de carbono. Cinco anos mais tarde, outra pesquisa sugeria o uso de cal viva com o mesmo propósito. Na mesma época, Klaus Lackner, físico e diretor do Centro de Emissões Negativas de Carbono e professor na Escola de Engenharia Sustentável e Ambiente Construído da Arizona State University, analisou uma série de rochas e métodos para este fim.
A mineralização melhorada, no entanto, não recebeu a mesma atenção que outras alternativas de sequestro de CO2 consideradas mais simples e diretas, como o plantio de árvores, mudanças nas práticas agrícolas ou até mesmo máquinas que absorviam gases do efeito estufa.
Com o passar dos anos, a medida que a necessidade de se combater as mudanças climáticas se torna cada vez mais urgente, novos estudos se voltaram novamente ao uso de minerais para a captura de carbono, com um custo compatível a outras tecnologias disponíveis.
Atualmente poucos projetos em execução usam a mineralização melhorada. Na Islândia, pesquisadores destinam uma solução de dióxido de carbono das centrais elétricas de máquinas de captura de carbono para formações de basalto subterrâneas, onde a rocha vulcânica transformam a solução em minerais estáveis.
O Centro Leverhulme de Combate à Mudança Climática, na Inglaterra, está realizando testes na Universidade de Illinois para avaliar se o pó de rochas de basalto adicionado às áreas de plantio de milho e soja poderia ser usado com fertilizante e como um meio de absorver dióxido de carbono.
A equipe do professor Gregory Dipple, da Universidade de Columbia Britânica, no Canadá, está explorando diversos usos de minerais em pó altamente reativos como um subproduto da mineração de níquel, diamante e platina. A ideia é misturar este pó com água e formar um composto que absorva rapidamente CO2 do ar, formando um material sólido que poderia ser enterrado.
O responsável pelo estudo desenvolvido no Laboratório Nacional Lawrence Livermore, nos EUA, Roger Aines acredita que o uso de minerais para sequestro de carbono é uma oportunidade muito pouco aproveitada. Ele afirma que um quilometro quadrado de rochas com altos níveis de magnésio pode absorver 1 milhão de toneladas de dióxido de carbono.
O Projeto Vesta anunciou seus planos e começou um estudo piloto em maio deste ano, depois que a empresa responsável pela arrecadação online para o projeto concordou em pagar parte do valor antecipadamente aos cientistas.
Os cientistas conseguiram licença para começar a fazer os testes e declararam que vão tornar públicos os resultados e a localização do projeto piloto assim que tiverem os primeiros dados. O diretor executivo do projeto, Tom Green, estima que o custo total chegue perto de US$ 1 milhão de dólares.
O estudo vai analisar uma praia com a dispersão de areia verde e outra praia sem o material vai ser usada como controle dos resultados. Com isso, espera-se esclarecer algumas das questões que ainda não tem respostas.
As análises e simulações em laboratório sugerem que as ondas do mar vão acelerar significativamente a decomposição da olivina e um artigo já foi publicado defendendo que se este processo fosse realizado em 2% das plataformas marinhas mais energéticas do mundo, seria possível compensar todas as emissões humanas anuais.
Para isso, o grande desafio é que o mineral seja decomposto em partículas muito pequenas, garantindo a absorção de carbono em questão de anos, ao invés de décadas.
Alguns cientistas se contrapõe à ideia e afirmam que este processo de decomposição consumiria muita energia e iria emitir por si só grandes quantidades de gases do efeito estufa, se tornando inviável.
“Existem estudos que mostram que esta ideia pode funcionar e que tem grande potencial. Agora precisamos testar os resultados reais na natureza”, explica Green.
Entre os testes que o Projeto Vesta vai realizar até o final do ano estão a rapidez com que as partículas de decompõe antes de irem para a água, as mudanças na acidez, níveis de carbono e na vida marinha e como estas mudanças continuam uma vez que o material se afasta da costa. Para isso será feita a comparação entre a praia com a areia verde e a praia usada como controle, sem o meterial.
O período de teste estimado pode variar entre 1 ou 2 anos. Ao final, a equipe pretende ter dados suficientes para demonstrar a eficácia do processo e para aperfeiçoar os modelos científicos.
Existe uma grande preocupação em relação a possíveis impactos ambientais provocados pela areia verde. Os minerais podem alterar localmente a acidificação da água do mar, com efeito em algumas espécies marinhas mais sensíveis.
Além disso, a olivina contém ferro, silicato e outros elementos que podem estimular o crescimento de certos tipos de algas e fito plâncton, alterando o ecossistema e a cadeia alimentar de maneiras difíceis de se prever.
As possíveis consequências e o potencial ainda não comprovado são obstáculos para que o Projeto Vesta receba o apoio e o financiamento necessários para sua execução. Mesmo reconhecendo que muitas incertezas ainda rondam o projeto, Green acredita que é possível comprovar sua eficácia e realizar o sequestro de 1 tonelada de CO2 por US$ 10 caso.
Com isso, o mercado, os políticos e a sociedade passariam a apoiar a ideia, principalmente com a urgência em se combater as mudanças climáticas. “O mundo está chegando em um ponto em que as pessoas passam a acreditar cada vez mais nas mudanças climáticas e na necessidade de agirmos. Daqui a 5 ou 10 anos, haverá um apoio massivo para projetos que sejam capazes de capturar CO2 da atmosfera”, conclui ele.