- Publicidade -

Como uma ave abandonada salvou centenas de animais silvestres

Encontro de papagaio em cativeiro com Raquel Machado deu origem ao Instituto Líbio, uma história de amor aos animais e à natureza

araras
O Instituto Líbio acolhe e reabilita animais silvestres para a vida na natureza. Foto: Instituto Líbio

A Loura, uma fêmea de papagaio abandonada no interior de São Paulo mudou o destino de centenas de outros animais e contribuiu para a preservação de 3 RPPNs (Reserva Particular do Patrimônio Natural). Isso porque o papagaio foi abandonado em 2004 no sítio comprado pela dermatologista mineira Raquel Machado, em Porto Feliz. Recém chegada à São Paulo, a médica apaixonada pela natureza queria um refúgio próximo ao Rio Tietê – comprou a propriedade e encontrou a ave deixada para trás pelo antigo proprietário. Foi o ponto de partida para que ela começasse a entender a triste realidade de animais silvestres capturados por humanos e decidisse mudar este cenário.

- Publicidade -

Ao entrar em contato com as entidades responsáveis para saber como lidar com o papagaio, Raquel descobriu que os animais silvestres raramente conseguem voltar a viver em seu habitat natural e, pior ainda, não encontram abrigos onde possam ter uma vida digna. O tráfico de animais silvestres é a terceira maior atividade ilícita do mundo, só perdendo para o tráfico de drogas e de armas. No Brasil, a quantidade de animais recebidos ou pela Polícia Ambiental e IBAMA, supera a capacidade dos viveiros e recursos necessários para os cuidados.

araras
Araras mantidas em recinto com alimentação e espaço adequados, no mantenedor do Instituto Líbio. Foto: Natasha Olsen

Começava aí uma trajetória de 20 anos de luta pela causa animal, que incorporou a educação ambiental e a preservação de reservas naturais. Hoje, Porto Feliz abriga o mantenedor do Instituto Líbio, com 18 recintos amplos que abrigam cerca de 130 animais silvestre vítimas de tráfico, maus tratos e atropelamentos, dos quais 7 estão em processo de reabilitação para voltarem ao habitat original. “Trabalho para proporcionar qualidade de vida para eles e meu sonho é reinserir todos na natureza”, diz Raquel.

O mantenedor ainda conta com um Centro Veterinário, Um Centro de Nutrição, um Centro de Educação Ambiental e armadilhas fotográficas – câmeras que capturam imagens de animais que vivem na área, mas em liberdade. Raquel confessa que nunca imaginou que sua história com a Loura fosse ser tão transformadora. “Hoje, com o mantenedor, buscamos fornecer a esses animais a oportunidade de uma vida mais saudável e justa, onde são cuidados de maneira profissional com o respeito que merecem”, afirma Raquel.

anta cativeiro
Raquel alimenta a Anta Orelha, que foi resgatada depois de viver durante anos em uma área concretada de 16 m². Foto: Instituto Líbio

Educação e consciência

O trabalho com os animais ganhou novas proporções quando Raquel e sua equipe perceberam que era preciso também conscientizar a população sobre o tráfico de animais. “Nove entre 10 animais vítimas do tráfico acaba morrendo. Além disso, o tráfico aumenta o risco de zoonoses, que representam até 75% das doenças infecciosas emergentes”, explica a médica.

- Publicidade -

Para combater o tráfico, o Instituto Líbio aposta na educação. Alunos da rede municipal de Porto Feliz e jovens do Instituto Arrastão recebem aulas sobre os biomas brasileiros, a biodiversidade do país, a importância de preservação do meio ambiente e de se manter os animais silvestres na natureza. São 8 workshops realizados pela equipe do Instituto Líbio que terminam com uma visita guiada dos jovens ao mantenedor.

bugio
Muitos dos bugios mantidos pelo Instituto estão em processo de reabilitação para voltar à natureza. Foto: Instituto Líbio

Desde que as atividades de educação ambiental começaram, em 2020, mais de 800 jovens foram beneficiados, 75 educadores foram capacitados, e mais de 20 oficinas e 20 visitas foram realizadas. “Para que tenhamos adultos conscientes, precisamos sensibilizar os jovens hoje. Espécies silvestres devem permanecer soltas na natureza. Animal não é entretenimento nem pet de estimação”, afirma Raquel.

Habitat natural?

reserva natural
Reserva Santuário, uma das áreas de preservação mantidas pelo Instituto Líbio. Foto: Divulgação

Outra grande ameaça aos animais silvestres está na destruição de seus habitats naturais pelo ser humano. E esta se tornou outra frente de atuação do instituto. Para proteger e regenerar áreas naturais, a entidade comprou e mantém 7 refúgios de vidas silvestre, em 4 biomas brasileiros (Pantanal, Amazônia, Cerrado e Mata Atlântica).

- Publicidade -

Além do mantenedouro, são duas RPPNs (Reserva Particular do Patrimônio Natural) no Mato Grosso do Sul, as Reservas Saci e Santuário. No sul do Pará, na região amazônica do Rio Azul, uma outra RPPN foi comprada pelo Instituto e está destinada ao ecoturismo, como meio de preservar um importante corredor ecológico que integra os rios Azul e São Benedito. A intenção é promover expedições guiadas para difundir a necessidade de preservação, assim como angariar recursos e estabelecer parcerias.

nascente rio
Nascente do Rio Azul. Foto: Instituto Líbio

Sonhos realizados: Aurora e Canelinha

O sonho de reabilitar e devolver animais à natureza vai se realizando à medida que os bichos resgatados passam pelo delicado processo de cuidados e readaptação à vida selvagem. O processo de recuperação é lento, gradual e envolve uma grande equipe de profissionais. “Muitos cuidados são necessários para o retorno dos animais ao seu ambiente natural. Por isso, em conjunto com outras entidades, pensamos cuidadosamente na criação dos recintos para acolhê-los, assim como em diversas outras estratégias, como alimentação e tratamento para o sucesso das reabilitações e das solturas”, explica Raquel.

aurora tamanduá-bandeira
A mãe de Aurora foi vítima de atropelamento, uma causa constante de morte entre animais selvagens. Foto: Maria Helena Baldini

Aurora é um exemplo bem sucedido desta história. A filhote de tamanduá-bandeira foi encontrada sozinha em 2021 depois que sua mãe foi atropelada, em uma rodovia próxima a Bonito (MS). Após o resgate, o animal passou por um período de reabilitação na Base Pantanal, do Instituto Tamanduá, e depois foi para a RPPN Reserva Santuário, do Instituto Libio.

Em abril de 2023, Aurora foi solta próxima ao local onde foi encontrada. “Ela já recebeu um colete com radiotransmissor, para que tenha seus passos rumo à liberdade em meio à natureza devidamente monitorados”, afirma a veterinária Flávia Miranda, presidente do Instituto Tamanduá e professora da Universidade Estadual de Santa Cruz (BA). O GPS enviará pontos de localização de Aurora a cada seis horas, além de dados de sua atividade, como, por exemplo, se está em repouso ou caminhando, permitindo o monitoramento pós-soltura que deve se estender por um ano.

lobo-guara canelinha
Canelinho foi resgatado com 3 meses e agora está pronto para voltar à natureza. Foto: Gustavo Figueiroa

Canelinha, um filhote de lobo-guará, também já está com o seu GPS instalado e aguarda os últimos passos do seu processo de reabilitação para voltar à natureza. Em agosto de 2021, com cerca de 3 meses, ele foi salvo de um incêndio nas redondezas de Mococa, interior de São Paulo, e hoje está no mantenedor de Porto Feliz, onde recebe contínuos cuidados de biólogos e veterinários do Instituto Libio e do Instituto Pró-Carnívoros.

Com boa saúde e capacidades reestabelecidas, Canelinha deve ser solto em breve. Além do colar com o GPS ele também vai ter um monitor cardíaco para avaliar suas condições de saúde e possíveis situações de stress. “Caso seja identificada qualquer dificuldade de adaptação e sobrevivência, ele será recapturado, reconduzido ao recinto de treinamento e avaliado”, explica Rogério Cunha de Paula, biólogo e analista ambiental do ICMBio.

araras
Araras voando livres em uma das reservas mantidas pelo Instituto Líbio. Foto: Divulgação

Homenagem e parcerias

Apesar da luta de Raquel pelos animais ter há muito tempo, o Instituto Líbio surgiu apenas em 2023. Antes, a entidade se chamava Instituto Raquel Machado. Mas, junto com novos objetivos e frentes de atuação, a médica decidiu homenagear o seu avô, Líbio Vieira Machado. Capixaba conhecedor da Amazônia, defendia a natureza e a necessidade de se preservar o bioma desde a década de 1940. “Além disso, o nome também é uma junção das iniciais de Liberdade e Biodiversidade”, conta Raquel.

araras cativeiro
Raquel divide sua rotina entre a medicina e a luta pelos animais. Foto: Instituto Líbio

Até o momento, os valores para manter e ampliar o trabalho vieram de recursos particulares de Raquel, que divide seu tempo entre a causa ambiental e a medicina. “Hoje, abrimos espaço para o início de um novo momento, um período que começa trazendo a sensação de renovação e nos preenchendo de otimismo e esperança. Iniciamos um capítulo de nossa história cheio de possibilidades e novos voos, para trabalhar ainda mais pela preservação da nossa fauna e alcançar melhorias efetivas para o meio ambiente e para a conservação da natureza”, antecipa Raquel, que também é conselheira da Fundação Neotrópica do Brasil, da SOS Pantanal e do Onçafari.

Para seguir com a sua atuação no acolhimento e reabilitação de animais, educação ambiental e preservação de áreas naturais, o Instituto Líbio recebe doações e busca novas parcerias, com pessoas físicas e empresas. Para mais informações, basta acessar o site do Instituto: institutolibio.org.br.

macaco prego cativeiro
Vovó Elza (esquerda), fêmea de macaco-prego de 42 anos, passou a vida acorrentada e não sobreviveria na natureza, mas recebe todos os cuidados necessários para viver com saúde em recinto adequado. Foto: Natasha Olsen