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desmatamento mata atlântica
Foto: Wellington Pedro | Imprensa MG | Fotos Públicas

As medidas provisórias 1.150/2022 e 1.151/2022 foram aprovadas no final de março na Câmara dos Deputados e representam, segundo especialistas, ameaças para o futuro da Mata Atlântica e para as comunidades indígenas e tradicionais do Brasil, respectivamente. Ambas seguem agora para o Senado. Se forem alteradas, voltam a ser analisadas pelos deputados.

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Entre outras possibilidades, a MP 1150, criada durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, adia pela sexta vez o prazo para os proprietários de terra se adequarem ao Código Florestal e formalizarem o compromisso em realizar a restauração ou compensação da vegetação nativa desmatada para além dos limites permitidos pela lei.

O texto prorroga por mais um ano o limite de tempo a adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA), previsto no Código Florestal, por meio do qual os produtores rurais formalizam o compromisso de reflorestar ou compensar áreas desmatadas ilegalmente. A questão se arrasta desde 2012, quando o novo Código Florestal foi aprovado.

desmatamento no Cerrado
Foto: Juan Doblas | IPAM

A lei aprovada em 2012 já perdoou 41 milhões de hectares desmatados ilegalmente. De acordo com ela, 21 milhões ainda precisam ser reflorestados. O Brasil tem mais de 16 milhões de hectares de vegetação nativa de Reserva Legal e mais de três milhões de hectares de Áreas de Preservação Permanente (APPs) que precisam ser recuperados.

Infelizmente, a MP aprovada em 2023 abre uma brecha perigosa para que os 12% restantes da Mata Atlântica brasileira sejam desmatados. Essa proposta entrou no texto por meio de um “jabuti”, jargão usado para descrever uma emenda sem relação com o tema principal da MP, no caso, o o Código Florestal (Lei 12.651/2012).

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As alterações na Lei da Mata Atlântica (11.428/2006) partiram do União Brasil e do líder do partido, Elmar Nascimento (BA), e do deputado Sérgio Souza (MDB-PR), ex-presidente da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA).

Segundo a Fundação SOS Mata Atlântica, essas alterações visam: permitir o desmatamento de vegetação primária e secundária em estágio avançado de regeneração; acabar com a necessidade de parecer técnico de órgão ambiental estadual para o desmatamento; acabar com a necessidade de estudo prévio de impacto ambiental para a implantação de empreendimentos.

“A Câmara dos deputados acaba de aprovar o maior jabuti da história em uma MP. Sob o pretexto de ampliar o prazo do CAR e do PRA, esfacelou a Lei da Mata Atlântica, adicionando uma emenda de plenário, a meu ver, inconstitucional”, reforça a diretora de Políticas Públicas do SOS Mata Atlântica, Malu Ribeiro.

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Mata Atlântica CO2
Exemplo de impacto humano na Mata Atlântica: corte seletivo de madeira. Foto: Renato A. F. Lima

“Essa aprovação recoloca o Brasil na contramão do que o mundo espera. Favorece e amplia o desmatamento, afasta o país dos compromissos internacionais do clima, da água e da biodiversidade. O único bioma brasileiro que conta com uma lei especial foi desrespeitado por bancadas alheias às necessidades da sociedade, neste momento de emergência climática. Vamos pedir que o presidente Lula vete a MP”, completa Malu.

Ambientalistas afirma que a MP estimula o desmatamento e a impunidade, no momento em que o país luta para retomar as políticas ambientais e climáticas e, por meio delas, sua credibilidade internacional.

Segundo a MP, antes da convocação, o Cadastro Ambiental Rural (CARs) do proprietário da terra (também previsto na lei) deve ser previamente analisado pelo órgão ambiental. O problema é que, até hoje, só 45 mil imóveis rurais ou menos de 1% dos cerca de 7 milhões cadastrados tiveram essa análise concluída, segundo o Observatório do Código Florestal (OCF).

Neste cenário, os produtores rurais não poderão ser punidos por desmatamentos ilegais (realizados até 22 julho de 2008) antes do fim do prazo da convocação. Ou seja, existem muitas brechas para que a legislação não seja cumprida de fato.

Mata Atlântica
Rio Vermelho, Minas Gerais. Imagem: Reprodução | Atlas da Mata Atlântica

“A redação aprovada está cheia de ‘contrabandos legislativos’. Com isso, além de incorrer em inconstitucionalidade, propõe um desastre ambiental para o pouco que sobrou da Mata Atlântica, para as unidades de conservação e, inclusive, para áreas de risco no às margens de rios”, alerta Mauricio Guetta, consultor jurídico do ISA. “Em meio a tantas tragédias, como a que vemos no Acre e vimos no litoral de São Paulo, a Câmara se volta contra a população e o meio ambiente para beneficiar meia dúzia de interesses privados”, completa.

O presidente da Frente Parlamentar Ambientalista, deputado Nilto Tatto (PT-SP), conta que ainda não há uma posição do governo sobre o assunto. Ele acredita, no entanto, que é grande a chance do Planalto vetar o “jabuti” que alterou a proteção à Mata Atlântica por ser uma proposta “absurda”. “Agora, nós precisamos trabalhar internamente dentro do governo para vetar esses jabutis”, comenta.

Pressão popular

Em uma campanha para tentar barrar a MP 1150, a Fundação SOS Mata Atlântica lembra que este é “o único bioma brasileiro que conta com uma lei especial, que infelizmente tem sido alvo de ataques continuados no Congresso Nacional, promovidos por bancadas alheias às reais necessidades da sociedade”.

Quem quiser apoiar a campanha para impedir a aprovação da Medida Provisória 1.150/2022 pode acessar o site do Congresso Nacional e votar em “Não”.

O que mais muda com a MP 1.150/2022?

  • Hoje, a Lei da Mata Atlântica exige que o desmatamento de vegetação primária (nunca desmatada) e secundária (já desmatada) em estágio avançado de regeneração no bioma só pode ser feito se não houver uma “alternativa técnica e locacional”. A MP extingue a exigência.
  • O texto da MP também dispensa o parecer técnico de órgão ambiental estadual para desmatamento de vegetação da Mata Atlântica no estágio médio de regeneração em área urbana. Segundo o texto aprovado, nesse caso, o desmatamento dependerá só do órgão ambiental municipal.
  • Se a MP for aprovada, não será mais necessário compensar desmatamentos fora de Áreas de Preservação Permanente (APP) provocados por “empreendimentos lineares”, como linhas de transmissão, sistemas de abastecimento público de água e até resorts. Dentro da APP, a compensação fica limitada a uma extensão igual ao desmatamento.
  • A MP dispensa a obrigação de Estudo de Impacto Ambiental para o desmatamento necessário à implantação e ampliação de “empreendimentos lineares” e a captura, coleta e o transporte de animais silvestres nas áreas desses empreendimentos.
  • A MP também adia o limite de tempo para acesso aos benefícios concedidos por meio da inscrição no CAR, por exemplo redução de APPs conforme as regras da lei e suspensão de sanções. O prazo havia vencido em 31 de dezembro de 2020, mas foi adiado, agora, para até dezembro de 2023, para imóveis maiores de 4 módulos fiscais, ou até dezembro de 2024, para imóveis menores de quatro módulos ou familiares.

Ameaça a comunidades indígenas e tradicionais

indígenas agroflorestas
Terra Indigena Caititu, do povo Apurinã, na região de Lábrea, AM. Foto: Adriano Gambarini

A MP 1.151/2022, também aprovada no plenário da Câmara, muda as regras das concessões florestais, abrindo a possibilidade de exploração de outros bens e serviços ambientais, além da madeira, inclusive em áreas protegidas ocupadas por comunidades indígenas e tradicionais.

De acordo com a redação final, as concessões poderão gerar créditos de carbono e utilizar o patrimônio genético de plantas e animais, por exemplo. Também poderão prever o manejo de fauna e a pesca.

Sobre esta possibilidade, Mauricio Guetta lembra que áreas ocupadas por comunidades tradicionais não podem ser concedidas para exploração econômica de terceiros. O consultor teme ainda que a MP coloque em risco o acesso aos recursos naturais e as atividades de subsistência dessas comunidades.

Quem quiser se posicionar em relação à MP 1.151/2022 pode entrar no site do Congresso Nacional e clicar em “Opine sobre esta matéria”.

Guetta acrescenta que, como ficou, a MP dá ao concessionário a possibilidade de lucrar com créditos de carbono em áreas públicas sem qualquer adicionalidade, isto é, sem ações de sequestro efetivo de carbono. Ele defende ainda que parte dos recursos obtidos sejam destinados às áreas protegidas, às políticas de conservação em geral e às populações indígenas e tradicionais que teriam seus territórios explorados.

Com informações de SOS Mata Atlântica, Instituto Socioambiental, Observatório do Clima e Observatório do Código Florestal