Fogo na Amazônia: 3 soluções possíveis e urgentes
Com 15 anos dedicados ao estudo de incêndios na floresta, Erika Berenguer mostra caminhos para uma “Amazônia à prova de fogo”
Com 15 anos dedicados ao estudo de incêndios na floresta, Erika Berenguer mostra caminhos para uma “Amazônia à prova de fogo”
Ao mesmo tempo em que o desmatamento cai na Amazônia, o bioma contabiliza uma marca assustadora: em outubro, com a seca severa, foram registrados 22.061 focos de queimadas na região. Um aumento de 59% em comparação a outubro de 2022 e 34% acima da média histórica para o mês desde 1998, quando o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) começou a monitorar as queimadas na região.
A seca na Amazônia e o mês de outubro mais quente da história estão conectados ao El Niño e ao aquecimento anormal do Oceano Atlântico, decorrente da emissão acentuada de carbono na atmosfera. Em todos os estados as queimadas aumentaram também em comparação à média histórica desde 1998: 286% em Roraima, 194% no Amazonas, 152% no Acre, 112% no Amapá e 73% no Pará. Apesar do recorde em outubro, no acumulado do ano, entre 1o de janeiro e 7 de novembro, houve queda de 20% em comparação a 2022.
“Neste momento de crise climática que assola a Amazônia com uma seca severa, é urgente reforçar as ações de combate ao fogo e, também, zerar o desmatamento. Além disso, é necessário atuar com ações de proteção contrafogo nas áreas onde a floresta já foi degradada”, declarou Edegar de Oliveira, diretor de Conservação e Restauração do WWF-Brasil.
Esse esforço, segundo Oliveira, é importante para que a floresta amazônica não chegue ao ponto de não retorno. “Com o clima mais seco e temperaturas mais altas, áreas da floresta amazônica estão mais suscetíveis”, ressaltou.
Entre os dias 2 e 5 de novembro, Manaus recebeu a segunda edição do TEDxAmazônia, evento que reuniu 46 palestrantes em uma diversidade de vozes e saberes sobre o bioma, suas possibilidades e desafios. Entre eles, estava a carioca Erika Berenguer, pesquisadora da Universidade Oxford que há 15 anos se dedica a estudar como a ação humana transforma a floresta, com atenção especial para o fogo, suas causas e consequências.
“O fogo não conhece fronteiras e queima áreas que deveriam ser protegidas e conservadas por lei ajudando na mitigação das mudanças climáticas. Estudos mostram que, mesmo 30 anos após o fogo, florestas queimadas ainda apresentam 25% a menos de estoques de carbono do que florestas não queimadas, além, é claro, de uma fauna e de uma flora profundamente modificadas”, alerta a cientista.
Erika subiu ao palco doente, com princípio de pneumonia causada pelo contato direto com a fumaça que há meses está presente não só na floresta, mas também nas áreas urbanas da região amazônica. Em Manaus, a fumaça das queimadas mostrou aos 500 participantes do TEDxAmazônia que o fogo segue queimando o bioma e que é necessário agir agora.
“O desespero pode ser paralisante, mas a verdade é que precisamos fazer alguma coisa, precisamos de ação imediata!”, defende Erika. A boa notícia é que a pesquisadora trouxe na sua fala ações para combater e principalmente prevenir incêndios – soluções possíveis e urgentes.
Antes da falar sobre as soluções para “uma Amazônia à prova de fogo”, a pesquisadora explicou que existem 3 fontes de incêndios na floresta. E que estas fontes, podem se expandir e levar as chamas para além de qualquer fronteira, em especial em anos secos como o de 2023.
“Acabar com todo o fogo na Amazônia empurraria as populações amazônicas mais vulneráveis rumo à insegurança alimentar. Ao mesmo tempo, precisamos tornar a Amazônia A Prova de Fogo”, explica Erika.
Para a pesquisadora, não existe uma solução simples para combater e prevenir o fogo na Amazônia. É necessário envolver cientistas climáticos, economistas, cientistas sociais, antropólogos, brigadistas, gestores e especialmente as populações que dependem do uso do fogo. “Problemas complexos não podem ser resolvidos por grupos simples. Não existe uma solução única para um problema que afeta 60% do território nacional. Temos que parar com o fetiche de achar que há uma única salvação para uma única Amazônia. A Amazônia, ou as amazônias, são heterogêneas e as soluções para os seus problemas também devem ser”, reforçou Erika em sua palestra.
A boa notícia é que existem caminhos, e eles já são conhecidos. O primeiro alerta que a pesquisadora faz é a necessidade de prevenção. Ela lembra que em 2015, também um ano de El Niño, mega incêndios queimaram um milhão de hectares de floresta amazônica somente na região do Baixo Tapajós. “Várias outras regiões da Amazônia, tanto na Amazonia oriental quanto na central, tiveram mega incêndios”, conta.
Infelizmente, em 2023, quando o fenômeno se repete, a situação também está se repetindo – o que poderia ter sido evitado. “Com a ciência, é possível prever e se preparar para eventos climáticos. Prevenir o fogo é muito mais efetivo do que apagar e temos todas as condições para isso!”.
Abaixo, seguem as soluções apresentadas por Erika Berenguer durante o TEDxAmazônia. Medidas que precisam começar a ser implementadas hoje e que podem garantir o futuro da floresta. Confira:
Todo ano o governo divulga os dados da área desmatada na Amazônia. Esses dados oficiais servem de base para políticas públicas e influenciam a própria opinião pública. Os incêndios florestais necessitam do mesmo protagonismo, com a divulgação de dados sobre a área de florestas que continuam de pé e qual foi a área afetada pelo fogo na Amazônia. Só com esse protagonismo e entendendo a magnitude do problema, teremos então prioridade em agendas para acabar com os incêndios florestais.
As secas de extremas são anunciadas meses antes de ocorrerem a partir de diversas agências internacionais e nacionais que monitoram o clima. Para estes anos, que se tornam cada vez mais frequentes, o país deve ter um fundo emergencial para acionar recursos humanos e financeiros de prevenção. Da mesma forma que os esforços pro combate ao desmatamento focam em áreas de maior risco, o mesmo deve ser feito para o fogo. “É necessário começar a campanha de prevenção ao fogo antes que ele aconteça e já ter os recursos materiais pro combate prontos pra atuação. Mandar recursos depois que o fogo começa, é tarde demais e demonstra despreparo”, reforça.
Proibir o fogo na região amazônica seria injusto com as populações tradicionais e agricultores familiares já que estas pessoas “simplesmente não terão o que comer se seus roçados forem proibidos”. A solução seria uma bolsa de adaptação às mudanças climáticas, talvez a primeira criada no Brasil. Em anos de seca extrema, este apoio seria destinado às pessoas que dependem do fogo para a produção local. “O valor pode variar e precisa atender às variações regionais do valor do saco de farinha. Por exemplo, se um agricultor ia plantar 2 tarefas de macaxeira e a saca está a 500 reais, o preço da bolsa tem que ser atrativo, levando em consideração o número de tarefas que o produtor ia plantar e o número de sacas que se ia produzir”, explica Erika.
Vale lembrar que o impacto da seca é particularmente sério para as populações ribeirinhas, que sofrem com o isolamento e a dificuldade de acesso a serviços essenciais como abastecimento de água, comida, saúde e educação. Hoje, a escassez já atinge inúmeras comunidades e municípios. Os preços dos fretes disparam, com impactos em toda a economia local.
Ao finalizar a sua palestra, Erika lembrou mais uma vez que tornar a Amazônia uma floresta à prova de fogo é um trabalho longo e complexo, mas possível. “Se seguirmos essas três soluções, eu espero que em breve eu mude minha especialidade na ciência e, em vez de ser especialista em desgraça, eu vire especialista em esperança”.
Confira abaixo a palestra completa de Erika Berenguer:
Em novembro, o projeto Mulheres na Conservação lança sua terceira temporada e a primeira personagem é a pesquisadora Erika Berenguer. Com reportagens de Paulina Chamorro e imagens de João Marcos Rosa, o projeto conta a história de mulheres que dedicam a vida à defesa de espécies e biomas brasileiros em diversas plataformas: websérie, podcast e matérias publicadas no CicloVivo, O Eco e National Geographic.