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Bagaço de caju é usado para produzir hidrogênio no Ceará

Processo é inédito e de baixo custo; pesquisadores estudam agora projeto de biorrefinaria

caju cajueiro
Grupo planeja montar um projeto de análise técnica e econômica de biorrefinaria para a obtenção de combustíveis (etanol e hidrogênio) a partir do bagaço de caju. | Foto: Valdison Aparecido Gil CC 4.0

A produção nacional de castanha de caju foi de 146.603 toneladas em 2022, segundo dados do divulgados pelo IBGE (Instituto de Geografia e Estatística). O Ceará, maior produtor, possui fartura de resíduos da fruta – resultado não só da indústria da castanha como também do suco do caju. É neste cenário que o bagaço de caju tornou-se matéria-prima para a produção de hidrogênio.

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O projeto é desenvolvido por pesquisadores do Departamento de Engenharia Química da UFC (Universidade Federal do Ceará). Além de baixo custo, de acordo com o grupo, o processo é inédito e foi realizado em parceria com a Universidade de Nápoles, na Itália. Abaixo você confere os detalhes da iniciativa na matéria de Sérgio de Sousa da Agência UFC.

O gás hidrogênio é considerado um combustível promissor de interesse estratégico. Com forte potencial econômico, sua queima gera até duas vezes mais energia do que a de combustíveis derivados do petróleo. Além disso, não emite gases poluentes durante sua combustão, como o dióxido de carbono (CO2), sendo, portanto, uma alternativa para se controlar as emissões de gases de efeito estufa, que aceleraram as mudanças climáticas.

Trem movido a hidrogênio Foto: Alstom

Entretanto, a produção e o armazenamento do hidrogênio ainda exigem elevados investimentos financeiros. Atualmente, a principal maneira de produção do combustível é por meio da eletrólise, processo químico não espontâneo que requer alta demanda de água e energia. O novo método desenvolvido pelos pesquisadores pretende diminuir o gasto energético e o consumo de água através da produção biotecnológica desse gás por um processo mais sustentável.

Esse tipo de produção consiste na conversão microbiológica de água e substratos orgânicos em hidrogênio. As vantagens dessa escolha são a utilização de matérias-primas renováveis e o fato de o processo ser conduzido em temperatura ambiente e pressão atmosférica.

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“A biomassa vegetal reduz os custos de produção por ser um subproduto de outra indústria, no caso, a indústria da castanha e suco do caju, sendo considerada uma matéria-prima de baixo custo e capaz de ser utilizada para produção de diversos produtos, entre eles o bio-hidrogênio (BioH2)”, explica Maria Valderez Ponte Rocha, professora do Departamento de Engenharia Química e uma das responsáveis pela pesquisa.

Já os custos do armazenamento do bagaço de caju são reduzidos após o pré-tratamento físico do material, pois ele pode ser estocado em condições ambientes, o que dispensa demanda de energia.

hidrogênio de caju
Pesquisadores já estudam a viabilidade de instalação de biorrefinarias. Fotos: Divulgação UFC

“Além de reduzir o custo com a compra de matéria-prima mais onerosa, temos a destinação de um resíduo, pouco ou não aproveitado, valorizando a cadeia produtiva da agroindústria do caju no conceito de biorrefinaria, com o desenvolvimento de processos sustentáveis e com apelo social”, complementa a Profª Valderez Rocha.

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O apelo social ao qual a pesquisadora se refere está no estímulo às pequenas cooperativas para que coletem o pedúnculo de caju, geralmente descartado nas plantações, implicando mais oportunidades de trabalho.

Pesquisa contínua

A criação da tecnologia se deu no Grupo de Pesquisa e Desenvolvimento de Processos Biotecnológicos, sediado no Departamento de Engenharia Química da UFC. Há 20 anos, o grupo conduz estudos que visam ao aproveitamento do bagaço de caju, desenvolvendo bioprodutos como o etanol, o ácido lático e o xilitol (adoçante com alto valor comercial). Os achados já foram publicados em periódicos de alto fator de impacto para a comunidade científica.

Em 2017, o grupo começou a pesquisar a possibilidade de produção de hidrogênio a partir dessa matéria-prima. Isso foi possível graças a uma parceria com a Universidade de Nápoles, que já desenvolvia trabalhos na produção de hidrogênio e células combustíveis, contando, portanto, com os equipamentos necessários para a atividade. A então pós-doutoranda Jouciane Silva realizou os experimentos usando o bagaço de caju na instituição italiana e, no ano seguinte, foi publicado o primeiro artigo sobre o assunto.

caju
Foto: Pixabay

Em 2022, após conquistar o Edital de Energias Renováveis da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP), o GPBIO adquiriu equipamentos essenciais para dar continuidade às pesquisas no campo e, com isso, vem aprimorando a rota tecnológica criada, a partir da busca de melhores rendimentos e produtividade. Em junho deste ano, os pesquisadores apresentaram a tecnologia no 11º Congresso Mundial de Engenharia Química, realizado em Buenos Aires.

A produção do hidrogênio e as biorrefinarias

A produção do bio-hidrogênio a partir do bagaço do caju é realizada através do uso de bactérias. Os bagaços de caju adquiridos das empresas parceiras (Jandaia e Empresa Brasileira de Bebidas e Alimentos S/A – EBBA) são lavados, secados, triturados e armazenados. Após isso, é feito um processo chamado de hidrólise, no qual as moléculas das substâncias são quebradas na presença da água, obtendo um meio rico em glicose e xilose (açúcares importantes para o crescimento microbiano).

Esse meio é usado no processo fermentativo, realizado em reatores que avaliam a influência da luminosidade, da agitação, das fontes de carbono e das espécies de bactérias utilizadas. Daí, são acompanhados o volume dos novos gases produzidos e sua composição, pois, além do hidrogênio, podem ser gerados outros gases.

frutas caatinga cerrado

A possibilidade de obtenção de outros produtos pelo bagaço de caju permite que os pesquisadores estudem a viabilidade de instalação de biorrefinarias. Assim como as refinarias de petróleo, que beneficiam esse óleo na fabricação de diversos derivados, como gasolina, lubrificantes, plásticos e asfalto, a biorrefinaria usaria uma mesma matéria-prima, o bagaço de caju, para a obtenção de inúmeros produtos.

“Já foi avaliado pelo GPBIO a utilização do bagaço de caju para produção de diferentes bioprodutos, como etanol; xilitol; nanocelulose; ácido lático, que por rota enzimática é capaz de gerar um bioplástico; o poliácido lático; e também a obtenção de lignina, que pode ser empregada como suporte enzimático, entre outras aplicações”, explica a Profª Valderez Rocha, acrescentando que a vantagem das biorrefinarias é a minimização da geração de poluentes e resíduos.

caju
Foto: PxHere CC0

A pesquisadora adianta que o grupo planeja montar um projeto de análise técnica e econômica de biorrefinaria para a obtenção de combustíveis (etanol e hidrogênio) a partir do bagaço de caju. “A sua implementação visa à diminuição de custos, pois, a partir dela, é possível utilizar toda a matéria-prima, aproveitando ao máximo a sua composição”, garante.

Para que os planos se concretizem, contudo, o GPBIO busca encontrar parcerias privadas ou financiamento que incentivem a pesquisa. Nesse intento, o grupo tem se empenhado ativamente na participação de exposições promovidas pela Federação das Indústrias do Estado do Ceará, além de se envolver em projetos governamentais que estimulem os seus objetivos e propósitos.

“Essa área promete contribuições valiosas para a exploração de fontes renováveis de energia”, acredita a professora.

Por Agência UFC