Fernanda Abra, bióloga brasileira, ganha “Oscar da Conservação”
Salvar primatas na Amazônia lhe rendeu o prêmio Whitley 2024, considerado o de maior impacto em conservação da natureza no mundo – Fernanda recebeu o prêmio de Anne a Princesa Real
Salvar primatas na Amazônia lhe rendeu o prêmio Whitley 2024, considerado o de maior impacto em conservação da natureza no mundo – Fernanda recebeu o prêmio de Anne a Princesa Real
A instituição de caridade britânica Whitley Fund for Nature (WFN) está reconhecendo Fernanda Abra, do Brasil, com um Prêmio Whitley por seu trabalho pioneiro na construção e monitoramento de pontes de baixo custo sobre a rodovia BR-174 na floresta amazônica. Ela planeja levar a iniciativa, que usa pontes de dossel para proteger os mamíferos arborícolas, para diversas outras rodovias da Amazônia.
Pesquisadora associada da ONG brasileira Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), Fernanda planeja promover o uso das pontes de dossel para beneficiar primatas ameaçados de extinção, como o macaco-aranha da Guiana e outros mamíferos. O Brasil é o país com maior biodiversidade do mundo, e ela quer expandir o seu trabalho para uma das áreas mais desmatadas da Amazônia.
Fernanda, que também é pós-doutoranda pelo Zoológico Nacional e Instituto de Biologia de Conservação do Smithsonian, planeja abordar a escassez de pesquisas sobre este assunto no Brasil monitorando sistematicamente o uso da vida selvagem das pontes em uma das poucas iniciativas baseadas em ciência no país que focam nas ameaças das estradas para mamíferos arborícolas. Isso inclui a perda de conectividade na copa das árvores e a mortalidade causada por colisões de veículos.
Quarenta por cento das espécies de primatas estão ameaçadas de extinção no Brasil, com fragmentação de florestas e impactos causados por rodovias entre as principais ameaças que enfrentam. O Brasil possui a quarta maior rede rodoviária do mundo. O presidente Lula revelou no ano passado um programa de gastos de 1 bilhão de reais (156 mil milhões de libras) para impulsionar a infra-estrutura, que deverá incluir a construção de novas rodovias no país.
A Patrona da Caridade, Anne a Princesa Real, apresentou o Prêmio Whitley em 1° de maio na Royal Geographical Society. Esta cerimônia marca três décadas desde que o primeiro Prêmio Whitley foi apresentado e 25 anos desde o envolvimento da Princesa como Patrona.
O naturalista britânico David Attenborough, Embaixador da WFN e apoiador de longa data da instituição de caridade, disse que a crescente rede de vencedores representa alguns dos líderes de conservação mais impressionantes do mundo. “Os vencedores do Prêmio Whitley combinam o conhecimento de como responder a crises, mas também trazem consigo comunidades e públicos mais amplos.”
A chave para o sucesso do “Projeto Reconnecta” de Fernanda foi conquistar o apoio do povo indígena Waimiri-Atroari, cujos 2,3 milhões de hectares de terra são cortados pela rodovia federal e cujo território é considerado um dos mais bem preservados da Amazônia.
Mais de 150 pessoas Waimiri-Atroari participaram da construção e instalação das pontes na copa das árvores ao longo de um trecho de 125 km da rodovia. Fernanda também colaborou com as agências federais de transporte e meio ambiente do Brasil – o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) – além da Universidade Federal do Amazonas, a UFAM.
O presidente Lula comprometeu-se a alcançar o desmatamento zero até 2030, com isso tem direcionado mais recursos para as agências que mantêm ecossistemas diversos. O povo Waimiri-Atroari tem lutado por pontes artificiais na copa das árvores há décadas depois que a rodovia BR-174 se tornou uma fonte de mortalidade da vida selvagem após sua construção na década de 1970, quando o Brasil era governado por uma ditadura militar. A construção da rodovia desencadeou um aumento no desmatamento ilegal e o povo Waimiri-Atroari sofreu o caso mais grave de genocídio de povos indígenas na história do Brasil, segundo as Nações Unidas.
Desde que Fernanda e sua equipe construíram 30 pontes artificiais na copa das árvores para restaurar a conectividade da floresta para a vida selvagem em 2022, elas foram usadas por oito espécies arbóreas, sendo o sagui-de-mão-dourada – um importante símbolo cultural para os povos indígenas – o usuário mais frequente.
“O povo Waimiri-Atroari são o coração do projeto. Eles sabem tudo sobre a vida silvestre
local. Eles conhecem a ecologia dos animais. Eles conhecem os padrões temporais e espaciais. E isso foi fundamental para nós estabelecermos o projeto Reconnecta aqui”, afirma.
No âmbito do Projeto Reconnecta, cada ponte na copa das árvores é monitorada com duas armadilhas fotográficas, registrando o número de animais se aproximando, atravessando ou evitando as pontes. A equipe registrou 500 travessias bem sucedidas ao longo de um período de 11 meses, um número que se espera aumentar à medida que os mamíferos se acostumem a elas. As pontes foram utilizadas em apenas 30 dias após a instalação, com algumas espécies mostrando preferência por designs específicos de pontes na copa das árvores.
As pontes consistem em cabos de aço, cordas e redes de nylon e são ancoradas por postes de concreto. A equipe de Fernanda usou dois designs: uma ponte horizontal em cruzeta e um único cabo de aço envolto em corda trançada. Ambas as pontes são parte de um experimento para entender qual o design preferido por diferentes espécies. O custo dos materiais utilizados neste projeto foi em média £1.500 por ponte. Com o financiamento do Prêmio Whitley, Fernanda planeja medir o sucesso das pontes em aumentar a conectividade do habitat para espécies arbóreas e reduzir a mortalidade por atropelamento na BR-174, além de expandir o projeto para Alta Floresta, uma cidade fronteiriça localizada no estado de Mato Grosso.
Oito espécies de primatas podem ser encontradas em Alta Floresta, das quais cinco estão em perigo especificamente devido à perda de habitat natural, fragmentação e colisões em viários: Zogue zogue-de-Alta-Floresta, Macaco-aranha-preto, Mico-de-Schneider, Bugio-ruivo-de-Spix e Bugio-ruivo do-Purus.
Fernanda espera garantir o apoio do governo federal para o seu trabalho. Sua equipe identificou cinco locais onde as pontes na copa das árvores são imperativas para a reconexão em Alta Floresta. Ela planeja treinar mais de 200 pessoas dos órgãos federais de transporte e meio ambiente que trabalham com licenciamento ambiental para rodovias em nove estados da Amazônia brasileira como parte de seu objetivo de estabelecer uma cultura de infraestrutura sustentável.
Como parte desse objetivo, Fernanda busca se reunir com a ministra do Meio Ambiente do Brasil, Marina Silva, e Renan Filho, o Ministro dos Transportes, para discutir o potencial de expandir o Projeto Reconecta para outras rodovias na Amazônia e em outros biomas florestais no Brasil.