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Produzindo alimentos no quintal, moradora do Piauí vira referência gastronômica

Palmashake, Pizza de Macaxeira e Doce de Buriti são algumas da iguarias que aproveita ingredientes típicos da região semiárida brasileira.

gastronomia piauí
Foto: FAO

Maria Perpétua Socorro Macedo do Nascimento, de 31 anos, moradora do interior do Piauí, vem se tornando uma referência na gastronomia dos quintais no Semiárido. Ela capacitou 26 jovens de seis estados do Nordeste na arte de elaborar releituras da culinária tradicional com ingredientes locais dos quintais produtivos das famílias rurais. Além de contribuir para a segurança e qualidade alimentar, a gastronomia de quintal contribui para resgatar, manter e divulgar valores e tradições locais

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A experiência de Perpétua se transformou no livro “Gastroquinta: comida do quintal para a mesa”, do Programa Semear Internacional, parceria entre o Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA), o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA) e o Projeto Viva o Semiárido. 

O livro promove os princípios da agroecologia e da ecogastronomia ao estimular os debates sobre a importância dos quintais produtivos para a alimentação das famílias rurais, da comida afetiva elaborada com ingredientes do Semiárido e dos hábitos fundamentais à segurança alimentar e nutricional.

Para Perpétua, as mulheres no campo têm um papel muito importante na melhoria da alimentação local com suas práticas agroecológicas, como uso e venda de produtos agroecológicos, criação de receitas com alimentos cultivados nos seus próprios quintais e arredores de casa e o resgate da cultura e da ancestralidade mantida no ato de plantar, colher, comer e doar.

“Nunca pensei que minhas receitas um dia seriam publicadas”, disse Perpétua, que antes costumava cozinhar em casa enquanto os pais trabalhavam na roça, sem nenhuma perspectiva de se envolver no mundo da gastronomia ou de se transformar em uma multiplicadora nessa área.

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Desde então, ela elabora, resgata e desenvolve receitas e adotou novos ingredientes não muito comuns na alimentação da sua comunidade, como cacto e palma. Outros ingredientes típicos da região semiárida brasileira também se transformam em carros-chefes das receitas, entre elas, a Pizza de Macaxeira, o Bolinho de Massa de Milho, a Geleia de Puçá e o Doce de Buriti.  

Em uma das oficinas que ministrou, ela conheceu o jovem Antoniel Ferraz, de 19 anos, morador do Assentamento São José, em Valença do Piauí, que ajudava os pais no trabalho na roça e, conta Perpétua, revelou grande habilidade na cozinha e agora sonha em montar um restaurante.

“Nesta obra, a gastronomia tem a importante função de valorizar a identidade do território e a agrobiodiversidade local, fortalecendo a cultura do alimento – tratado de forma ampla, como um conjunto de crenças, tradições, oralidades e saberes”, explica Revecca Tapie, curadora e consultora do Gastroquinta, para quem o trabalho tem grande potencial de inspirar jovens a aprenderem sobre gastronomia local e de quintal para permanecerem no campo.

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“O turismo pós pandemia será, principalmente, de circuitos curtos e visitas a residências e produções rurais. A capacitação pode dar uma alternativa não apenas aos jovens, como às mulheres do campo, desde que haja retorno financeiro para eles”, explica Revecca.  

“Cozinhar é um ato político e de transformação. Por isso, os quintais produtivos são estratégias fundamentais para a soberania alimentar do Brasil”, disse o agrônomo Rodolfo Daldegan, gestor do Semear Internacional no IICA, na live de lançamento da publicação na quinta-feira, dia 26 de agosto.

A publicação traz 15 receitas inéditas e inovadoras, incluindo dois preparos que utilizam a palma, uma espécie de cacto rica em minerais: o Palmashake e o Suco Detox de Palma. Todas as receitas são elaboradas por jovens rurais do semiárido. 

A criatividade é usada não só na escolha dos itens próprios dos quintais da região, mas também na forma de preparação. É assim que alguns pratos que são usuais em outros lugares ganham versões sertanejas, como a salada de frutas e o feijão tropeiro.

Para Claus Reiner, Diretor do FIDA no Brasil, o livro contribui para o reforço de uma nova lógica de mercado, com alimentos agroecológicos. “Comida é demanda. Por isso é muito importante esse vínculo da nutrição com a cozinha, pois é a partir do cultivo dos bons hábitos alimentares que formas mercadológicas mais saudáveis serão estimuladas”, pontou.

Já a engenheira agrônoma e especialista em quintais produtivos, Júlia Aires, lembra que os quintais são resistentes à flutuação e insegurança do mercado, dada a diversidade de produtos e a constância da produção. “São características muito importantes diante da pandemia do Novo Coronavírus, que vivemos atualmente”, afirma. Isso sem contar que os alimentos cultivados nas propriedades das famílias rurais oferecem diferentes sabores para a culinária.

Como surgiu o termo “Gastroquinta” ?

O batismo do nome “Gastroquinta” aconteceu depois que um grupo de jovens percebeu que 90% dos insumos das receitas mais executadas no sertão do Piauí estava vindo dos próprios quintais produtivos das mulheres da região. A ideia era encontrar um conceito que pudesse representar essa criação de cardápios inovadores a partir dos alimentos nativos e produzidos pelas comunidades locais. E com o objetivo final de disseminar o termo e, principalmente, a prática que estimula vida saudável e a solidariedade.

Para os jovens, esse tipo de gastronomia resgata um antigo costume no meio rural, que é a troca de produtos entre os moradores. O que uma família não tem, a família vizinha possivelmente terá. Para elaborara as receitas do livro, foi necessário comprar apenas açúcar. Todos os demais estavam nos quintais das comunidades rurais.

Fabiana Viterbo, Coordenadora do Programa Semear Internacional, avalia que o livro é um dos resultados concretos desse processo. “Temos muito orgulho em aprender com os jovens rurais e em replicar esses conhecimentos por meio da publicação e também pelas oficinas, seminários e capacitações. Isso é valioso e gera transformação”, comemora. E complementa: “o livro é rico, dinâmico e fácil de ler. Vale cada página.”

A versão eBook está disponível para download gratuito.

Antecedentes 

Entre os eventos que deram origem ao conceito “Gastroquinta”  estão a Oficina Gastrotinga, que fez parte das atividades do II Encontro de Jovens Rurais do Semiárido Brasileiro, e o Intercâmbio em Ecogastronomia, ambos realizados pelo Programa Semear Internacional. O primeiro aconteceu em Picos, no interior do Piauí, e reuniu 500 jovens nordestinos, enquanto o segundo, em parceria com o Slow Food, foi realizado na comunidade quilombola de Brejões, em Ilha das Flores, Sergipe. O intercâmbio, primeiro realizado em território sergipano sobre o tema, ainda contou com oficinas gastronômicas, com três chefs de cozinha: chef Timóteo Domingos, idealizador do Projeto Gastrotinga e autor do livro “O Chef do Sertão”, chef Seichele Barbosa, de Sergipe, e chef Leila Carreiro, da Bahia.

É importante lembrar que um dos princípios da “Gastroquinta” é estimular o uso de alimentos agroecológicos, uma vez que os quintais não usam agrotóxicos, diminuindo os riscos à saúde e ao meio ambiente.

15 dias de iniciativas inspiradoras

A história de Perpétua, que promove a cultura da comida afetiva e tradicional e a segurança alimentar e nutricional por meio dos quintais produtivos das famílias rurais do Semiárido, foi enviada pelo Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA) e faz parte da ação “15 dias de iniciativas transformadoras”, parte da campanha #MulheresRurais, mulheres com direitos.

Durante os próximos dias, outras organizações parceiras da campanha irão compartilhar histórias de mulheres rurais promotoras da alimentação saudável, guardiãs da terra, líderes e empreendedoras, com base em três eixos principais: direitos e autonomia econômica; papel produtivo em sistemas agroalimentares; redução de lacunas e uma vida livre de violência. No dia 15 de outubro, encerra-se a ação com a celebração do Dia Internacional das Mulheres Rurais.