Brasil lança programa de conservação e uso sustentável dos manguezais

Além de ser fonte de renda para populações locais, manguezais têm potencial de armazenarem de duas a quatro vezes mais carbono do que florestas continentais

manguezais mulheres na conservação
Manguezal em Cananéia, litoral sul de São Paulo. Foto: João Marcos Rosa | Nitro

Berçários da vida marinha, os manguezais são ecossistemas essenciais para o planeta. Seu valor ambiental, social, econômico e cultural para as comunidades costeiras já foram até mensurados neste estudo. O Brasil que possui a segunda maior área de manguezais do mundo, abrigando 700 mil hectares somente dentro da fronteira amazônica, por meio do governo federal, acaba de reconhecer os manguezais como ecossistemas-chave para a biodiversidade e o clima. Na última quarta-feira (05/06), o presidente Luís Inácio Lula da Silva assinou o decreto instituindo o Programa Nacional de Conservação e o Uso Sustentável dos Manguezais do Brasil – ProManguezal.

O programa já é considerado um marco nas políticas públicas de conservação ambiental no Brasil. O governo estima em mais de 500 mil as famílias que dependem diretamente dos recursos dos manguezais para sua sobrevivência, incluindo pescadores e pescadoras artesanais, marisqueiras e extravistas.

Representantes dessas populações tiveram participação direta na elaboração do programa, que contou com oficinas de escuta este ano – reta final de um processo de mais de uma década de trabalho conjunto, envolvendo diversos especialistas, governo, terceiro setor e outros parceiros.

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Manguezal em Curuça, no Pará. região amazônica. Foto: Jorge Alvarenga | National Geographic

“Esse programa para o manguezal significa muito, principalmente para nós mulheres”, declarou Marizélia Carlos Lopes, pescadora, quilombola e coordenadora da Articulação Nacional das Mulheres Pescadoras Bahia (ANP) e uma das participantes das oficinas de escuta. “Não é à toa que a gente está nesse processo de construção desse programa. A gente está exatamente defendendo esse espaço que é tão importante. Então, a gente tem discutido, por exemplo, o quanto as mudanças climáticas afetam, principalmente, as mulheres. Então, é um espaço de renovação de esperanças. Juntas e juntos, vamos continuar fazendo a defesa de nossas vidas”, declarou.

“A gente acha muito importante esses encontros para debater com as autoridades competentes para a gente saber o que a gente sente lá na ponta, o que e quais são os impactos, principalmente agora que estão querendo extrair petróleo na costa do Amapá. A gente está muito preocupado”, declarou Fábio de Souza Vieira, liderança comunitária da CONFREM. Ele mora na comunidade do Sucuriju, no extremo norte do Amapá, onde há uma faixa contínua de manguezal muito grande e muito densa.

ProManguezal

O ProManguezal é uma política pública que dá continuidade ao Projeto GEF Mangue, e ao Plano de Ação Nacional para a Conservação das Espécies Ameaçadas e de Importância Socioeconômica do Ecossistema Manguezal (PAN Manguezal), implementados nos últimos anos em parceria com diversas comunidades tradicionais e outras instituições, como o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio.

“Os manguezais são o ecossistema que mais estoca carbono na natureza, por isso é conhecido como carbono azul. Ou seja, se fomentarmos sua conservação e manutenção, garantiremos o mais potente sumidouro de carbono, ao mesmo tempo que serão beneficiadas as populações tradicionais que dependem dos manguezais para seu sustento”, afirma Mauricio Bianco, vice-presidente da Conservação Internacional (CI-Brasil) – que apoiou o MMA na realização das oficinas de escuta.

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Manguezal de Nova Viçosa, na Bahia | Foto: Heris Luiz Cordeiro Rocha cc 3.0

Além da parceria com a Conservação Internacional, a construção do ProManguezal contou com apoio do Projeto TerraMar, uma iniciativa do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) do Brasil e do Ministério Federal do Meio Ambiente, Proteção da Natureza, Segurança Nuclear e Defesa do Consumidor (BMUV) da Alemanha, como parte da Iniciativa Internacional para o Clima (IKI), e implementado pela GIZ no contexto da Cooperação Brasil-Alemanha para o Desenvolvimento Sustentável.

Manguezais: aliados na luta contra a crise climática

Eles não estão nas manchetes nem movimentam as redes sociais, mas são um dos ecossistemas mais importantes do planeta. Além de proteger a costa de tempestades e eventos extremos, atuando como barreira natural – uma infraestrutura verde – são também um verdadeiro berçário para dezenas de espécies de peixes e mariscos e fonte de renda para milhares de pessoas que vivem em comunidades costeiras no Brasil e no mundo. E cumprem sua tarefa também quando o assunto é a mudança do clima: são o ecossistema que mais armazena carbono.

Os manguezais são este eficiente ecossistema que cobre cerca de 150 mil quilômetros quadrados em todo o mundo, principalmente nas zonas tropicais, e ocupa aproximadamente 15% das faixas costeiras do planeta. No Brasil, são cerca de 1,4 milhão de hectares que vão do Oiapoque, no Amapá, até Laguna, em Santa Catarina.

plantio de árvores
Plantio de manguezais

Do ponto de vista econômico, são fundamentais para a cadeia da pesca: estima-se que entre 70% e 80% das espécies de peixes marinhos de interesse comercial dependem deles para seu desenvolvimento. Do ponto de vista social, são fonte de renda para dezenas de milhares de famílias, que dependem deles também para sua segurança alimentar. Um dos exemplos mais notáveis é a extração de mariscos, realizada principalmente por mulheres em praticamente toda a costa brasileira. Do ponto de vista técnico, são descritos como áreas úmidas que ocorrem na transição entre ambientes marinhos e terrestres, sujeitos ao regime de marés. Mas é do ponto de vista climático que os mangues têm atraído a atenção em todo o mundo.

Estudo publicado na revista Frontiers in Forests and Global Change indica que um hectare de manguezal no Brasil pode armazenar entre duas e quatro vezes mais carbono do que um mesmo hectare de outro bioma qualquer, incluindo a floresta amazônica. A explicação está no solo lamoso: uma de suas características é a baixíssima concentração de oxigênio, o que retarda e, às vezes, chega a impedir a decomposição da matéria orgânica soterrada nele. Esse estoque cresce continuamente com o acúmulo da matéria orgânica que vem de fora, com rios, e que é produzida por ele mesmo. O crescimento de sua vegetação também contribui com a estocagem de carbono. Estimativas globais indicam que os manguezais podem sequestrar quase 1 bilhão de toneladas de carbono por ano, o que o coloca no topo da lista dos ecossistemas que mais absorvem carbono. A conservação deste ecossistema, portanto, é fundamental para a estabilidade do clima.

manguezais Amazônia
Foto: Rafael Araujo Curuca Peabiru

No caso do Brasil, unidades de conservação abrangem 90% dos manguezais brasileiros. “O Brasil pode ser um exemplo global ao aliar a conservação e sustentabilidade social e econômica dos manguezais nas suas estratégias nacionais de Clima, Biodiversidade e Gestão Costeira”, destaca Mauricio Bianco. Atualmente o Brasil caminha para tornar-se signatário da iniciativa Mangrove Breakthrough, idealizado pela Aliança Global pelos Manguezais e UN-Climate Change High-Level Champions.