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Pinturas denunciam risco de colapso hídrico no Brasil

Às vésperas do Dia Mundial dos Rios, 17 cidades chamam atenção sobre a urgência da preservação dos rios do Brasil – veja as fotos!

rios Brasil
Rio Negro – Igarapé de Petrópolis, Bacia urbana da Cachoeirinha – Manaus, AM (Orígenas Coletivo e Arte Ocupa)

O nível de degradação dos rios brasileiros está fazendo com que muitos deles já não consigam prover seus serviços ambientais porque foram reduzidos a locais para descarte de esgoto e de lixo, poluídos por agrotóxicos e outros químicos ou ainda simplesmente subtraídos da paisagem por canalizações e desvios.

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Para alertar para a necessidade de preservar os cursos de água doce do país, um grupo de ativistas criou um Manifesto dos Rios, assinado por 21 rios estratégicos para suas localidades onde estão sendo realizadas atividades para chamar a atenção sobre a urgência de sua preservação. Ao todo, serão 17 cidades nas cinco regiões do Brasil.

A ação acontece às vésperas do Dia Mundial dos Rios, que é comemorado no último domingo de setembro. Na maioria dos casos, serão pintadas cobras – uma alusão à lenda amazônica da Cobra Grande.

poluição no rio Tietê
Foto: SOS Mata Atlântica

Pintar sobre a superfície de um rio parece ser impossível. Mas na maioria das grandes cidades, dá não só para pintar, como para caminhar sobre inúmeros rios e córregos que estão concretados. Muitos deles são ilustres desconhecidos da maioria dos moradores, ou porque estão canalizados debaixo das ruas, ou porque servem de esgoto e descarte de lixo. É o caso do rio Iquiririm, na Vila Indiana, e do Rio Bixiga, no bairro homônimo.

“A segurança hídrica do país tem sido sistematicamente negligenciada por governos municipais, estaduais e federal, notadamente quando falamos de rios, riachos, córregos e outros cursos d’água na terra e no céu. Afinal, até mesmo os rios voadores que vêm da Amazônia estão comprometidos por causa do patamar que a destruição da floresta alcançou”, alerta Jonaya de Castro.

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Confira a seguir o descritivo das ações:

SÃO PAULO

No Rio Bixiga, a ação acontecerá às 11h do dia 24/09 em parceria com a Cia. Teatro Oficina: uma alegoria do rio, criada por artistas da Cia., manipulada por bambus que, com seus movimentos, desenha um dragão chinês no ar.

A ação visa dar visibilidade ao Rio Bixiga, braço do Saracura Açu que integra a microbacia homônima, a qual reúne os rios Saracura e Itororó, na região central de São Paulo. Essa microbacia forma a natureza enterrada do bairro há mais de século, quando os rios foram canalizados para o plano de urbanização do centro.

O Rio Bixiga tem boa parte do seu trajeto canalizado atravessando o terreno onde existe a sede do Teatro Oficina. Este terreno, de propriedade privada, se configura como o último chão de terra livre do centro de São Paulo – o que levou os aliados desse rio a lutar pela criação de um parque com o Rio Bixiga como protagonista, ou seja, destamponado, devolvendo o rio ao seu leito.

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O Coletivo NASA – Núcleo de Ações Socioculturais Ativista, junto com Nome aos Rios e Rios de Santo André pintaram uma cobra com 45 metros de comprimento no Córrego Ibirapitanga, na praça que existe sobre o córrego tamponado na altura do largo Treze de Maio – Vila Pires – Santo André/SP.

rios Brasil
Foto: Divulgação

O Córrego Ibirapitanga é afluente do Córrego Guarará, que pertence à maior bacia hidrográfica de Santo André em macrozona urbana. Em seguida, o Guarará deságua no Rio Tamanduateí. O encontro do Ibirapitanga com o Guarará formava um lago, que foi aterrado na década de 1940, onde atualmente está localizado o Clube Atlético Aramaçan. O mesmo sofre com inundação e alagamento em época de fortes chuvas, devido ao aterramento realizado.

No Rio Tietê – o maior do estado de São Paulo – artistas da Água Viva, Spike e Coletivo Cidades Afetivas pintaram duas cobras. Uma, numa embarcação atracada no Cebolão, entre os rios Tietê e Pinheiros, com apoio do Instituto Navega SP e SOS Mata Atlântica. Outra, na beira da Represa do Rio Jundiaí, em Mogi das Cruzes, município onde o rio ainda entra limpo, mas sai sujo.

Rio Tietê
Foto: Divulgação

Além de receber agrotóxico e esgoto não tratado, no Alto Tietê, um grande volume de águas é deslocado do rio para as represas de Ponte Nova, Biritiba Mirim e Jundiaí, que integram o Sistema Produtor do Alto Tietê para abastecer municípios da Região Metropolitana de São Paulo, diminuindo o fluxo do rio consideravelmente em Mogi.

Em São Paulo, o rio está canalizado e espremido entre as marginais. A pintura da cobra no Almirante do Lago, essa embarcação para 200 pessoas, alimenta o sonho de um centro cultural flutuante dedicado à regeneração dos rios, à educação ambiental e à cultura da sustentabilidade.

Os coletivos Cidades Afetivas, Água Viva e Rios e Ruas, pintaram uma cobra de 25 metros no muro das nascentes do Rio Iquiririm na rua Corinto, 970, na Vila Indiana, além de realizar uma expedição com pesquisadores da USP. A ação teve o apoio do Fundo Fica, um projeto inovador de moradia sem fins lucrativos que acaba de abrir um programa de moradia estudantil na rua da nascente.

muro das nascentes do Rio Iquiririm
Muro das nascentes do Rio Iquiririm. Foto: Divulgação

O rio Iquiririm, que integra a Bacia do rio Tietê, nasce dentro do campus da zona oeste da USP e flui pelo Butantã até desaguar no rio Pirajussara, um dos vários formadores do rio Pinheiros. As nascentes passaram por um processo de regeneração a partir de um movimento energizado pelo arquiteto e urbanista social José Bueno e o geógrafo Luiz de Campos, fundadores do Rios e Ruas.

O coletivo (se)cura humana atuará no Córrego Água Preta, no bairro da Lapa, em São Paulo. Serão realizadas múltiplas intervenções em um lago construído pelo grupo na Travessa Roque Adóglio: uma delas será a pintura de uma cobra na parede do lago, em parceria com as crianças de um Centro de Educação Infantil (CEI) que fica na região; além disso, será instalada uma cabeça de cobra na saída da água que alimenta o lago; e ainda teremos a aplicação de lambes com a cobra e o “Manifesto dos Rios” nas imediações do mesmo lago com colaboração do artista Edu Marim.

O Lago da Travessa Roque Adóglio é uma obra artístico-ambiental criada em 2018 pelo coletivo. A água que alimenta o lago é de uma nascente do próprio córrego que foi conduzida por 250 metros e hoje proporciona vida aquática, plantas e peixes para o local. Além do lago, foi instalada uma torneira com tanque que disponibiliza a água limpa para a população que por ali transita.

MANAUS (AM)

Um dos maiores igarapés de Manaus, o Petrópolis faz parte da bacia urbana da Cachoeirinha e corta a orla da capital do Amazonas, desaguando na zona sul, do lado esquerdo da Bacia do Rio Negro. Desde a década de 1970 ele vem sofrendo severa degradação pela ausência de um plano de saneamento básico compatível com o crescimento populacional migratório que acompanhou a expansão do Polo Industrial de Manaus.

igarapé Manaus
Foto: Divulgação

O governo construiu conjuntos habitacionais desconsiderando os trechos de rio ali presentes e o escoamento superficial da cidade direciona-se essencialmente aos rios, que acabam carregando grande quantidade de resíduos sólidos flutuantes, como garrafas pet. Para chamar a atenção para essa situação crítica, o coletivo Orígenas fez atividades de contação de história, performance com uma cobra de pano, oficina de fotografia e uma ação de limpeza, além de uma “Arte performance Cipó-Cobra” da artista visual Priscila Pinto.

ACRE

No Acre, o Rio Branco recebe duas ações pedindo sua preservação. A do Comitê Chico Mendes aconteceu em suas encostas na altura da escadaria da Gameleira, segundo distrito de Rio Branco.

rio Acre
Foto: Divulgação

Já a Frente de Defesa do Rio Branco fará uma cobra de pano, articulada por canos pvc, na Orla Taumanan. O Rio Acre nasce em território peruano, passa pela Bolívia e entra no Brasil pela tríplice fronteira, no território acreano, onde percorre os municípios de Assis Brasil, Brasiléia, Xapurí, Rio Branco e Porto Acre, desembocando na sua foz no estado do Amazonas.

A capital acreana nasceu e se desenvolveu às margens desse rio que serpenteia a cidade, passando por 17 bairros, e que a divide em dois distritos. Suas margens em áreas urbanas sofrem com a falta de planejamento do Estado, que resultou em uma rede precária de drenagem e esgotos despejados a céu aberto por toda sua extensão. Além da degradação, a crise climática tem contribuído para as secas e cheias cada vez mais extremas.

AMAPÁ

Em Macapá (AP), o Instituto Mapinguari faz uma grande cobra com colagem de lambes na rua Beira Amazonas, na cidade nova, às margens do Rio Amazonas. Conhecido como o maior rio do mundo, o Amazonas se estende desde o Peru, Bolívia até o Brasil. No Amapá, ele corre em frente aos maiores pontos turísticos do Estado, como a Fortaleza de São José.

Apesar de sua importância, sofre com diversas ameaças como a poluição, tanto de resíduos sólidos quanto de dejetos que são lançados diretamente no rio. Atualmente sua foz está no centro de uma grande ameaça ambiental: a exploração de petróleo.

DISTRITO FEDERAL

No Distrito Federal, a ação foi liderada pelo Centro de Preservação e Conservação Ambiental – Casa da Natureza e Instituto Filhas da Terra e aconteceu na Vc 311, ponte do Rio Melchior, que liga Ceilândia/ Samambaia, onde foram realizadas atividade com as crianças e adolescentes.

O rio Melchior, também conhecido como rio Belchior, é formado a partir da confluência do Ribeirão Taguatinga com o Córrego do Valo e o Córrego Gatumé, entre Ceilândia e Samambaia, dentro da Área de Relevante Interesse Ecológico Juscelino Kubitscheck.

Localizado na Bacia do Rio Descoberto, ele tem recebido em seu leito, ao longo de seu percurso de cerca de 25 km até desaguar no Rio Descoberto, uma grande quantidade de esgoto doméstico, por se tratar de um rio principal. Tem sido assim desde cerca de 1965, com a criação das cidades de Taguatinga, Ceilândia e Samambaia, o que levou à piora da qualidade da água anos após ano. Mesmo com a implantação da ETE-CAESB Melchior, o rio não tem 100% do esgoto tratado.

MARANHÃO

Em São Luís, no Maranhão, a pintura da cobra foi feita em parceria com artistas locais às margens do rio Anil.

O nome do rio decorre da extração de uma fécula azul que servia para branquear tecidos e que foi denominada pelos árabes de anil. A extração era feita por meio do amolecimento das folhas da planta (chamada pelos indígenas de “cauaçú”) nas águas do rio, que ficavam com a coloração azul. Atualmente sua cor é bem diferente: ele recebe diariamente uma grande carga de esgotos por conta da falta de saneamento básico na cidade. Ele também sofre com a ocupação desordenada e o desmatamento em suas margens. No bairro periférico de Salina é possível ver uma “Ilha de Plástico” formada pelo acúmulo de lixo que pode ser vista pelo Google Maps nestas coordenadas: -2.5380092, -44.2558342.

Rio Anil
Pelo Google Maps, é possível ver a “ilha de plástico”

Também no Maranhão, o CDJUV – Coletivo Desenvolvimento e Juventude e Coletivo Edvard Dantas Cardeal realiza ação em prol do Rio Piquiá, em Açailândia. Embora não seja tão conhecido nacionalmente, esse rio desempenha um papel vital na vida da comunidade local e na região em geral por ser uma importante fonte de água. Porém desde 1980 o rio vem sendo constantemente poluído por uma fábrica de cimento, por siderúrgicas e os rejeitos da mineração.

Para chamar a atenção para a situação do Rio Piquiá, o coletivo fará uma cobra com cerca de 20 metros de comprimento que será estendida próxima ao rio na altura de um pano e depois será estendida próximo do rio na altura do povoado de Piquá, em Açailândia.

PARÁ

rios Brasil
Foto: Divulgação

Em Castanhal, no Pará, o Coletivo Mirií organizará ações denunciando a deterioração dos rios Itaqui e Apeú, na Agrovila Itaqui e Vila Centenária do Apeú. Os dois cursos d’água estão inseridos e são de grande importância para a bacia hidrográfica do Rio Apeú, que deságua no Rio Guamá, no Nordeste do Pará. Serão instalados dois murais, com intervenções em grafite e lambe lambe, assim como um ato performático, com faixas e cartazes nas margens desses rios.

PARAÍBA

Em João Pessoa, na Paraíba, o coletivo Nosso Lugar em Gramame realiza ação em defesa do Rio Cuiá no Parque Natural Municipal do Cuiá – criado há 12 anos com o intuito de preservar parte deste corpo hídrico que já vem poluído desde sua nascente.

A iniciativa ficou muito aquém de seu objetivo e de seu orçamento: foram gastos quase R$ 12 milhões de dinheiro público para desapropriar e cercar a área, mas nada foi feito. O coletivo realiza mutirões de limpeza e atividade de conscientização socioambiental há quase três anos para mostrar o potencial desse lugar para a promoção de saúde para a população que vive em seu entorno e no restante da cidade de João Pessoa.

Por conta do Dia Mundial dos Rios, o coletivo fará um portal na entrada indicando o Parque Cuiá para que mais pessoas o conheçam e possam cobrar dos órgãos públicos a realização. A pintura da cobra protetora será feita de ponta a ponta do arco para agregar a campanha e comunicar que há pessoas protegendo esse espaço.

PARANÁ

Em Curitiba, a ação é realizada na ciclovia segregada próxima à OAB do Paraná, no Jardinete Erailto Thiele, pela Bicicletaria Cultural e pelo coletivo Fiona sobre Rodas. O local fica na margem esquerda do Canal Belém, cujo curso acompanha essa ciclovia – uma das primeiras infraestruturas para o modal no Brasil.

O canal Belém é um dos rios principais que passam por toda a Curitiba, cidade que começou seu processo de urbanismo a partir de propostas de saneamento e de administração de seus charcos. Porém, há mais de meio século, o poder público tem canalizado e desviado os rios, tamponando e pavimentando ao invés de promover mais áreas verdes de absorção da água das chuvas.

RIO DE JANEIRO

Rio Guandu
Foto: Divulgação

No Rio, a ação foi coordenada pelo coletivo Martha Trindade em parceria com a artista Day Medeiros do Instituto CASA e acontece na Av. João XXIII, 443 – Santa Cruz. O Rio Guandu é um curso d’água que se estende por 63 quilômetros e desempenha um papel fundamental no fornecimento de água no estado fluminense, após passarem por um processo de tratamento na Estação de Tratamento de Água Guandu (ETA Guandu). Ele é formado pela confluência do rio Santana e do ribeirão das Lajes, na divisa entre os municípios de Japeri e Paracambi. Recentemente ele foi vítima de poluição por despejo indevido de uma empresa de Queimados, que comprometeu o fornecimento de água na Região Metropolitana do Rio.

TOCANTINS

Em Palmas, a ação em prol do ribeirão Taquaruçu é coordenada pelo Movimento Estadual de Direitos Humanos e Ambientais – Tocantins, responsável pela pintura da cobra em parceria com o pessoal do Hip Hop da cidade. Também será afixada uma placa permanente registrando uma poesia.

rios Brasil
Foto: Divulgação

O Ribeirão Taquaruçu tem sido degradado pela erosão e pela poluição. Ele integra a Bacia do Rio Formoso, lar de vários ribeirinhos que residem em aldeias indígenas e vivem da agricultura familiar. O ribeirão Taquaruçu abastece a água potável consumida em Palmas. Essa água, contudo, tem sido poluída pelos resíduos do agronegócio da região, o que já motivou debate na Câmara de Palmas e motivou um projeto do governo do estado direcionado a produtores rurais para tentar mitigar o efeito da atividade sobre o rio.

Rios em risco

A preocupação dos ativistas tem respaldo científico. Estudo do WWF sobre 12 milhões de quilômetros de 246 grandes rios do mundo mostrou que pouco mais de um terço (37%) deles pode ser considerado um “rio de curso livre”, que é a condição para que um curso d’água mais ofereça benefícios ambientais e serviços ecossistêmicos.

Se nas cidades os rios são canalizados, no restante do Brasil eles são interrompidos pelo assoreamento decorrente do desmatamento, mineração e garimpo, bem como pela construção de reservatórios e hidrelétricas, além do despejo de esgoto sem tratamento.

rios da Mata Atlântica
Foto: Domínio Público

Os rios são também vítimas do aquecimento global: um novo estudo da Penn State University em 800 dos rios dos Estados Unidos e da Europa mostrou que em 87% deles a temperatura média da água se elevou e em 70% houve e a perda de oxigênio. Os prognósticos são ainda mais preocupantes: de acordo com os pesquisadores, nos sistemas fluviais estudados, especialmente no sul dos Estados Unidos, poderão ocorrer períodos de extrema desoxigenação nos próximos 70 anos, levando ao risco de uma grande mortandade de espécies de peixes.

As ações acima citadas são acompanhadas por um manifesto escrito como se fossem os próprios rios se manifestando:

Eu sou rio

Corpo de água

Corredeira sem fim

Encho e esvazio

Alago

Inundo a Terra de mim

Dou água

Desde a nascente até o mar

Tudo nasce assim

Sem meu corpo

Não há devir

Pela vida tenho direito de existir