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Mulheres na Conservação: Zélia de Brito

Ícone da conservação de áreas marinhas no Brasil, a vida de Zelinha se mistura com a preservação da vida do Atol das Rocas

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Zélia de Brito, Zelinha, a guardião do Atol das Rocas. Foto: João Marcos Rosa

Por Paulina Chamorro | Fotos: João Marcos Rosa

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Por dez dias, depois de dois anos de espera, vacinas da equipe e autorizações, esta repórter e o fotografo João Marcos Rosa, foram para o único e menor atol do Atlântico Sul.

A reserva Biológica do Atol das Rocas hoje é um modelo para o mundo de como áreas marinhas com baixo impacto humano sobrevivem. Ou melhor, como é a vida realmente selvagem, em lugares inóspitos, solitários e onde a pegada humana é uma raridade.

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Atol das Rocas, novembro de 2021. Foto: João Marcos Rosa

Tudo isso só foi possível pela ação ininterrupta por mais de 30 anos da chefa da Unidade, Maurizélia de Brito, a Zelinha. Nossa missão foi acompanhar o trabalho de fiscalização e pesquisa de um dos ícones da conservação marinha no Brasil.

Zelinha é respeitada de pescadores a pesquisadores. E era nossa personagem desde o embrião do Projeto Mulheres na Conservação, justamente porque ela era referencia a todas e todos que sabiam do projeto de documentação do trabalho de mulheres na conservação.

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Atol das Rocas, novembro de 2021. Foto: João Marcos Rosa

Aqui, compartilhamos trechos da entrevista que fizemos no penúltimo dia no Atol. Mas antes, divido um trecho do diário de bordo do que foi apenas um dia de convivência neste portal para a vida natural e selvagem.

Dia 3 – Atol da Rocas

“Ainda pela manhã, Zelinha queria nos mostrar a outra parte do interior do Atol, que são com os paredões e que também seria uma paisagem que vai se transformar em poucos dias por conta da maré.

Com a predominância de um coral amarelado, porites asteroides, a paisagem vista de cima, por fora d’água, se intercalava entre o azul e as cores dos recifes de coral.

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Atol das Rocas, novembro de 2021. Foto: João Marcos Rosa

Por aqui foi a vez das tartarugas-de-pente também. Vimos dois machos, juvenis, o que chamou atenção da Zelinha, pois nesta época não era para ter tartarugas desta idade aqui no Atol.

Voltamos para a casa para almoçar.

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Atol das Rocas, novembro de 2021. Foto: João Marcos Rosa

E antes do sol se pôr fomos circundar a Ilha do Farol, através da Baia da Lama, que tinha secado. Aqui os caranguejos terrestres dividiam espaço com os atobás, fazendo tocas de 2 a 3 metros por baixo da areia.

Caminhamos pela baia da Lama, passando por trás da casa da equipe do ICMBio, por entre uma vegetação e com um cheiro que lembra um manguezal saudável. Zelinha nos explica que nesta região existe o deposito e decomposição de muita matéria orgânica, e até uns caranguejos que eram de mangue, se adaptaram por aqui.

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Atol das Rocas, novembro de 2021. Foto: João Marcos Rosa

O curioso é que o Atol não tem água doce e todas as espécies estão adaptadas para esta situação. Inclusive a vegetação. A salinidade é baixa no Atol.

Zelinha nos conta que dentro de dois dias tudo vai ficar diferente, com a mudança da maré. Esta vegetação ficará debaixo d´água, e a areia vai se mover para outra parte do Atol. Isso acontece nas marés de lua nova ou cheia. As marés de sizígia.

Os ninhos que foram feitos por lá serão perdidos, e surgem novas oportunidades de alimento para tubarões e tartarugas.”

Confira parte da entrevista com Zelinha

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Foto: João Marcos Rosa
Mulheres na Conservação: Zélia Brito!

Eu sou Zélia Brito, sou chefe da reserva biológica do Atol das Rocas, primeira unidade de conservação marinha criada no Brasil, servidora pública federal do ICMBio, 37 anos de serviço, 30 anos totalmente à disposição do Atol das Rocas.

Zelinha, é uma honra ter você aqui no Mulheres na Conservação e estar aqui no Atol, no seu universo. Para a gente começar a nossa conversa, eu queria que você nos contasse o que é conservação para você.

Conservação, para mim, tem a capacidade de proteger as vidas. No caso do Atol das Rocas, é a perpetuidade. É você poder contribuir para que espécies ameaçadas ou não de extinção vivam plenamente em paz.

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Atol das Rocas, novembro de 2021. Foto: João Marcos Rosa
E agora, o que é ser uma mulher na conservação?

É uma vitória. É uma vitória… Foi uma luta, é uma luta. Muitas vezes as pessoas não acreditam e a gente tem que se superar e mostrar que somos capazes. Independentemente de ser homem ou mulher, você tem que se comprometer com aquilo que você escolheu para sua vida profissional e para sua vida pessoal e que faça bem feito. Então, no meu caso, é uma vitória. Porque, além de ser mulher, eu não tenho uma graduação, aprendi tudo no campo e tive que mostrar a minha capacidade de cuidar desse único atol do atlântico sul e dessa reserva biológica de muitas vidas.

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Atol das Rocas, novembro de 2021. Foto: João Marcos Rosa
A gente tem essa terceira pergunta, que é uma pergunta muito mais reflexiva, ao longo da trajetória sua profissional e também pessoal, e as outras mulheres também refletem muito sobre isso… Quais são os principais desafios para você, nesse caso, de ser uma mulher nessa área na conservação e, no caso daqui, na fiscalização.

Bom, eu acho que isso é uma dificuldade para muitas mulheres, de vários biomas. Mas, no meu caso, o maior desafio foi perder o medo e enfrentar a ilegalidade. Porque nós, quando começamos aqui na Reserva Biológica do Atol das Rocas não tínhamos comunicação com o continente, a gente ficava realmente isolado geograficamente e tinha muitos infratores. Então, você tinha que lidar com dezenas de infratores: você coibindo a pesca, eles querendo pescar e você não podendo comunicar ao continente. Então, o maior desafio foi superar os medos, as ansiedades e, depois, lutar para que a ilegalidade se afastasse do Atol e você protegesse realmente essa unidade de conservação.

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Atol das Rocas, novembro de 2021. Foto: João Marcos Rosa

O Atol não tinha referência, não existe um lugar como ele. Não só no Brasil, mas no Atlântico Sul. Então, os desafios foram todos, de ocupação, de continuidade, de aprendizado, de conhecimento, de persistência, de insistência, do acordar, do amanhecer, do anoitecer, de tudo… A gente não conhecia nada. Então, foram muitos desafios, mas o maior deles foi o medo. O medo da ocupação desse lugar tão inóspito e tão solitário.

A gente tem visto e acompanhado, mesmo antes de estar aqui, você sendo colocada como ícone, como uma referência, no caso da conservação marinha, no caso da dedicação ao mar, ao oceano, por conta dessa sua história atrelada ao Atol. Como você se vê inspirando novas gerações de jovens meninas?

Eu me sinto muito lisonjeada, muito honrada, porque eu já fui muito louca. Eu já fui uma pessoa bastante irresponsável. Então, até porque, assim, (para) trabalhar no Atol não tinha como você ser totalmente normal, porque eram muitas coisas que você precisava enfrentar. 

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Atol das Rocas, novembro de 2021. Foto: João Marcos Rosa

Mas eu sinto muito orgulho, (vindo) de pessoas que eu conheço e principalmente das que eu não conheço, que escrevem para mim, “poxa, eu li sobre você, eu li uma entrevista sua e vou fazer biologia e me inspirei em você”, então eu fico muito orgulhosa da trajetória que eu trilhei na minha vida profissional e na minha vida pessoal, porque termina que é uma coisa só, né?

Você vive tanto com o Atol que seu pessoal e seu profissional se misturam, mas tudo é com comprometimento, com compromisso, respeito e amor. 

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Atol das Rocas, novembro de 2021. Foto: João Marcos Rosa

Então eu fico feliz, porque eu sou inspiração também para pessoas da minha instituição. E quando eu vejo que as pessoas estão desestimuladas, eu vou lá e dou um pontapé para o ânimo: “Sabe, tudo é possível! Se você desistir, você não vai conseguir saber qual é o fim da história”.

E, a próxima pergunta é justamente com relação ao futuro. Como o Atol contribui para o futuro e para as próximas gerações?

O Atol contribui para o presente também, porque teve um passado impactante. Então o fato de ter tantas vidas, de você saber que isso aqui é um berçário, que vai repovoar tantos bancos de pesca… quantas pessoas sobrevivem do que nasce do Atol e vai pela dispersão?

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Atol das Rocas, novembro de 2021. Foto: João Marcos Rosa

Então, em relação à biodiversidade, é presente e futuro garantidos por ser uma unidade de conservação e proteção integral, assim eu espero. E quanto às pessoas, é  ciência. Todos os dias se descobre coisas novas. O que está acontecendo agora na parte leste do Atol, enquanto a gente está aqui? A gente não sabe.

O Atol das Rocas é presente e futuro, espero que com proteção, conservação, ciência e conhecimento. É dispersão de muitas vidas, perpetuidade de muitas vidas e isso é o que eu penso. Principalmente no presente, para garantir o futuro.

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Atol das Rocas, novembro de 2021. Foto: João Marcos Rosa Reserva Biologica do Atol das Rocas FOTO: JOAO MARCOS ROSA/NITRO

Para saber mais sobre a Zelinha, confira a matéria sobre a guardião do Atol das Rocas na National Geographic Brasil, assista o episódio sobre ela na websérie do projeto Mulheres na Conservação, com apoio da Fundação Toyota, e ouça o podcast com a sua entrevista completa.

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Atol das Rocas, novembro de 2021. Foto: João Marcos Rosa

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