Teclado digital inclui caracteres de mais de 40 línguas indígenas

Criado por jovens brasileiros, equipamento ajuda na escrita e sobrevivência das línguas nativas da Amazônia

teclado línguas indígenas
Teste do teclado realizado na aldeia Tuyuka Janauari. Foto: Instagram | Linklado

A língua oficial do Brasil é o português. Mas nosso país tem mais de cem línguas, faladas por aqui muito antes da chegada dos colonizadores. São as línguas indígenas, parte fundamental da cultura dos povos originários que precisa ser preservada – e praticada!

“No Amazonas temos mais de 52 línguas vivas e muitos desconhecem essa riqueza linguística. Muitas dessas línguas contam com poucos falantes, algumas centenas ou milhares, e possuem aspectos interessantíssimos”, conta Samuel Benzecry, jovem amazonense que estuda na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos.

Samuel e Juliano Portela, estudante do ensino médio em Manaus, desenvolveram juntos uma tecnologia que vai ajudar a indígenas e não indígenas a escrever, ensinar e preservar as línguas dos nossos povos originários.

teclado línguas indígenas
Foto: Cristie Sicsú

O teclado digital Linklado, disponível gratuitamente na Play Store e na Windows Store, em uma versão adaptada para computadores, inclui caracteres especiais e diacríticos que formam o vocabulário de mais de 40 línguas indígenas da Amazônia, entre elas a Tikuna, a mais falada no Brasil.

O software traz os caracteres ʉ, ɨ, ñ, ç̀, g̃, por exemplo, além da combinação de diacríticos (sinais gráficos `,´, ~, ^, ¨) que não estão presentes na maioria dos teclados físicos e virtuais.

Sem este recurso, os indígenas eram obrigados a se comunicar por meio de áudios ou usando substitutos para esses caracteres, o que representa uma ameaça à continuidade das línguas nativas.

teclado línguas indígenas
Imagem: Reprodução | Linklado

Samuel explica que a morte de várias dessas línguas é causada causada por glotocídio, que é a marginalização de uma língua em favor de outra. “O ‘Linklado’ seria uma forma de manter essas línguas vivas”, afirma.

“Aparelhos Androides podem ser postos na língua Kaingang ou Nheengatu, mas isso não resolve o problema de línguas que utilizam sinais diacríticos como ü̃, muito usado na Tikuna, que é a língua indígena mais falada no Brasil”, exemplifica.  O estudante acrescenta que já existiam teclados adaptados para línguas indígenas mexicanas, contudo eles não contemplam os caracteres usados pelas línguas indígenas da Amazônia.

Teclado adaptado

O nome Linklado é uma combinação das sílabas ‘lin’ = línguas indígenas e ‘klado’, que faz um trocadilho com a palavra ‘teclado’. Forma ainda a palavra ‘link’, que significa conexão.

A criação do teclado adaptado começou quando Juliano e Samuel participaram das ‘Olimpíadas Internacional de Linguística’ e umas das atividades da competição era escrever um artigo numa língua indígena. “Foi quando eu percebi a dificuldade de transcrever alguns caracteres do papel para o word. Só depois que criamos o Linklado que consegui escrever o artigo direito”, conta Juliano.

teclado línguas indígenas
Teste do teclado realizado na aldeia Tuyuka Janauari. Foto: Instagram | Linklado

O projeto do teclado com caracteres especiais e diacríticos contou com o apoio da professora Noemia Kazue Ishikawa, bióloga e doutora em Recursos Naturais, que coordena o projeto ‘Redes de mulheres indígenas tradutoras e cientistas: conexões para uma educação transformadora em ciências no Amazonas’.

“Em 2008, quando coordenei um projeto na região do Alto Rio Solimões, organizei uma cartilha bilíngue Português/Tikuna. Foi a primeira vez que me deparei com a dificuldade de transcrever a escrita indígena para o computador. Desde então, eu venho abordando que era necessário um teclado para as línguas indígenas”, conta.

Conexão e resistência

Noemia e Ana Carla Bruno, antropóloga e linguista, estão atualmente desenvolvendo uma rede de tradutoras de línguas indígenas e o teclado é uma ferramenta era essencial para solucionar a falta de caracteres em teclados de computador e/ou celular, um dos grandes desafios do projeto.

“O Linklado pode ser um instrumento de poder nas mãos dos povos indígenas, tendo em vista que agora eles poderão utilizar os símbolos, os diacríticos, enfim os grafemas que melhor representam os sons e fonemas de suas línguas através da produção de seus próprios textos, histórias e narrativas. Neste sentido, penso que esta ferramenta pode contribuir com as ações das línguas indígenas”, argumenta Ana Carla.

teclado línguas indígenas
A manutenção da língua é fundamental para preservar a cultura indígena. Foto: Instagram | Linklado

Samuel e Juliano concordam com as pesquisadoras e afirmam que conectar os falantes das línguas indígenas a um teclado que contempla o seu vocabulário é uma das formas de ajudar na transmissão e sobrevivência das línguas indígenas sul-americanas na era digital.

“O Linklado vai ajudar na publicação de mais livros, cartilhas e informativos bilíngues em línguas indígenas e não indígenas. O que será uma grande inovação de fomento à leitura e a popularização da ciência. Aos falantes da língua, vejo que o Linklado facilitará a escrita casual e rotineira nas línguas indígenas, o que promoverá o fortalecimento da manutenção da língua”, avalia Noemia.

Como usar o Linklado?

Nos aparelhos Android, o ‘Linklado’ substitui o teclado padrão do dispositivo com uma versão alterada que inclui os caracteres especiais, além de uma tecla que contém todos os diacríticos, que podem ser adicionados à letra anterior. Por exemplo, primeiro digita-se a letra ʉ, depois clica-se sobre a tecla com o diacrítico, produzindo, então, ʉ̀.

Já no Windows, o sistema introduz uma pequena janela que permanece sobre a tela, somente com os caracteres especiais e os diacríticos. Desse modo, o usuário pode utilizar o teclado comum junto com o software do ‘Linklado’.

Membros do projeto ‘Linklado’

O Linklado é formado pelos estudantes Samuel Minev Benzecry e Juliano Dantas Portela, e as pesquisadoras do Inpa, Ana Carla Bruno, Ruby Vargas Isla Gordiano, e Noemia Kazue Ishikawa.

teclado línguas indígenas
Foto: Cristie Sicsú

Atualmente, o projeto também conta com a participação de: Marinete Almeida Costa (Tukano/Ye’pâ-masa), Josmar Pinheiro Lima (Tuyuka/Ʉtãpinopona), Kaina Bruno Brazão, Rafael Estrela Freitas, Laura Corrêa Cavalcante, Odalis Ramos, Rosilene Fonseca Pereira (Piratapuia/Waíkhana), Rosilda Maria Cordeiro da Silva (Tukano/Ye’pâ-masa), Dagoberto Azevedo (Tukano/Ye’pâ-masa), Cristina Quirino Mariano (Tikuna/Magüta) e Dulce Maria Barreto Tenório (Tuyuka/Ʉtãpinopona).