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Armazém democratiza consumo de orgânicos na periferia

A Agência Popular Solano Trindade une cultura e gastronomia para promover alimentação saudável para populações de baixa renda.

Foto: Divulgação

Quanto você caminha pra comprar frutas, verduras ou legumes? E a versão sem veneno desses alimentos? Parece uma pergunta simples, não? Mas a resposta não é a mesma para todos. O lugar onde você mora diz muito sobre isso.

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Os bairros da periferia paulistana fazem parte de um conjunto de regiões que se encaixam no conceito “deserto alimentar” – são áreas urbanas onde é escassa a oferta de frutas, hortaliças ou outros alimentos saudáveis; a consequência disso é a diminuição do consumo de ingredientes que, por direito, deveriam ser a base da alimentação de todo cidadão.

Esse é um problema que não é apenas de vulnerabilidade socioeconômica, mas que surge também da falta de oferta de feiras-livres, sacolões ou supermercados com produtos frescos e saudáveis em regiões de baixa renda. Consequentemente, o que acaba chegando primeiro nesses bairros e, em maior quantidade, são os pequenos comércios, onde é mais fácil comprar um pacote de bolacha recheada do que um pé de alface. Apesar de essa ser a realidade de milhares de moradores das periferias de São Paulo, em uma das áreas do bairro Campo Limpo, zona sul da cidade, esse cenário tem ganhado novos contornos. No começo da rua Batista Crespo, bem perto do Terminal Campo Limpo, o “Armazém Organicamente” oferece frutas, verduras e legumes frescos e sem veneno, a baixo custo todas as quintas, sextas e sábados.

Conexão Campo Favela

O Armazém é uma entre as muitas iniciativas da Agência popular Solano Trindade, um negócio que reúne “300 empreendimentos nascidos na quebrada”, como explica o empreendedor social e fundador, Thiago Vinícius. A Agência, que Thiago apresenta também como o primeiro coworking da periferia, aproveita as potencialidades do território para levar a vida das comunidades do Campo Limpo e Capão Redondo para as manchetes de economia, sustentabilidade e cultura.

“A gente vê muito discurso sofisticado sobre a questão da alimentação e a imposição do comer bem, mas aqui a gente vive uma outra realidade. Uma realidade onde muita criança e idoso não come direito, onde 70% dos empréstimos pedidos no fundo financeiro coletivo da Agência popular Solano Trindade são para comprar o arroz e o feijão. Por isso, uma das coisas que a gente busca fazer é democratizar o ato de comer bem”, afirma.

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O fato do bairro onde está a agência ser vizinho a Parelheiros, distrito que leva o título de mancha verde por guardar 30% da área verde de São Paulo, foi uma das potencialidades que não passaram desapercebidas. “Aqui em Parelheiros estão os agricultores que produzem parte dos alimentos que se come nos bairros centrais da cidade, inclusive os alimentos orgânicos. Se esses produtores passam por aqui quando vão fazer suas entregas na região central, porque não desviar só um pouco e deixar parte dessa produção no caminho aqui com a gente? ”, explica.

Armazém Orgânicamente | foto: divulgação

E foi essa a lógica que ele usou para firmar parcerias com os produtores do Instituto Terra Livre e com a Cooperapas, a Cooperativa Agroecológica dos Produtores Rurais e de Água Limpa da região sul de São Paulo. Com essa parceria, eles cortaram intermediários, fizeram a conexão que Thiago define como “campo periferia” e hoje disponibilizam pra quem mora na favela uma rica variedade de alimentos frescos e orgânicos a um valor bem mais acessível do que o que é cobrado em outras regiões da cidade.

“O que a gente fez? A gente diminuiu a rede de distribuição. A comida que sai daqui do lado de casa e costuma ir lá para o Ceasa, só depois volta pra quebrada. E se você pensar, só nisso aí o convencional já ficou caro, imagine então o orgânico”, diz Thiago.

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Thiago com sua filha em frente a Agência | Foto: Camila Doretto/CicloVivo

O trabalho da Agência popular Solano Trindade é também fomentar uma nova cultura de consumo, principalmente consumo consciente e responsável. Todos os alimentos vendidos vêm do plantio de agriculturas familiares.

“E estamos fazendo isso num lugar onde o mercado aberto está a pelo menos 1 quilômetro de casa, onde as pessoas chegam tarde e cansadas do trabalho, depois de passar horas num transporte público lotado. Ou seja, além da presença de um supermercado não ser garantia de oferta de alimento fresco e saudável, andar essa distância no final do dia é realmente algo fora da realidade”, conclui.

Thiago mostra a pequena horta urbana cultivada no local | Foto: Camila Doretto/CicloVivo

Desdobramentos de uma ação

A Agência popular Solano Trindade atua com a cultura da alimentação saudável em algumas frentes. Além do ponto fixo de venda de orgânicos, são feitas 500 entregas a domicílio por mês, sendo 50 para a periferia.

“Trabalhamos com uma lista de produtos que são pedidos num grupo de whatsapp. Não tem essa história de cesta de orgânicos. Todo negócio que a gente desenvolve, a gente desenvolve na perspectiva do favelado. O favelado não vai comprar cesta porque o cara não tem 50 contos toda semana. Então, a pessoa faz a lista do que ela quer e a gente entrega a uma taxa de 6 reais”, diz.

O que não é vendido nas entregas ou no ponto fixo é reaproveitado na cozinha da agência, que funciona sob o comando da dona Cleunice Maria, uma cozinheira de 55 anos que é também a mãe da nossa principal voz nessa reportagem. Tia Nice, como é carinhosamente chamada por todos, aderiu aos ingredientes orgânicos depois de fazer um curso que mudou seu jeito de enxergar a alimentação. “Há dois anos eu trabalho principalmente com alimentação vegetariana e com as PANCs, plantas alimentícias não convencionais. A feijoada vegetariana é o meu prato de sucesso. E cozinho há 40 anos, e tanto eu como os clientes que nos procuram, todos valorizam e muito esse caminho da alimentação saudável”, comemora.

Tia Nice preparando uma receita com Cambuci (fruta nativa brasileira)| Foto: Divulgação

Além de cozinhar para receber visitantes que participam dos roteiros de turismo no bairro, a cozinha da Agência Solano Trindade também faz eventos, que também é uma das fontes de renda para pagar o aluguel da sede.

Uma casa de mil povos

Todas as frentes de ação em que a Agência Solano Trindade atua se sustentam graças ao forte trabalho de conexão com os talentos do bairro. “Somos o Sebrae da periferia”, diz Thiago. Os parceiros e clientes, que vão de artesãos, grafiteiros, estilistas, músicos e muitos outros profissionais, frequentam o espaço para usar a Internet, impressora, sala de reunião, mas também para se conectar com todas as iniciativas realizadas ali, receber consultoria de diversas naturezas e oferecer seus serviços em eventos organizados pela agência. 

Visitantes conhecendo o local e experimentando a feijoada da Tia Nice | Foto: Camila Doretto/CicloVivo

Em 2018, durante o Festival Percurso, um evento organizado pela agência que reúne projetos de economia solidária e atrações musicais, 150 parceiros e clientes trabalharam em atividades de arte, culinária e cidadania. Para se ter ideia da potência do evento, que é realizado anualmente no bairro do Campo Limpo, no último ano, o festival atraiu 10 mil pessoas de diversos bairros da cidade. Ao longo dos anos, já recebeu nomes como Racionais MC’s, Seu Jorge, Flora Matos, Rico Dalasam e BaianaSystem. “É o nosso Rock in Rio! O Lollapalooza da quebrada. Sabe por que eu faço isso? Porque ninguém aqui tem dinheiro pra pagar esses shows. E cultura tem que ser para todos”, diz Thiago.

Serviço

A Agência Popular Solano Trindade, através do projeto “Vivência Comunitária”, desenvolve um negócio de turismo para trazer a galera pra quebrada. Se quiser saber sobre os roteiros, é só entrar em contato. Pode ser uma ótima oportunidade para experimentar a deliciosa feijoada vegetariana da Tia Nice!

Agência Solano Trindade

R. Batista Crespo, 105

Telefone: (11) 2592-0064

E-mail: [email protected]