Ícone do site

Exposição conta história do Xingu com registros de indígenas

Com produção audiovisual indígena contemporânea e imagens históricas, mostra reúne cerca de 200 itens no IMS de São Paulo

Published 08/11/2022
exposição indígenas foto xingu

Kainahu Kuikuro, integrante do Coletivo Kuikuro de Cinema, no ritual do Kuarup na aldeia Afukuri, julho de 2021. Foto: Takumã Kuikuro | Acervo do fotógrafo.

Xingu é o primeiro grande território indígena demarcado no Brasil, em 1961. É a casa de sociedades tradicionais que enfrentam há séculos diversas formas de intervenção e violência e inspiram a luta por direitos dos povos originários. Ainda alvo de disputas e ameaças, o território, localizado no estado do Mato Grosso, é habitado atualmente por mais de 6 mil indígenas, de 16 etnias.

Esta trajetória de lutas e resistências é mostrada, sob o ponto de vista de artistas e comunicadores indígenas, na exposição Xingu: contatos, no Instituto Moreira Salles de São Paulo, a partir de 5 de novembro, último sábado.

A equipe de curadoria é formada pelo cineasta Takumã Kuikuro, diretor de documentários como As hiper mulheres (2011), pelo jornalista Guilherme Freitas, editor-assistente da serrote, revista de ensaios do IMS, e pela assistente de curadoria Marina Frúgoli.

Com entrada gratuita, a mostra apresenta múltiplas narrativas e olhares em torno do território, tendo como destaque a produção audiovisual indígena contemporânea, que tem no Xingu um de seus principais polos. O conjunto inclui seis curtas-metragens, feitos especialmente para a exposição, de autoria de Divino TserewahúKamatxi Ikpeng, Kamikia KisêdjêKujãesage Kaiabi, Piratá Waurá e do Coletivo Kuikuro de Cinema.

O Instituto Moreira Salles fica na Avenida Paulista, 2424. Foto: Reprodução | IMS SP

A exposição traz ainda um trabalho inédito do artista Denilson Baniwa, fotografias produzidas pelos comunicadores indígenas da Rede Xingu +, e um mural, com grafismos alto-xinguanos, criado pelo artista Wally Amaru na empena de um prédio na rua da Consolação.

Também são exibidos imagens, reportagens e outros documentos produzidos no Xingu por não indígenas desde o final do século 19. O conjunto inclui desde registros de viajantes europeus, passando pela documentação de expedições do Estado brasileiro até a cobertura da imprensa durante a campanha pela demarcação do Parque Indígena do Xingu, decretada em 1961. Na mostra, essas imagens são confrontadas pelas produção de artistas e comunicadores indígenas, num processo de diálogo, contraste e elaboração de novas perspectivas.

Fruto de dois anos de pesquisa, a seleção apresenta cerca de 200 itens. Os materiais provêm do acervo de diferentes instituições, como o próprio IMS, o Instituto Socioambiental (ISA), o Instituto Goiano de Pré-História e Antropologia da PUC Goiás, o Museu do Índio e a ONG Vídeo nas Aldeias, entre outras. As imagens de acervo passaram por um processo de requalificação, conduzido em diálogo com pesquisadores e lideranças indígenas, para identificar pessoas, locais e situações.

“Hoje nós somos protagonistas da nossa história. Antes não conhecíamos o audiovisual, agora conhecemos. Somos donos da nossa imagem e levamos as lutas dos povos do Xingu para museus, festivais, cinemas, redes sociais e exposições”, conta o cocurador Takumã Kuikuro.

Para ele, as narrativas em torno do Xingu sofreram muitos apagamentos, sendo preciso reforçar o protagonismo das lideranças indígenas na luta pela demarcação do parque e na diplomacia com os brancos. “Queremos contar nossa história para que os não indígenas possam reconhecer e ensinar aos seus filhos o protagonismo dos povos indígenas do Xingu e de todo o Brasil”, completa Takumã.

Frame do curta A câmera é a flecha, 2022. Foto: Coletivo Kuikuro de Cinema.

A câmera e a flecha

A inserção do audiovisual nas comunidades indígenas, tanto como instrumento de preservação de saberes e tradições quanto como ferramenta de autorrepresentação, é um dos temas centrais dos filmes que serão exibidos no primeiro andar. Em Kamatxi cineastaKamatxi Ikpeng mostra a importância das ferramentas audiovisuais para as lutas atuais dos Ikpeng. Em A câmera é a flechaTakumã Kuikuro e o Coletivo Kuikuro de Cinema repassam duas décadas de atuação nas aldeias de todo o Xingu e em festivais ao redor do mundo. Em Somos cineastasDivino Tserewahú reúne depoimentos sobre o papel do audiovisual na cultura Xavante. Um dos pioneiros do cinema indígena no Brasil, Divino participou da primeira oficina do Vídeo nas Aldeias no Xingu, em 1997.

O primeiro andar apresenta ainda dois itens de arquivo que ilustram os caminhos do audiovisual na história do Xingu. Um curta-metragem produzido pelos alunos da primeira grande oficina do projeto Vídeo nas Aldeias, realizada em 1997 no Posto Diauarum, no Território Indígena do Xingu. E uma seleção do acervo pessoal de Pirakumã Yawalapiti, liderança histórica que tinha o hábito de filmar assembleias, rituais e festas desde os anos 1990.

Perspectiva histórica

No segundo andar da exposição, o público encontra uma perspectiva histórica do território. São apresentadas desde as primeiras fotografias feitas na região, durante a expedição do etnólogo alemão Karl von den Steinen na década de 1880, passando pela documentação realizadas pelo Estado brasileiro na primeira metade do século 20, com a Comissão Rondon e o Serviço de Proteção ao Índio, até chegar à cobertura da imprensa da Expedição Roncador-Xingu, sobretudo pela revista O Cruzeiro, com os fotógrafos Jean Manzon, José Medeiros e Henri Ballot – os arquivos de Medeiros e Ballot estão sob a guarda do IMS.

Neste núcleo, as imagens produzidas pelos não indígenas são intercaladas e interrogadas por filmes e fotografias de artistas indígenas. O artista Denilson Baniwa assina um trabalho criado a partir das reportagens da revista O Cruzeiroquestionando a representação das culturas indígenas na imprensa brasileira. Uma narrativa tradicional Kuikuro traz o ponto de vista dos xinguanos sobre a chegada dos não indígenas à região.

Foto: Nicolas Tucat | AFP

São exibidas ainda fotos e documentos que registram a presença do cacique Raoni Metyktire e de outras lideranças xinguanas durante os debates da Constituinte, em 1987 e 1988. Os materiais apresentados reforçam como o Xingu se tornou um marco e símbolo da resistência indígena, servindo como referencial para outras demarcações.

Em cartaz até 9 de abril de 2023, a mostra contará com uma série de atividades paralelas, que serão divulgadas ao longo do período expositivo. Ao visitar a exposição, o público poderá conhecer mais sobre a história de lutas e resistências dos povos xinguanos, como enfatiza o escritor e ativista Ailton Krenak. “O Parque Indígena do Xingu é inspirado na ideia de conservação, e ele inspira muito. Inspira a luta indígena no sentido da conservação da biodiversidade e na convivência da diversidade de povos dentro de um mesmo território. Ele é um imenso repertório de experiências positivas que inspira as lutas dos indígenas até hoje.”

À frente na bancada, da esquerda para a direita: Teseya Panará, Kanhõc Kayapó, Raoni Mētyktire e Tutu Pombo Kayapó, dentre outros, ocupam auditório da liderança do PMDB nas negociações do capítulo dos indígenas na Constituinte, Brasília, 31.05.1988. Crédito: Foto: Beto Ricardo | Acervo Instituto Socioambiental.

Podcast

A pesquisa para a exposição começou durante a produção do podcast Xingu: terra marcada, que teve a participação dos curadores Guilherme Freitas e Takumã Kuikuro. Lançada em abril de 2021 pela Batuta, rádio de internet do IMS, a série narra a história da campanha pela demarcação do Parque Indígena do Xingu e seu significado para a luta pelos direitos indígenas até hoje. Em cinco episódios, o podcast traz entrevistas com pesquisadores e lideranças, mostrando a perspectiva dos povos xinguanos sobre a trajetória do parque e a situação atual dos indígenas. O programa está disponível, para acesso gratuito, no site da Batuta, no Spotify, na Apple Podcasts e em outras plataformas.

Xingu: contatos

Watatakalu Yawalapiti, 2019. Foto: Sitah | Acervo da fotógrafa

 

 

 

 

Sair da versão mobile