Em São Paulo, nordestinos encontram sustento na agricultura urbana

Migrantes que vieram para a capital paulista voltam às suas origens nas plantações.

Foto: Pedro Garcia

Por Pedro Garcia

As imagens de hortas e agricultura orgânica geralmente estão associadas a cidades do interior, zonas rurais e grandes espaços verdes. Porém, em São Mateus, bairro da zona leste de São Paulo, comunidades de agricultores vão contra essa ideia. Embaixo de linhas de transmissão de energia, os pequenos produtores — a maioria vinda do Nordeste plantam alimentos, ervas medicinais e temperos, que são vendidos para os moradores da região. Em meio a um ambiente urbano, com ônibus, carros, comércios e empresas ao redor, os agricultores encontraram um meio de sustento no qual promovem o cultivo sustentável de gêneros agrícolas dentro da capital paulista.

Sebastiana de Farias, de 67 anos, foi uma das precursoras do projeto. Natural de Limoeiro, interior pernambucano, nasceu em uma família de agricultores. Aos 7 anos, já trabalhava na roça ao lado de seus familiares. Foi assim que aprendeu algumas técnicas de plantio e o essencial sobre o trabalho com a terra. Ela viveu na zona rural até os 22 anos, casada e com um filho, quando seu marido resolveu ir para São Paulo em busca de uma vida melhor.

Genival, o homem com quem Sebastiana era casada, migrou para a Terra da Garoa. Quando encontrou emprego, um local para morar e conseguiu certa estabilidade, trouxe para morar consigo sua mulher e filho. Inicialmente, ele trabalhou na indústria de papel e celulose, enquanto Sebastiana foi copeira e cozinheira. Entretanto, o casal Farias não é o único a realizar essa migração interna. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o estado de São Paulo é o destino principal de deslocamento dos nordestinos. Em 2015, foram 5,6 milhões de pessoas da região que vieram para a unidade federativa, além do mais, da população total do estado 12,66% dela é nordestina.  

Os migrantes se mudam para São Paulo visando melhores oportunidades de emprego, mas com a idade, fica cada vez mais difícil para eles se manterem no mercado de trabalho e conseguirem empregos. Foi isso o que aconteceu com Genival e Sebastiana há aproximadamente dez anos. Nesse período, eles conheceram um projeto de agricultura urbana, da Prefeitura de São Paulo. O casal passou a ter suas próprias plantações e contou com o auxílio da equipe da subprefeitura nas dinâmicas das hortas e vendas.

Percalços e resiliência

Sebastiana realizava o comércio do que plantava junto a sua barraca de tapioca e eventualmente na sede da subprefeitura. Tudo se encaminhava bem quando, devido a uma grande enchente, foram obrigados a deixar o terreno em que plantavam. Novamente, com o auxílio da equipe responsável pelo projeto, conseguiram a permissão para cultivar a área pertencente à Eletropaulo.

A partir de então, Genival e Sebastiana passaram a dividir o lote com outros agricultores, majoritariamente nordestinos também. Há quatro anos, passaram a contar com o apoio da ONG Cidades sem Fome, especializada em agricultura urbana e orgânica, que passou a ajudar com mudas para o plantio, transporte e outros suportes. O fundador da organização, Hans Dieter Temp, explica que a maior parte dos beneficiários são nordestinos que vão a São Paulo em busca de uma vida melhor. Com o passar dos anos, porém, encontram mais dificuldade de se integrarem ao mercado de trabalho. A agricultura urbana, então, se torna um meio de subsistência e fonte de renda, fazendo algo que gostam e sabem fazer.

Genival morre em 2017. Sebastiana não para. Continua cuidando da horta, sem o menor desejo de deixar seu trabalho ou trocá-lo por outro. Muito pelo contrário, diz “não ter nada no mundo que a tire do meio do mato”. Atualmente, vive de sua aposentadoria, um salário mínimo e do dinheiro que tira de sua horta, onde planta principalmente verduras, ervas medicinais e bananas. Entretanto, terá que abandonar o cultivo destas por conta da altura que as árvores alcançam. Elas são proibidas debaixo das linhas elétricas.

Uma das agricultoras com quem Sebastiana divide o lote é Telma de Jesus, de 58 anos. Natural de Ilhéus, na Bahia, trabalhou durante toda a vida como empregada doméstica e plantando nos terrenos em que morava. Seu marido sempre trabalhou em São Paulo, enquanto ela permanecia no interior baiano para que seus filhos estudassem e se formassem. Há dez anos, quando quatro de seus filhos já estavam casados, foi encontrar o marido e a caçula na capital paulista.

Após seis meses na metrópole, Telma e seu marido conseguiram um terreno para plantar. Na procura por melhores terrenos, acharam o lote que passaram a dividir com Genival, Sebastiana e outras famílias. Faz cinco anos que o marido de Telma voltou para Ilhéus para se aposentar, e ela continua na cidade trabalhando na horta. A filha também não quis se mudar mais uma vez e, atualmente, cursa Farmácia na faculdade.

Abrindo brechas na selva de pedra  

Dona Telma, como é conhecida, conta que, quando era criança, sempre via os seus e outros pais incentivando os filhos a irem para São Paulo ou Rio de Janeiro em busca de melhores condições de vida. “O nordestino veio para cá para isso. Lá ele tem uma vida sofrida, o governo só visa as grandes cidades, eles não olham para o interior. Se os governadores dessem condições para os prefeitos fazerem boas gestões nas cidades pequenas, o nordestino não precisava vir para cá”, critica Telma.

A agricultora trabalhou durante a maior parte de sua vida como empregada doméstica e sem carteira assinada, por isso não conseguirá se aposentar. Sua renda vem do salário da filha e do dinheiro que consegue vendendo o que planta, que já chegou a ser um salário mínimo. Ela gosta de trabalhar com a terra e a profissão que exerce hoje é algo que sempre teve prazer em fazer. “A agricultura familiar aqui em São Paulo, no meio da cidade, é uma benção que eu nunca pensei que fosse encontrar aqui. É muito privilégio”, comenta.

Sebastiana compartilha do mesmo pensamento da colega de profissão. Hoje em dia, não consegue se ver sem a agricultura orgânica e sustentável que pratica. Mesmo exercendo uma atividade considerada rural, deseja continuar na cidade por diversos motivos. Um deles é quanto à facilidade de venda de seus produtos na metrópole. “A cidade de São Paulo é coração de mãe, ela acolhe todos que chegam e aqui tudo o que se planta e se faz com carinho vende”, relata, afirmando ganhar bem mais dinheiro vendendo seus produtos aqui do que conseguiria em sua terra natal.

Tanto Telma quanto Sebastiana enxergam um descaso com as terras do interior nordestino por parte do poder público. “Não tem uma árvore, é tudo canavial, não é mais como antes, é tudo seco e acabado, está sem vida. Até o sítio que era do meu pai não está mais igual”, conta Sebastiana sobre a última vez que visitou seu local de nascença.

As duas produtoras são exemplos entre tantos nordestinos que procuram a vida em São Paulo. Ambas encontraram uma nova atividade e forma de sustento no cultivo de orgânicos em pleno território urbano, mesmo que debaixo das linhas de transmissão de energia elétrica da Eletropaulo. Mas elas veem que a atividade de certa forma as reconecta às suas origens. “Eu aqui sentada no meio dessas árvores, mexendo na terra, é como se estivesse na minha terra, só que em São Paulo”, Sebastiana relembra entre risadas.