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Mulheres na conservação: Patrícia Medici

A pesquisadora ajudou a fundar o Instituto de Pesquisas Ecológicas quando ainda era estudante e criou o maior banco de dados do mundo sobre a anta.

Published 09/03/2020
Patrícia Medici

Por Natasha Olsen e Paulina Chamorro

Um furacão. Patrícia Medici deixa esta impressão para quem entra no seu universo. Uma mulher que acorda de madrugada para fazer yoga, e começa, também de madrugada, o seu trabalho de campo pelo Pantanal. São 16 armadilhas para antas e 50 câmeras que ela checa diariamente.

A cada armadilha, uma nova tarefa se apresenta. Se não houve captura, é preciso refazer a armadilha. Quando encontram um animal, Patrícia e sua equipe fazem uma análise completa: a principal tarefa é colocar o colar de GPS, mas também são feitas biópsias, coleta de sangue, biometria. A cada animal capturado, uma hora de trabalho.

Após ser capturada em uma das armadilhas, uma anta é examinada por Patrícia e sua equipe. São coletadas medidas e amostras que passam a integrar um banco de dados que traça um raio-x da populacão de antas da região. Foto: João Marcos Rosa | Nitro

O desgaste físico é intenso – a anta é um dos maiores mamíferos das Américas, podendo chegar a 300 quilos. Mas Patrícia dá conta de tudo, com uma disposição que  impressiona. Hoje ela é responsável pelo maior banco de dados no mundo a respeito das antas, espécie que têm uma importância enorme.

Por ser um animal de grande porte, a anta consome enormes quantidades de frutos e dispersa as sementes destes frutos. “A anta é extremamente importante para manutenção da biodiversidade. Tanto é que a gente chama esse animal de jardineira das florestas. Se o animal for removido do ambiente, as florestas serão infinitamente diferentes em termos de composição , estrutura e diversidade”, resume a pesquisadora.

Além de ter criado e dirigir a Iniciativa Nacional para a Conservação da Anta Brasileira,  Patrícia é presidente de um grupo da União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN) voltado especificamente para 4 espécies de anta, que envolve 150 pessoas em 28 países.

A característica mais distinta da Anta é sua narina, longa e flexível, que parece uma pequena tromba. A anta é um ungulado, parente de cavalos, zebras e do rinoceronte. Fazenda Baía das Pedras, Aquidauana, Mato Grosso do Sul. Foto: João Marcos Rosa | Nitro
A pesquisadora Patrícia Medici fotografa uma anta sendo liberada após a coleta de seus dados. Fazenda Baía das Pedras, Aquidauana, Mato Grosso do Sul. Foto: João Marcos Rosa | Nitro

Mulher na conservação

Quando questionada sobre o que é ser mulher na conservação, Patrícia responde que é conservacionista, independente do gênero. “Eu acho complicado, meio dúbio responder essa pergunta. Porque honestamente eu nunca enxerguei nenhuma grande diferença, eu nunca me senti uma mulher na conservação. Eu sou uma conservacionista. Poderia perfeitamente ser um homem. Muitas mulheres, não somente na conservação, mas em outras áreas, já passaram por dificuldades. Eu acredito que eu sou afortunada de nunca ter sentido essa diferença”, explica.

Ser afortunada, pode ter uma relação direta com a determinação e capacidade de ir e vir que Patrícia desenvolveu desde muito cedo. A influência da mãe foi é marcante neste sentido. “Minha mãe era uma guerreira, nos criou sozinha”, conta a pesquisadora.

Patrícia foi criada em um sítio no meio da Mata Atlântica. A família se cansou da cidade e isso foi determinante para que a sua relação com a natureza e os animais seja tão forte. Ela ia a pé para a escola até que a mãe decidiu que Patrícia poderia aprender a dirigir – aos 11 anos. “Então eu ia a pé para escola no meio do da serra do mar . Frio, calor chuva. Minha mãe resolveu que ia me ensinar a dirigir aos 11 anos . O  Jeep Willys ficava parado na garagem era a  solução para todos os problemas”, lembra ela.

Um longo caminho

Não é difícil imaginar que uma menina que aprendeu a dirigir aos 11 anos, criada por uma mulher forte em meio a natureza, iria se tornar uma conservacionista que assume a liderança de seus caminhos com naturalidade e uma certa precocidade. Patrícia está há muito tempo envolvida com a conservação. Foi uma das fundadoras do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas, quando ainda era estudante de Engenharia Florestal.

O IPÊ é uma das maiores ONGs ambientais do Brasil. O Instituto, que começou com o Projeto Mico-Leão-Preto, conta com mais de 80 profissionais trabalhando em mais de 30 projetos por ano, em locais como o Pontal do Paranapanema e Nazaré Paulista (SP), Baixo Rio Negro (AM), Pantanal e Cerrado (MS).

Todas as manhãs, em suas expedições pelo Pantanal, Patrícia sai para verificar se alguma anta foi capturada em suas armadilhas. A rotina é dura, mas a pesquisadora enfrenta com bom humor e muito profissionalismo. Fazenda Baía das Pedras, Aquidauana, Mato Grosso do Sul. Foto: João Marcos Rosa | Nitro

Na fundação, em 1992, Patrícia e outros pesquisadores, fizeram uma lista com os animais com os quais queriam trabalhar. O objetivo do grupo era se tornar uma organização referência na conservação de espécies. O sonho se tornou realidade e, daquela lista, surgiu o interesse pelas antas, espécie muito importante e pouco estudada até então.

“Comecei super novinha e com a responsabilidade muito grande de começar do zero, porque não havia nada sobre este bicho, nenhum outro projeto que já tivesse sido conduzido”, conta Patrícia. “Não sabíamos como capturar uma anta, que métodos usar… Enfim, tudo foi desenhado por nós desde o começo”.

O paraíso das antas

No fim de tarde, uma anta se alienta nos campos alagados do Pantanal. Herbívora, a anta é uma excelente dispersora de sementes e contribui de forma efetiva para a melhoria da qualidade ambiental das regiões onde habita. Fazenda Baía das Pedras, Aquidauana, Mato Grosso do Sul. Foto: João Marcos Rosa | Nitro

De lá para cá foram mais de 20 anos de muito trabalho em diversas regiões do Brasil. A anta está presente em grande parte do território nacional e em cada bioma a realidade da espécie é diferente, com ameaças e atores distintos. O que significa que as pesquisas acontecem em blocos, sendo ampliadas para novas regiões a cada etapa.

No Pantanal, onde Patrícia trabalha hoje, a anta encontra seu paraíso. Uma área conservada, onde o animal se reproduz bem, tem uma boa taxa de recolonização e uma população saudável, muito diferente do que foi visto no cerrado e na Mata Atlântica, locais onde Patrícia esteve antes. “Eu tenho certeza que as populações mais significativas deste bicho estão aqui. É um lugar que para mim funciona como um recarregador de baterias, um laboratório a céu aberto. Aqui podemos coletar algumas pecinhas do quebra cabeças de informações que a gente jamais poderá coletar em outro lugar”.

Inspirar pelo exemplo

Patrícia tenta mudar a visão difundida sobre a espécie que a associa com estupidez. Seu projeto lançou a hashtag #antaéelogio para mostrar as qualidades deste bicho que é um excelente bioindicador de qualidade dos locais onde habita. Fazenda Baía das Pedras, Aquidauana, Mato Grosso do Sul. Foto: João Marcos Rosa | Nitro

Patrícia se diz privilegiada em poder fazer o que ama em um ambiente que lhe faz bem. E é nesta posição que acredita que pode servir de exemplo para outras pessoas que também trabalham pela conservação. “Posso inspirar pelo exemplo. Eu sou uma profissional da conservação e decidi que para ser feliz nesse caminho profissional eu preciso estar no campo. Eu nunca vou conseguir ser feliz como conservacionista no escritório e numa sala de aula. Então eu acho que aqui no campo e fazendo o que eu sei fazer de melhor, que é a pesquisa in loco, que eu consigo ser esse exemplo”.

Entre as pessoas que Patrícia pode inspirar estão seus dois filhos, um menino de 11 anos e uma menina de 6. E, com a maternidade, ela encontra uma resposta diferente sobre o que é ser mulher na conservação. “Por outro lado sou mãe, sou esposa. Sou mulher e tem as particularidades de ser tudo isso e ainda fazer conservação. Dividir seu tempo para todas as frentes da sua vida. Então acho que é mais uma questão logística. Ser mulher na conservação é uma questão logística”, reflete.

O marido de Patrícia estuda tamanduás e o tatu canastra. Uma vez por ano, os dois sentam e organizam as agendas de congressos e saídas ao campo, para conseguirem se revezar e cuidar das crianças. Enquanto estávamos em campo com ela,  Arnaud estava em Campo Grande cuidando dos filhos.

“A partir do momento que você tem essas pessoinhas na sua vida, tem que saber organizar tudo muito melhor. E eu tinha decidido que a maternidade tinha que vir para mim com a participação dessas pessoinhas nessa vida de conservacionista. Para mim o sonho sempre passou por ter as crianças conosco, trazê-las ao campo e tudo isso. Então foi bem complicado de reorganizar. A gente tinha plena certeza de que seria muito mais fácil e não foi não”.

O trabalho e a consequente organização desta rotina de pesquisadora, mãe e mulher não param. O estudo sobre as antas é um projeto de longo prazo e até hoje Patrícia afirma que existem mistérios envolvendo a espécie, entre eles a organização social e a reprodução, fundamentais para traçar estratégias para a conservação.

Questionamentos e certezas

Patrícia conta que em muitos momentos se perguntou se estava registrando a extinção da espécie ou fazendo a diferença pela sua conservação. O período em que passou no cerrado, onde os animais estão sujeitos a atropelamentos e à caça, e muitas vezes eram encontrados doentes por conta de agrotóxicos e metais pesados fez este questionamento aflorar. Na época, ela deu uma palestra sobre o assunto que atraiu pesquisadores de fora do Brasil, como Emília, uma bióloga americana, filha de brasileira, que hoje acompanha Patrícia nos seus estudos.

A próxima etapa é estudar as antas na região amazônica. “A gente decidiu que não vai trabalhar na Amazônia protegida, não é lá que somos necessários. Lá é outra história. Nós somos necessários onde a bicharada está tomando paulada.”

Consciente da importância de sua presença, Patrícia segue em frente, ajudando a conservar a anta e a transformar – e preservar – os lugares por onde passa.

Uma pegada de anta em uma vazante do Pantanal. O caminho deste que é o maior mamífero terrestre brasileiro é árduo. A pressão sobre seu habitat é imensa e os desafios para sua conservação exigem cada dia mais engajamento e dedicação de pesquisadores como Patrícia e sua equipe.

Para saber mais sobre o trabalho de Patricia e sua história na conservação, acesse a reportagem de Paulina Chamorro para o projeto Mulheres na Conservação na National Geographic e ouça o podcast.

Confira também o episódio da web série Mulheres na Conservação, da Fundação Toyota do Brasil, com Patrícia Medici.

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