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Mulheres na conservação: Karen Strier

Um dos nomes mais importantes da primatologia no mundo, a antropóloga trabalha para entender e proteger os muriquis no Brasil

Published 12/03/2020
karen strier

Por Natasha Olsen e Paulina Chamorro

Karen Strier foi orientada pelo pai a encontrar o que queria fazer e ir atrás do seu sonho. “Mas quando eu falei o que eu queria fazer, ele se assustou um pouquinho”, conta ela rindo. “Ele nunca imaginou que eu iria querer viver no meio da mata seguindo macacos”.

A escolha foi surpreendente para a família e decisiva para a manutenção da espécie de um dos primatas mais raros do mundo. Karen é americana, doutora em antropologia pela Universidade de Harvard, professora na Universidade de Wisconsin e presidente da Sociedade Internacional de Primatologia.

Um dos nomes mais importantes da primatologia mundial vem ao Brasil todos os anos para coordenar e orientar bolsistas do projeto Muriquis de Caratinga, no Vale do Rio Doce, interior de Minas Gerais.

São 38 anos de pesquisa sobre o muriqui-do-norte, espécie ameaçada de extinção e meticulosamente estudada por Karen e pela equipe do projeto que ela criou.

Inspirada por um documentário, Karen decidiu vir ao Brasil conhecer de perto os muriquis. Com financiamento da universidade de Harvard chegou em 1983 na Fazenda Montes Claros e passou 14 meses visitando a mata e estudando os primatas diariamente. Desenvolveu metodologia própria para reconhecimento dos macacos, observação e análise dos seus hábitos e condição. O que se sabe sobre a espécie hoje, foi revelado por ela.

Em entrevista à National Geographic, o primatólogo Russell Mittermeier afirma que este é o estudo sobre primata em área neotropical mais antigo e que está entre os mais importantes do mundo. “Não há ninguém no mundo que fez tanto para treinar pessoas em um país tropical no estudo de um primata tão importante. Karen merece todo reconhecimento. Ela fez muito para o desenvolvimento da ciência e da primatologia neste país”, afirma Russell, que é responsável pelo documentário que inspirou Karen a começar o seu trabalho.

Paulina Chamorro acompanhou Karen no seu trabalho com as bolsistas do projeto Muriquis de Caratinga e conversou com a antropóloga sobre o trabalho de conservação desta espécie, atuação que influencia cientistas no Brasil e no mundo.

Em uma parada na entrada de uma trilha, Karen se comunica com as
pesquisadoras que estão monitorando os grupos de muriquis para saber
a que distância elas estão daquele ponto. Foto: JOAO MARCOS ROSA / NITRO

Confira os principais trechos da entrevista

O que é ser mulher na conservação?

Para mim representa ser uma pessoas interessada e apaixonada pela natureza. A preservação natureza e da beleza do mundo, somos nós que vamos fazer.

Quais foram os principais desafios, se passou, sendo uma mulher nessa áreas?

Quando comecei eram poucas mulheres neste meio. Mas eu tive muito apoio, fui muito apoiada pela maioria dos homens. Eles estavam à minha frente, no sentido de que eles abriram as portas para mim. Eu tinha a impressão de que as pessoas abriram as portas para quem queria avançar, e eu fui atrás!

Como você se vê inspirando novas gerações de pesquisadoras, de estudantes?

Eu gosto de pensar que eu consigo fazer isso de uma forma ou de outra, pelo treinamento, pela produção científica, por minhas palavras. Porque é fascinante o que a gente está fazendo com os muriquis. Eu  mostro que é possível: se tiver interesse , se tiver paixão, você consegue seguir seus  sonhos.

Karen acompanha as pesquisadoras do projeto Camila Barrios e Isabela Moreira em seu monitoramento para observação dos Muriquis. Foto: JOÃO MARCOS ROSA | NITRO

Como foi a sua infância? Até que ponto  ela foi determinante para suas escolhas?

Não venho de uma família com muita experiência e conhecimento da natureza. Mas meu pai sempre me falava que eu precisava achar uma algo que quisesse fazer e ir atrás disso. Só que quando eu contei o que queria fazer ele assustou um pouco. Porque ele nunca imaginaria que que queria morar no meio da mata e estudar macacos. Mas ele ficou contente e orgulhoso quando eu comecei.

Então seu pai foi seu principal incentivador?

Meu pai também é cientista, trabalha com laboratório de química. Ele entendeu a minha vida na academia, na ciência, meus desafios para ser uma professora jovem. E a minha mãe facilitou as coisas. Quando dizia que eu não poderia fazer algo, minha mãe me falava:vai! Então tive a ajuda dos dois.  

Qual foi a reação quando você disse que viria a uma floresta tropical para ver macacos?

Eu já tinha ido, com 19 anos, para um estagio no Quênia, num projeto com babuínos. Quando disse para os meus pais que iria para o Quênia estudar babuínos e eles ficaram chocados. Mas eu voltei e eles viram que estava fazendo bem para mim, voltei com paixão por isso. E aí fui fazer pós doutorado no Brasil.

Quando entrei na mata pela primeira vez, era totalmente diferente do estudo dos babuínos, que era na savana. Você via tudo de longe, aberto. E na mata era tudo apertado, tudo junto, tem sombras , barulhos e um pouco de suspense. Eu lembro que respirei e eu senti  aquela energia da vida! E logo depois eu vi o muriqui – foi paixão no primeiro instante. Aconteceu uma coisa no meu corpo completo. Uma coisa fisiológica.  Como se todas as coisas na minha vida ficassem alinhadas.

Foto: JOÃO MARCOS ROSA | NITRO

Você ficou 14 meses, praticamente o tempo todo na mata. É muito tempo sozinha, todo dia. O que a solidão  na mata te ensinou?

Para mim foi muito mais tranquilo estar na mata com os muriquis do que com pessoas que eu não podia conversar, por causa das inibições da língua. Eu podia me concentrar. Tive que aprender como chegar perto, como me comportar na presença dos muriquis. Tudo o que estava vendo era novo. Pude ver que os muriquis são absolutamente diferentes.

Estava aberta para essas possibilidades. Com a cabeça aberta, mas com conhecimento. Então comecei a entender o mistério do muriqui.

Karen observa um muriqui que estava se alimentando. Foto: JOÃO MARCOS ROSA | NITRO

E depois destes 14 meses de estudo você voltou ao Brasil?

Consegui o financiamento para voltar para fazer uma visita, e foi nessa volta, em 1985 que eu pude ver que os muriquis tinham tido filhotes na minha ausência. Comecei a ver possibilidades de continuidade do projeto. Por coincidência, estava na casa vazia e ouvi um carro chegando a noite. Era um  estudante da USP, que eu não conhecia. Combinei de ensiná-lo a reconhecer os muriquis pelo visual.

Quando ele foi embora, treinamos outras pessoas, e quando elas foram embora, outras pessoas. E isso segue até hoje.

Vocês usam um método de observação de longo prazo e não invasivo. Por que?

Eu sempre coloquei o bem estar dos animais à frente dos meus objetivos científicos. Então desenvolvemos pesquisas que utilizavam métodos sem nenhum contato humano com os animais. Fizemos isso através das fezes. Usando as técnicas de laboratório se extrai informações sobre hormônios, genética. Descobrimos muito sobre o muriqui e a biologia deles com esse método não invasivo. Eu pude compatibilizar meu interesse na conservação e no bem estar no muriquis.

Com 1,5 metro de comprimento, o muriqui é considerado o maior macaco das Américas
Foto: JOÃO MARCOS ROSA | NITRO

O que é a sociedade do muriqui?

O muriqui é uma espécie criticamente ameaçada de extinção, um primata muito diferente dos outros, por conta de seu comportamento pacifico e por viver em uma sociedade onde os machos e as fêmeas são iguais. Acho que isso é um modelo para nós. Podemos usar os muriquis como inspiração. 

A primeira coisa que você vê nos muriquis é que, diferente de outros primatas, a sociedade que não tem brigas. São pacíficos.  Os machos não disputam com as fêmeas, as fêmeas não disputam entre si. Eles evitam conflito e usam comportamentos afetivos, como os abraços, como toques, como as vocalizações, para se manterem unidos.

Eu não sei se isso é algo que também me atraiu nos muriquis, mas eu acho que eles tem um outro modelo da vida.

Uma das principais peculiaridades dos muriquis são suas relaçõe sociais baseadas na cooperação. Eles raramente apresentam comportamento agressivo e é comum vê-los mantendo contato físico e abraçando-se uns aos outros. Foto: JOÃO MARCOS ROSA | NITRO

Falando da rede que se construiu há 37 anos com o projeto, como é essa rede de relações?

Eu cheguei no Brasil bem nova, e fui tão bem recebida, as pessoas me abraçaram, me ajudaram muito. Mas eu percebi que vindo dos EUA eu tinha mais acesso aos recursos, a bibliografia. Então eu pensei em dar um retorno e aí comecei o projeto com a ideia de treinar as pessoas, passar informações e envolver mais gente. Já treinamos 75 pessoas, 52% são mulheres.

Quanto mais pessoas envolver, melhor. Os dados que nós estamos acumulando são super interessantes, fundamentais. Mas ficam mais interessantes ainda se pudermos comparar.

As pesquisas de campo de longa duração vêm fornecendo subsídios preciosos para
a conservação dos muriquis-do-norte. Desde 1984 a Dra. Karen Strier coordena o
Projeto Muriquis de Caratinga, monitorando e estudando os grupos da RPPN Feliciano
Miguel Abdala em Caratinga, MG. Imagens: JOÃO MARCOS ROSA | NITRO

O orientador do meu doutorado sempre dizia uma coisa que ficou na minha cabeça. Ele gostava de estar cercado por alunos que são melhores do que ele. Tenho muito orgulho de ainda estudar os muriquis com estas pessoas me ajudando e colaborando comigo.

Todos nós temos a responsabilidade de  fazer alguma coisa agora, porque não podemos  esperara mais e isso me incentiva a continuar o que estou fazendo, tentando distribuir, tentando incluir mais pessoas, mais projetos e estamos conseguindo melhorar muitas coisas.

O que os muriquis deixam para gente?

Eu acho que os muriquis deixam alguma respostas. Algumas inspirações: é possível sobreviver numa comunidade sem brigas, sem guerras, sem hierarquia, sem agressão. É possível dividir  os recursos sem competição, é possível que as fêmeas tenham igualdade com os machos.

Para saber mais sobre o trabalho de Karen e sua história na conservação, acesse a reportagem de Paulina Chamorro para o projeto Mulheres na Conservação na National Geographic e ouça o podcast.

Confira também o episódio da web série Mulheres na Conservação, da Fundação Toyota do Brasil, com Karen Strier.

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