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Gigantes da mineração seguem ameaçando Terras Indígenas

Relatório desmente grandes mineradoras que declaram que abandonariam projetos em Terras Indígenas

Published 24/02/2022
mundukuru garimpo

Garimpo ilegal na Terra Indígena Munduruku, município de Jacareacanga. Foto: Marizilda Cruppe | Amazônia Real

O relatório Cumplicidade na Destruição IV – Como mineradoras e investidores internacionais contribuem para a violação dos direitos indígenas e ameaçam o futuro da Amazônia, lançado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e a organização Amazon Watch, mostra que milhares de requerimentos minerários com interferências em Terras Indígenas seguem ativos na base de dados da Agência Nacional de Mineração (ANM).

Estes dados desmentem os anúncios recentes de grandes mineradoras de que teriam abandonado seus interesses em territórios indígenas e mostra que a abertura destes territórios para a mineração e o garimpo seguem como agenda do governo Bolsonaro. 

Garimpo ilegal de ouro em Mato Grosso. | Foto: SEMA – MT

As duas organizações mapeiam os interesses das grandes mineradoras em terras indígenas desde 2020 e garantem que, mesmo após declarações públicas de gigantes como a Vale e a Anglo American de que abriram mão dos seus pedidos para pesquisa e exploração mineral nesses territórios, muitos dos seus requerimentos seguem ativos no sistema da ANM – em alguns casos, até aumentaram.

O documento foca nos interesses minerários em terras indígenas de nove mineradoras: Vale, Anglo American, Belo Sun, Potássio do Brasil, Mineração Taboca/Mamoré Mineração e Metalúrgica (ambas do Grupo Minsur), Glencore, AngloGold Ashanti e Rio Tinto.

Juntas, elas possuíam em novembro de 2021 um total 225 requerimentos minerários ativos com sobreposição em 34 Terras Indígenas – uma área que corresponde a 5,7 mil quilômetros quadrados – ou mais de três vezes a cidade de Brasília ou de Londres.

Foto: Marina Oliveira | CIMI

Com o avanço no Congresso dos projetos de lei como o PL 191/2020 e o PL 490/2007, os requerimentos apontados no relatório podem garantir às mineradoras prioridade na exploração em Terras Indígenas.

“Enquanto os Povos Indígenas lutam para garantir o direito à vida, tanto em nossos territórios quanto em todo o planeta, o governo brasileiro e as empresas da mineração tentam avançar um projeto de morte. Não é possível seguirmos convivendo com atividades que obrigam os povos indígenas a chorar o assassinato cotidiano de seus parentes, ou a testemunhar a destruição de biomas dos quais são os guardiões para avançar um projeto que não gera desenvolvimento real, e sim destruição e lucros nas mãos de poucos”, afirma Sonia Guajajara, da coordenação executiva da Apib.

As terras indígenas mais afetadas por esses pedidos são a TI Xikrin do Cateté (PA) e a TI Waimiri Atroari (AM), ambas com 34 requerimentos cada, seguidas pela TI Sawré Muybu (PA), com 21. A etnia mais impactada por estes pedidos de mineração é a Kayapó (PA), com 73 requerimentos.

O Pará é o estado com a maior concentração de pedidos, que duplicaram entre julho e novembro de 2021. Os dados foram obtidos a partir de uma parceria com o projeto Amazônia Minada, do portal InfoAmazonia, que resultou em um painel interativo – lançado junto com o relatório – que permite pesquisa em tempo real na base de dados da ANM.

Plataforma para visualizar requerimentos

Além de participar da elaboração do Relatório Cumplicidade na Destruição IV – Como mineradoras e investidores internacionais contribuem para a violação dos direitos indígenas e ameaçam o futuro da Amazônia, a Amazon Watch, juntamente com a InfoAmazonia com a lançou uma plataforma onde é possível visualizar todos os requerimentos de mineração dentro de terras indígenas e áreas protegidas.

Para ver conferir informações osbre os requerimentos, as etnias ameaçadas e quais as empresas envolvidas, acesse https://minada.infoamazonia.org/.

Violação de direitos

Cumplicidade na Destruição IV detalha ainda, em estudos de caso, os impactos e as violações de direitos protagonizados por cinco dessas mineradoras – Vale, Anglo American, Belo Sun, Potássio do Brasil e Mineração Taboca.

Foto: Victor Moriyama | ISA

Com apoio do Observatório da Mineração, foram resgatadas as trajetórias desses conflitos e seus desdobramentos atuais, que vão desde a invasão de territórios tradicionais à contaminação por metais pesados e o desrespeito ao direito de consulta e consentimento livres, prévios e informados.

O relatório mostra, com testemunhos das comunidades afetadas que desafiam as declarações oficiais das empresas sobre sua atuação, como a presença e a atuação dessas corporações desfigura para sempre a vida desses povos e comunidades e podem contribuir efetivamente para a destruição dos ecossistemas e para o aprofundamento das mudanças climáticas.

“Mais do que nunca, precisamos comprometer além do governo brasileiro, as empresas do setor, seus investidores e a comunidade internacional para impedir o aprofundamento da destruição da Amazônia e dos ataques aos direitos dos povos indígenas”, afirma Ana Paula Vargas, diretora de Programas para o Brasil da Amazon Watch.

Quem financia as mineradoras?

Foto: Pixabay

As mineradoras e projetos que colaboram para a destruição da Amazônia receberam um total de USD 54,1 bilhões em financiamento do Brasil e do exterior.

Segundo o relatório, corporações sediadas nos Estados Unidos continuam entre as principais financiadoras. Juntas, as gestoras Capital Group, a BlackRock e a Vanguard investiram USD 14,8 bilhões nas mineradoras com interesses em terras indígenas e histórico de violações de direitos.

Destaca-se também a participação de instituições brasileiras no financiamento da grande mineração: o fundo de pensão brasileiro Previ (Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil) é o responsável pelos mais altos investimentos nestas mineradoras, com mais de USD 7,4 bilhões, seguido pelo banco Bradesco, com quase USD 4,4 bilhões e a Caixa Econômica Federal, com USD 786 milhões. A empresa que mais recebeu investimentos e empréstimos nesse período foi a Vale, com USD 35,8 bilhões.

Os dados, obtidos com apoio da instituição holandesa Profundo Research and Advice, mostram também o grande interesse do Canadá em financiar a mineração no Brasil. O Royal Bank of Canada, maior banco privado do país, injetou USD 512 milhões nas mineradoras, e é o principal investidor institucional do Projeto Volta Grande, de mineração de ouro, da empresa Belo Sun, considerado socialmente e ecologicamente inviável.

“Esses bancos e fundos de investimentos ainda consideram que investir em mineração é um bom negócio, ignorando o extenso histórico de violações e impactos provocados por esse setor”, afirma Rosana Miranda, assessora de campanhas da Amazon Watch.

Para acessar ao relatório na íntegra, aos vídeos e ao painel do Amazônia Minada, acesse: www.cumplicidadedestruicao.org.

Posicionamento das mineradoras

Em nota enviada à imprensa, a AngloGold Ashanti informou que não opera e não tem interesse em operar em Terras Indígenas. Segue texto do comunicado: “Na década de 1990, a produtora de ouro solicitou requerimentos de pesquisa mineral em diversas regiões no país. Três dessas áreas posteriormente foram demarcadas como Terras Indígenas (TIs), o que levou a companhia a desistir das mesmas. A decisão foi protocolada junto à Agência Nacional de Mineração (ANM) no final da década de 90. No entanto, como não houve atualização do processo no sistema da ANM, a AngloGold Ashanti ratificou a retirada do requerimento de pesquisa em 21 de junho de 2021. Atualmente, os investimentos da empresa no Brasil estão concentrados basicamente na expansão de suas minas localizadas em Minas Gerais e Goiás.”

A Taboca também enviou um comunicado à imprensa em que afirma: “A Mineração Taboca não opera nem possui planos de operar em reservas indígenas ou biológicas. A empresa reitera que não apresentou qualquer solicitação de direitos minerários da região amazônica desde 2008, quando foi adquirida pela Minsur. Pelo contrário, em 2019, a Taboca renunciou a todas as concessões em áreas protegidas que foram herdadas do proprietário anterior e jamais foram utilizadas (a maioria datada dos anos de 1980). Para deixar ainda mais clara a renúncia a tais pedidos, a companhia protocolou junto à Agência Nacional de Mineração (ANM) e ao Ministério Público Federal um ofício ratificando a retirada de sobreposição de direitos relativos a Territórios Indígenas. Também solicitou que a agência emita uma declaração oficial de que a Mineração Taboca não atua nem tem pedidos para atuar em Territórios Indígenas”.

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