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Código Florestal brasileiro completa 10 anos

Em uma década, apenas 7% dos imóveis cadastrados começaram a ser analisados e 0,4% tiveram a análise finalizada

Published 25/05/2022
rios da Mata Atlântica

Foto: Domínio Público

Neste dia 25 de maio, o Código Florestal brasileiro completa 10 anos da sua promulgação. Considerado a principal política pública nacional para a proteção da vegetação nativa em propriedades privadas, o Código Florestal é uma lei que trata de conservação, de controle do desmatamento e queimadas, que prevê a restauração de áreas degradadas, trata de incentivos e instrumentos econômicos, regulamenta a exploração florestal e promove sistemas agroflorestais. Além disso, estabelece mecanismos de monitoramento e gestão ambiental dos imóveis rurais.

Apesar do aniversário de 10 anos do Código, a legislação florestal já existe no Brasil há mais tempo. O primeiro Código Florestal foi editado em 1934, modernizado em 1965 e revisado em 2012. Dois instrumentos de conservação em áreas privadas no Brasil foram mantidos na revisão: as Áreas de Preservação Permanente, que incluem faixas de vegetação ao longo de cursos d’água e áreas no entorno de nascentes; e a Reserva Legal, percentual da área total de um imóvel rural (varia entre 20% e 80%) na qual é obrigatório manter a cobertura de vegetação nativa.

No entanto, após uma década de existência, a implementação do Código Florestal ainda está incompleta, com grandes diferenças entre os estados do Brasil. A falta de análise dos cadastros de imóveis no Sistema de Cadastro Ambiental Rural (Sicar) é um dos grandes problemas para que o Código seja efetivamente respeitado.

Área de cerrado desmatada para plantio no município de Alto Paraíso. Foto: Marcelo Camargo | Agência Brasil

Uma análise do Centro de Sensoriamento Remoto da UFMG, revelou que apenas 7% dos cadastros realizados no Sicar já́ começaram a ser analisados. Atualmente, existem aproximadamente 6 milhões de imóveis cadastrados. Para que um imóvel faça parte do Programa de Regularização Ambiental (PRA), ele precisa estar inscrito no Sicar.

A primeira fase para a inscrição é o cadastramento. Depois disso, é feita uma análise manual. Com o fim da análise, o imóvel entra no PRA e só então começa o monitoramento propriamente dito. Mas apenas 0,4% dos cadastros tiveram a sua análise feita com sucesso, o equivalente a 29 mil imóveis.

Segundo o levantamento realizado com base nos dados baixados do Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural do MAPA, 92% aguardam análise e pré-validação, enquanto 7% estão sendo analisados ou têm pendências. Esta situação é grave porque os produtores esperam essa ação do poder público para dar início às ações de implantação da lei, como a restauração, a regeneração natural ou a compensação de Reserva Legal.

Segundo o professor Raoni Rajão, um dos autores do levantamento “Da inscrição à validação do CAR: onde chegamos e para onde vamos”, essa situação é inaceitável, como também são inaceitáveis as diferenças entre os prazos de implementação nos estados. “Existe uma diferença grande entre os estados que avançaram e os que estão mais atrasados com relação a seus dados e isso já́ mostra que o sistema funciona de forma extremamente irregular”, afirma Raoni Rajão.

Foto: James Martins | Panoramio (CC30)

Plataforma de monitoramento

O Climate Policy Initiative/ Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (CPI/PUC-Rio), lançou uma plataforma que reúne todas as pesquisas e informações sobre a implementação do Código Florestal em todos os estados brasileiros.

Na plataforma é possível conferir quantos imóveis foram inscritos no Cadastro Ambiental Rural (CAR), registro público eletrônico de âmbito nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, quantos cadastros já foram analisados e validados, quantos produtores rurais já aderiram ao Programa de Regularização Ambiental (PRA), programa que permite aos produtores rurais a regularização ambiental da sua propriedade, e quantos hectares estão sendo restaurados de Áreas de Preservação Permanente (APP) e Reserva Legal. Também está disponível um suplemento com toda a legislação aplicável.

Em uma década de existência, o regime jurídico de proteção florestal já foi objeto de quatro ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs), ações que tramitaram por quase seis anos no Supremo Tribunal Federal (STF) e enquanto a suprema corte não decida definitivamente o destino da lei, sua implementação mal saiu do papel.

Há também diversos projetos de lei (PLs) em tramitação no Congresso Nacional que pretendem alterar as regras do Código Florestal. Por isso, o CPI acompanhou e acompanha esses processos, editou e analisou uma série de publicações que mostram o desenrolar dos julgamentos e dos projetos.

Cadastros irregulares em Terras Indígenas

Milhares de hectares em Terras Indígenas vêm sendo objeto de inscrição irregular no Cadastro Ambiental Rural (CAR), promovendo danos ambientais e conflitos fundiários. O cancelamento destes cadastros é uma questão de ordem fundiária, social e ambiental e deve ser tratada de modo prioritário e urgente.

Neste cenário, a plataforma do CPI traz um resumo para política pública sobre o cancelamento de CARs sobrepostos à Terras Indígenas e como essas políticas estão sendo colocadas em prática. Neste trabalho, está uma análise detalhada da regulamentação federal e a identificação de lacunas jurídicas, além de propostas para uma melhor regulamentação do tema.

Divisa entre o Território Indígena do Xingu e o entorno mostra o contraste entre a floresta e a plantação. Foto: Manoela Meyer | ISA

Onde estamos?

O CPI também conta hoje com o lançamento do Barômetro do Código Florestal no legislativo – plataforma que mede a pressão do Congresso Nacional para mudar o Código. A organização já acompanha o movimento parlamentar há anos e tem várias notas técnicas com análises de PLs em tramitação ou que já tramitaram.

Além do mais, na plataforma lançada nesta quarta-feira pelo CPI é possível acessar todas as publicações do projeto Onde Estamos, que responde como está a implementação da lei em todos os estados brasileiros. Nesse projeto, são identificados, ano a ano, os avanços alcançados, os principais desafios, as semelhanças e diferenças entre os estados.

Implementação irregular e insegurança jurídica

Roberta del Giudice, do Observatório do Código Florestal (OCF), lembra que enquanto alguns estados já́ iniciaram a assinatura de termos de compromisso para a implantação dos Programas de Regularização Ambiental (PRAs), como o Acre e o Mato Grosso do Sul, outros estados nem mesmo regulamentaram seus PRAs, como Alagoas e Sergipe.

“Essa diferença entre estados, aliada ao atraso na análise dos dados e na efetiva implantação da Lei, reforça não só́ a diferença social e econômica entre as regiões do país, como também a capacidade do Brasil de orientar a implementação de uma política pública de forma democrática entre os estados”, explica Roberta del Giudice.

O surgimento de soluções fáceis, sem as bases de dados necessárias para a análise real da situação, revela um retrato infiel das condições de preservação desses imóveis, bem como a insegurança jurídica dos proprietários e posseiros rurais, além de ter implicações na efetiva implementação da lei. Rajão defende a importância de buscar formas para acelerar esses processos, como as propostas de inovação provindas do estudo ValidaCAR, pelo Observatório do Código Florestal, que deu origem à iniciativa CAR 2.0, já́ em implementação pelos governos do Pará e de Minas Gerais.

O CAR 2.0 combina robôs com uma base de imagens de satélites de alta resolução para analisar de forma 100% automática os cadastros enviados pelos produtores. Com a análise automática, a abordagem proposta evita exigir a correção dos dados cartográficos declarados pelos produtores nos imóveis, cujos dados já́ indicam a ausência de déficits.

Para os demais cadastros, com déficits ambientais ou sobreposições e em territórios quilombolas e outras áreas sensíveis, o CAR 2.0 propõe uma análise manual criteriosa priorizada com base em critérios ambientais, sociais e econômicos. “Esses processos economizam recursos humanos, destinando-os ao que realmente importa: dar atenção aos imóveis que precisam de monitoramento para cumprirem a lei”.

A análise dos cadastros pode priorizar o maior impacto ambiental, a partir da verificação de dados dos imóveis localizados em grandes áreas degradadas. A implantação da lei nessas regiões estimulará uma nova economia baseada na restauração, produção de mudas, sementes, gerando renda e estocando carbono.

Foto: Equilíbrio Florestal e Suzano

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