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Amsterdam é a 1ª cidade do mundo a adotar Economia Donut

Modelo econômico é uma alternativa ao “crescimento a qualquer custo” e inclui limites ambientais nas decisões

Published 16/04/2020
economia donut amsterdam

Amsterdam, como muitas cidades do mundo, está lutando para manter sua população a salvo durante a pandemia provocada pelo covid-19. Ao mesmo tempo em que adotam medidas para salvar a vida das pessoas que vivem por lá, as autoridades municipais da capital da Holanda estão trabalhando, em conjunto com a economista britânica Kate Raworth, para encontrar soluções que ajudem a economia local a se reerguer.

A novidade no caso de Amsterdam é o modelo proposto para a reconstrução econômica. A cidade vai adotar a Economia Donut, uma mudança de paradigma criada por Kate, que propõe uma alternativa ao crescimento econômico a qualquer custo, sistema que desconsidera os limites ambientais, entre outros fatores.

Foto: Pixabay

Kate Raworth, do Instituto de Mudanças Ambientais da Universidade de Oxford, propõe um sistema no qual as necessidades de todos serão atendidas sem esgotar os recursos do planeta, um contraponto possível ao crescimento ilimitado a qualquer custo.

A economista analisou sete pontos críticos da economia atual e ilustrou sua proposta de equilíbrio com um gráfico cuja forma se assemelha a uma rosquinha, de onde surgiu a denominação Economia Donut.

O modelo criado por Kate pode ser adotado por cidades, países, empresas e pessoas que acreditam em um desenvolvimento com equilíbrio. Um livro apresentando esta proposta foi lançado em 2017 e está disponível no Brasil, pela Editora Zahar.  

Entenda o modelo Donut

No anel interno da Economia Donut estão os conceito do mínimo necessário para que tenhamos uma boa vida. Esta ideia está alinhada com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU e envolve desde alimentos e água potável até níveis satisfatórios de habitação, educação, saúde, equidade de gêneros, saneamento, energia, renda e participação política.

As pessoas que não têm o mínimo necessário para viver bem, dentro destes critérios, estão vivendo no buraco central da rosca, segundo o modelo proposto por Kate.

O anel externo do gráfico, representa os limites ecológicos, estabelecidos por cientistas e pesquisadores. Ele destaca as fronteiras que a humanidade precisa respeitar para evitar mudanças climáticas, garantir a conservação dos solos e dos oceanos, da camada de ozônio, da biodiversidade e acesso à agua potável.

Entre estes dois anéis do gráfico está o equilíbrio – é nesta área que encontramos o que pode satisfazer as necessidades humanas, sem comprometer o equilíbrio do planeta.

Imagem: Divulgação | Editora Zahar

Compromisso público

No dia 15 de setembro, a prefeitura de Amsterdam assumiu publicamente o compromisso de basear suas políticas públicas no modelo proposto por Kate. É a primeira vez na história que uma cidade adota a Economia Donut.

“Acredito que este modelo vai nos ajudar a supercar os efeitos desta crise”, explica a prefeita de Amsterdam Marieke van Doorninck. Ela e Kate deram uma entrevista ao jornal The Guardian por Skype antes de comunicar publicamente esta importante decisão. “Pode parecer estranho que neste momento delicado esteja falando sobre o que vai acontecer depois, mas este é o meu papel como governante. Isso vai nos ajudar a não voltar a padrões anteriores”.

“Quando precisamos nos preocupar com o clima, com a saúde, com empregos, cuidados com a habitação e com as comunidades, existe um modelo que pode nos ajudar a lidar com tudo isso amo mesmo tempo. E este modelo está pronto para ser colocado em prática, explicou Kate.

Simplicidade

A ideia central da Economia Donut é simples: as metas economicas precisam atender as necessidades humanas dentro de um limite que seja aceitável para o planeta e o gráfico “rosca” é uma ferramenta para mostrar o que isso significa na prática.

Raworth aplicou seu modelo à Amsterdam, entregando um retrato de Amsterdam onde aponta quais necessidades básicas não estão sendo atendidas e onde os limites ecológicos estão sendo desrespeitados, mostrando como estas duas realidades estão interligadas. Para a prefeita, o modelo é muito mais do que “uma visão hippie de mundo”.

Imagem: Amanda Monteiro | Divulgação

Um novo olhar para antigos problemas

Amsterdam está com um problema habitacional: os recursos de quase 20% da população estão comprometidos com o pagamento de aluguel, e apenas 12% das 12% das solicitações de habitação popular, de um total de 60 mil, podem ser atendidas.

Uma das soluções seria construir mais habitações populares, mas no caso de Amsterdam, os limites ecológicos mostram que as emissões de dióxido de carbono da cidade estão 31% acima dos níveis de 1990. Então, é preciso encontrar soluções que atendam a necessidade por habitação, mas que não comprometam o meio ambiente.

Enquanto a prefeitura trabalha para regulamentar o uso de materiais reciclados e de base natural, como madeira, nas construções da cidade, o modelo donut apontam para uma visão mais ampla. “O alto preço das casas não está relacionado apenas ao fato de que poucas estão disponíveis. Existe muito dinheiro circulando e os imóveis passaram a ser vistos como um investimento, o que faz com que os preços subam”, explica a prefeita.

“Este gráfico não nos dá as respostas prontas, mas nos mostra uma nova maneira de olhar para nossos problemas e com isso nos afastamos de estruturas e pensamentos recorrentes”.

Africa e Europa no mesmo gráfico

Outra situação em que a Economia Donut pode ser aplicada envolve o Porto da Amsterdam, que importa enormes quantidades de cacau vindas do Oeste da África, uma região onde a exploração da mão de obra é bastante comum.

Empresas privadas podem aplicar políticas próprias e rejeitar produtos de certos fornecedores assumindo os riscos econômicos, mas no caso de um órgão público, esta decisão envolve valores que são usados para benefícios sociais de quase 1/5 das famílias da cidade.

Ao mesmo tempo em que alternativas para diminuir o uso de combustíveis fósseis no Porto de Amsterdam estão sendo estudadas, é necessário debater de outras questões, como o trabalho infantil, por exemplo. Para Marieke, o novo modelo abriu espaço para discussões sobre a origem e modo de produção dos produtos que passam ou que são armazenados no porto da cidade.

“Quem poderia imaginar que no gráfico de análise da cidade de Amsterdam estariam questões sobre direitos humanos e trabalhistas do Oeste da África? E isso mostra o valor deste modelo”, adiciona Raworth.

Envolvimento nacional e internacional

Kate e Marieke reconhecem a necessidade de se envolver governos nacionais e instituições internacionais neste processo. Antes da quarentena, a economista esteve reunida com um comitê de autoridades europeias em Bruxelas, na Bélgica, que declaram interesse na Economia Donut.

“O mundo está experimentando uma série de acontecimentos e surpresas. O impacto está fazendo com que mais pessoas se afastem da ideia de que crescimento econômico é sinônimo de desenvolvimento”, afirma Raworth.

“Desenvolvimento significa que o nosso bem estar está baseado no equilíbrio. Entendemos isso quando falamos do nosso corpo e experiência pessoal. Neste momento podemos conectar a nossa saúde pessoal com a saúde do planeta”, avalia a economista.

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