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Pesquisa de ecólogo brasileiro muda abordagem sobre biodiversidade

Estudo da UFMG reforça o papel de regimes de seca sobre padrões de biodiversidade e propõe adaptações às mudanças climáticas

Published 14/09/2021
estudo biodiversidade

Danilo Neves coleta material na Floresta Nacional de Caxiuanã, no Pará Foto: Acervo do pesquisador

Um estudo coordenado pela UFMG, em parceria com a Universidade do Arizona, nos EUA, trouxe resultados que mudam a compreensão sobre os padrões de biodiversidade no mundo.

A pesquisa revela que os regimes de seca têm influência fundamental sobre a diversidade da vida na Terra. Diferente do que outros cientistas pensavam, as variações de temperatura não têm papel prevalente.

“O que encontramos muda nossa percepção sobre os impactos que a biodiversidade pode sofrer em cenários de mudanças climáticas globais”, afirma o professor Danilo Neves, do Departamento de Botânica do ICB-UFMG.

Os pesquisadores testaram hipóteses sobre os mecanismos que criaram os padrões de biodiversidade em escalas continentais, usando abordagens macroecológicas. Os resultados estão no artigo The adaptative challenge of extreme conditions shapes evolutionary diversity of plants assemblages at continental scales, publicado pela PNAS, a segunda revista científica mais citada do mundo.

Segundo Danilo, o estudo vem produzindo um banco de dados sem precedentes sobre a composição de espécies nos diversos ecossistemas terrestres das Américas. 

Árvores de mungubeira – Pseudobombax munguba (Malvaceae) | Foto: Bruno Garcia Luize

“Partimos de um banco de dados preliminar sobre a diversidade de plantas em florestas de terras não inundáveis na Amazônia. Nesse novo esforço, focamos na inclusão de espécies encontradas em vegetações pouco estudadas, como as várzeas [florestas inundáveis] e as campinaranas [florestas sobre solos arenosos]”, explica o professor, acrescentando que o novo conjunto de dados será base de futuros estudos sobre a ecologia de biomas tropicais.

A primeira etapa do trabalho destinou-se a enriquecer o conjunto de dados sobre a região da Amazônia, a maior lacuna no que se refere a informações sobre a biodiversidade em ambientes terrestres.

Outra parte do estudo é parte de um projeto de pesquisa financiado pelo Instituto Serrapilheira que compilou informações sobre árvores filogenéticas (filogenias) que representam as relações de parentesco (evolutivas) da maioria das linhagens de plantas terrestres.

Conservadorismo tropical

A hipótese do conservadorismo tropical defende que há milhões de anos, os principais grupos de animais e plantas se originaram em regiões tropicais, há milhões de anos, sendo também a origem da biodiversidade em ambientes temperados.

A maior variedade de espécies em regiões tropicais se explicaria, portanto, pelo maior tempo que as linhagens tiveram para se diversificar. O que vale para o menor tempo e diversificação de espécies em regiões temperadas.

Danilo explica que a hipótese do conservadorismo tropical propõe ainda que a colonização de ambientes temperados envolveu poucos grupos de animais e plantas. Essa raridade evolutiva na colonização de novos ambientes é conhecida na literatura científica como conservadorismo filogenético.

“Nesse trabalho, testamos as predições da hipótese do conservadorismo tropical levando em consideração todo o espectro de variação climática existente do extremo norte do Canadá ao extremo sul da Argentina e do Chile”, pontua o ecólogo.

Adaptação à seca é rara

O grupo liderado por Danilo analisou os padrões de biodiversidade nas Américas do Sul e do Norte e identificou linhagens de plantas ainda mais recentes em regiões extratropicais e com estações do ano mais frias, onde os regimes de seca são mais marcantes.

“A flora de regiões xéricas [áridas], como os desertos do Atacama, no Chile, e de Sonora, na fronteira entre Estados Unidos e México, é derivada de um grupo extremamente restrito de linhagens da filogenia das plantas. Esse padrão indica que as adaptações necessárias para colonizar ambientes xéricos surgiram raríssimas vezes ao longo da recente história evolutiva das plantas”, afirma o cientista.

Deserto de Sonora, nos Estados Unidos: conservadorismo filogenético. Foto: Brian Enquist | Universidade do Arizona

O Brasil abriga pequena porção desse ecossistema, no sul do Mato Grosso do Sul. “Muitas dessas áreas são pouco estudadas. Certamente, ainda existem espécies a serem coletadas pela primeira vez em ambientes xéricos e descritas pelos cientistas”, alega o professor.

Adaptação às mudanças climáticas

Com as mudanças climáticas, a projeção é de que a seca se torne cada vez mais severa, mesmo em regiões que hoje são úmidas, como a Amazônia. Neste cenário, Danilo explica que é essencial estudar e proteger as linhagens de plantas que desenvolveram tolerância à seca. “Essas espécies serão capazes de colonizar regiões que se tornarem mais secas, contribuindo para o funcionamento desses novos ecossistemas”, defende.

A condição de seca havia sido rejeitada em estudos anteriores como um dos fatores importante para a distribuição da biodiversidade de plantas na Terra. E destacar a importância da influência da seca é uma das principais contribuições do trabalho publicado pela PNAS, segundo o ecólogo e professor da UFMG.

“Tendo em vista que as adaptações para tolerar condições xéricas são evolutivamente raras, o impacto será imenso se ambientes úmidos se tornarem mais secos com as mudanças climáticas globais. Possivelmente, famílias inteiras de plantas seriam extintas nesses ambientes, já que muitas delas são desprovidas das adaptações necessárias para tolerar as secas.”

Danilo Neves, ecólogo
Flagrante de seca no Brasil, em 2015, em publicação da FAO. Foto: Gabriel Lindoso | Greenpeace

Com informações de Teresa Sanches e Matheus Espíndola, da Universidade Federal de Minas Gerais

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