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Cidade do Pará é a maior emissora de gases de efeito estufa no Brasil

Altas taxas de desmatamento e crescimento do rebanho bovino são os responsáveis por São Félix do Xingu liderar as emissões nacionais

Published 05/03/2021
emissões efeito estufa São Félix do Xingu

Foto: Prefeitura de São Félix do Xingu

São Félix do Xingu, no Pará, é o município que mais emite Gases de Efeito Estufa (GEE) no Brasil, conforme relatório inédito do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG) divulgado no dia 4 de março de 2021. Somente em 2018, foram lançados pelo município 29,77 Mt CO2e (milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente) na atmosfera, sendo 4,22 Mt CO2e vindos do setor agropecuário.

Não à toa, dos 20 municípios que mais emitem GEE, nove estão localizados nos estados do Mato Grosso ou do Pará. Esta é a primeira vez que o SEEG, que produz estimativas anuais de emissões em âmbito nacional e estadual, desenvolve um levantamento das emissões de todos os municípios do país, permitindo aperfeiçoar as políticas públicas para a mitigação das emissões no nível local. Os dados englobam o período de 2000 a 2018. 

As altas taxas de desmatamento e o tamanho de seu rebanho bovino são os responsáveis por São Félix do Xingu liderar as emissões nacionais. Em 2018, a cidade possuía 2.256.734 cabeças de gado, o que representava 10,9% de todo o rebanho bovino do Pará naquele mesmo ano.

Se o setor da agropecuária foi responsável por 28% das emissões nacionais em 2019, conforme resultados do SEEG Nacional 2020, o subsetor que mais contribuiu com as emissões do setor agro foi a fermentação entérica, que é a emissão de metano por parte dos bovinos, fruto do processo de digestão, responsável por 61,1% das emissões do segmento.

Já em São Félix do Xingu, esse processo foi o responsável por 84,1% das emissões do setor. Isso se reflete também nos resultados encontrados pelo SEEG Municípios: a fermentação entérica foi o principal responsável pelas emissões de 78,5% dos municípios brasileiros (4.372 municípios), em 2018.

São Félix do Xingu ultrapassou a cidade de Corumbá, que lidera as emissões no Mato Grosso do Sul, com 3,6 Mt CO2e, e possui mais do que o dobro das emissões de Marabá, segundo lugar entre os maiores emissores do Pará, com 2.04 Mt CO2e. “Historicamente, Corumbá apresentava o maior rebanho do país até 2010, quando foi ultrapassado por São Félix do Xingu, que teve um salto enorme a partir de 2000”, explica Renata.

Foto: Prefeitura de São Félix do Xingu

No acumulado entre 2000 e 2018, porém, Corumbá continua à frente de São Félix do Xingu, com 71,6 Mt CO2e, mas seguida de perto pela cidade paraense, que acumula 69,9 Mt CO2e liberados na atmosfera no período. Entre o ano de 2000 e 2018, a cidade paraense deu um salto de 172% no total de suas emissões, passando de 1,5 Mt CO2e para 4,2 Mt CO2e. O aumento no rebanho acompanhou esse crescimento: foi de 682.407cabeças em 2000 para as 2.256.734 em 2018, um aumento de 231%.

Alternativa para controlar emissões

Se os números de São Félix do Xingu passam a impressão de que o aumento das emissões é inevitável, existem alternativas para reduzir as emissões e sequestrar carbono a partir da atividade agrícola. “É importante que sejam incentivadas e implementadas técnicas de bom manejo do solo, por exemplo, e de intensificação sustentável da produção, que podem contribuir para a diminuição dessas emissões”, afirma Renata Potenza, Coordenadora de Clima e Cadeias Agropecuárias do Imaflora, organização responsável pela mensuração dos dados do segmento agropecuário do SEEG.

Um estudo demonstrou que sistemas silvopastoris e enriquecimento de agricultura orgânica podem reduzir a emissão de gases de efeito estufa por hectare em cerca de 66%.Foto: iStock

O levantamento, feito junto a produtores de agricultura familiar atendidos pelo programa Florestas de Valor, do Imaflora, indicou que, com uma melhoria das pastagens extensivas (degradadas), por meio da introdução de sistemas silvipastoris (10% da área inicial) e o enriquecimento do cacaueiro orgânico com árvores de sombra, foram identificadas taxas de sequestro de carbono no solo e na biomassa aérea que reduziram o balanço de emissão de GEE por hectare em 66,19% e em 28,17% por produto (unidade animal e amêndoas).

Se a produção de cacau no sistema silvipastoril fosse estendida para toda a área disponível de agricultura familiar do município, haveria uma diminuição de 1% das emissões de GEE totais ou 6% do setor agropecuário de todo o Estado do Pará e, ao mesmo tempo, aumentaria em quase 50% a produção de cacau do País sem precisar diminuir a produção pecuária.

O sistema silvipastoril, mesmo implementado em apenas 10% da área total de pastagem, permitiu aumentar a lotação animal em 120%. Nesse sistema, é feita a combinação intencional de árvores, pastagem e gado numa mesma área, com o objetivo de incrementar a produtividade por unidade de área e trazer benefícios econômicos e ambientais, intensificando a produção pelo manejo integrado dos recursos naturais, evitando sua degradação, além de recuperar sua capacidade produtiva. 

Florestas de Valor

A melhoria das pastagens extensivas com a introdução de sistemas silvipastoris e o enriquecimento do cacaueiro orgânico com árvores de sombra reduzira o balanço de emissão de GEE por hectare em 66,19%. Foto: Pixabay

O programa Florestas de Valor, que também desenvolve ações em outras cidades da região da Calha Norte, no Pará, mostra que é possível adotar soluções que permitem conciliar a produção agropecuária com o controle de emissões, beneficiando mais de 2.100 pessoas, numa área total de 449 mil hectares manejados pelo extrativismo de produtos florestais não madeireiros, gerando R$ 1,4 milhão em comercialização de produtos da sociobiodiversidade e agricultura familiar.

“O setor agropecuário tem um enorme potencial de reduzir suas emissões de gases de efeito estufa, de forma que continue atendendo a demanda por produtos da atividade pecuária e da agricultura. Essa iniciativa pioneira de se ter um olhar para as emissões dos municípios brasileiros é um importante passo para o entendimento das oportunidades e desafios do setor frente à emergência climática e a transição para uma agropecuária de baixo carbono”, afirma Renata.  

“O Florestas de Valor já tem dado resultado, mas precisamos ganhar escala. Queremos reforçar novas parcerias e dar mais capilaridade, para diversificar a produção”, afirma Celma Gomes de Oliveira, coordenadora de projetos no Imaflora. “Quanto mais diversificarmos e implementarmos novos modelos de produção, conseguiremos mitigar o desmatamento e emissões de gases estufa.” O desafio, segundo ela, é ampliar o público e chegar a novos atores, como os produtores pecuários, para que também tenham uma produção sustentável. 

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