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Brasil dá os primeiros passos no mercado de insetos comestíveis

Com alto valor proteico, grilos, larvas de besouros e formigas conquistam espaço como alternativa alimentar

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Alimentos convencionais e grilos desidratados (segundo pote a partir da esquerda): inseto é matéria-prima para nutrição humana. Foto: Léo Ramos Chaves

Por Pesquisa FAPESP

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Um novo ramo do setor agropecuário está se instalando em Piracicaba. Na cidade paulista que é considerada o vale do agronegócio brasileiro por concentrar cerca de 40% das startups do setor está sendo montada uma biofábrica para a criação de grilos. O projeto de um sistema semiautomatizado para a produção em larga escala de Gryllus assimilis foi criado pela startup Hakkuna.

O objetivo da empresa é obter matéria-prima em escala industrial para a produção de barras proteicas à base de farinha de grilo, produzidas de forma artesanal pela Hakkuna desde 2015. “A criação de insetos no Brasil ainda é muito artesanal. Nosso projeto busca reduzir o trabalho humano e padronizar a produção”, conta o sócio-fundador da startup, o engenheiro de materiais Luiz Filipe Carvalho.

A bióloga e doutora em entomologia Patrícia Milano, do Departamento de Entomologia da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), também se prepara para disputar o mercado de insetos comestíveis. Em 2016 ela criou a Ecological Food, cujo negócio é a venda de insetos para fabricação de ração animal. Com suporte do programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresa (Pipe), da FAPESP, e da incubadora EsalqTec, pertencente à Esalq-USP, Milano desenvolveu uma dieta específica para grilos e baratas.

“Os resultados foram excelentes. As melhorias no sistema de produção de insetos resultaram em organismos com maior valor nutricional, sem encarecer a produção”, afirma. Agora, Milano pretende dar continuidade ao projeto, aperfeiçoando a metodologia de criação de algumas espécies com vistas à alimentação humana. A Ecological Food fica em Limeira (SP), a cerca de 40 quilômetros de Piracicaba. Luiz Filipe Carvalho e Patrícia Milano seguem uma tendência mundial. É crescente o interesse pelos insetos como alternativa alimentar.

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Segundo o holandês Arnold van Huis, um dos principais pesquisadores no campo da entomofagia (o uso de insetos como alimento por seres humanos), a base internacional de dados Web of Science revela um crescimento exponencial no número de artigos acadêmicos publicados sobre o tema, sobretudo a partir de 2015. Van Huis é professor da Universidade de Wageningen, localizada na cidade holandesa de mesmo nome, e editor da publicação científica Journal of Insects as Food and Feed.

Aumenta também o faturamento das empresas que apostam nos insetos como ingredientes para alimentação animal ou humana. A consultoria Meticulous Research avaliou em US$ 406,3 milhões o valor do mercado de insetos comestíveis em 2018 e prevê que ele deva triplicar até 2023. Um dos negócios mais bem-sucedidos é o da holandesa Protix, que recebeu aportes de investidores de US$ 50 milhões em 2017 para investir na criação de insetos destinados à produção de alimento humano e ração animal.

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Insetos integram o cardápio humano há muito tempo. Estima-se que cerca de 2 bilhões de pessoas se alimentem desses animais no mundo. Foto: Harish Shivaraman | Unsplash

No Brasil, a Hakkuna e a Ecological Food pretendem surfar nessa onda. O projeto da Hakkuna para produção em larga escala de Gryllus assimilis iniciou sua primeira fase em março e visa desenvolver controles automáticos das condições ambientais da criação dos insetos, como níveis de temperatura e umidade. O contêiner que a empresa está estabelecendo em Piracicaba também irá dispor de sensores para controle de um alimentador automático – inicialmente, com ração de aves, até que a empresa desenvolva uma alimentação específica.

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A Hakkuna, explica Carvalho, nasceu de um interesse pessoal por alimentação esportiva. “Sempre pratiquei esporte e sentia a necessidade de ter no cardápio opções de proteínas mais naturais e saudáveis. Em meados de 2015 comecei a pesquisar o que era feito no exterior e encontrei uma startup norte-americana, a Exoprotein, fabricando barras de proteína com farinha de grilo. Achei a ideia interessante e fui pesquisar quem fazia isso no Brasil. Não encontrei ninguém”, conta. “Então, comprei um curso on-line de criação de insetos, 100 gramas de grilos vivos e passei a testar produtos e o mercado. Assim começou a Hakkuna.”

Desidratados e transformados em farinha, os grilos apresentam-se como alternativa a alimentos e suplementos, como o whey protein, a proteína de soro do leite, bastante consumida por praticantes de atividades físicas. Segundo Carvalho, que tem como sócio no negócio o engenheiro-agrônomo Marcelo Romano Teixeira, os insetos saem ganhando na comparação: além dos mesmos aminoácidos essenciais, a farinha feita a partir deles ainda contém fibras e ácidos graxos ômega-3 e ômega-6, inexistentes no whey protein. Além da farinha proteica e das barrinhas, o empresário pretende comercializar snacks. Assim como a Ecological Food, a Hakkuna conta com suporte do Pipe e da EsalqTec, além do apoio da aceleradora GrowBio.

Apesar da crescente tendência recente, insetos estão no cardápio dos seres humanos há muito tempo. De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), pelo menos 2 bilhões de pessoas ao redor do mundo alimentam-se de insetos.

Mais de 1.900 espécies – destacando-se besouros, lagartas, vespas, formigas, gafanhotos e grilos – fazem parte da dieta tradicional de habitantes da Ásia, África e de comunidades indígenas na América Latina. Alguns estudos apontam que o hábito vem desde tempos pré-históricos.

A novidade é que eles começaram a chegar a restaurantes e prateleiras dos supermercados de grandes centros urbanos na Europa, Estados Unidos e, mais recentemente, no Brasil.

A francesa Jimini´s foi uma das pioneiras. Criada em 2012, ela produz barras de cereais, massas e granolas à base de farinha de insetos, além de petiscos feitos com insetos desidratados e temperados, como larvas de tenébrio – uma espécie de besouro – com alho e ervas finas.

Esses alimentos eram vendidos inicialmente pelo site da empresa. No começo de 2018, após a União Europeia aprovar e regulamentar o consumo de insetos, a Jimini´s passou a vender seus produtos na rede de supermercados Carrefour na Espanha, a preços que variam de € 2 a € 7. Os insetos são criados em fazendas europeias. Já a norte-americana Chirps importa matéria-prima para farinha, snacks e biscoitos da Tailândia, onde se calcula que existam 20 mil “fazendas de grilo” – o país é um dos líderes globais na área.

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Com elevados teores de proteína, ferro e cálcio, os insetos apresentam vantagens nutricionais aliadas a um menor impacto ao meio ambiente. Foto: Pixabay

Na Alemanha, a BugFoundation vende hambúrgueres que levam 45% de uma mistura proteica feita à base de soja e larvas do besouro Alphitobius diaperinus, conhecido no Brasil como cascudinho. De acordo com os fabricantes, o sabor lembra sementes de girassol ou amendoim. Os animais são criados na Holanda, um dos primeiros países ocidentais a permitir a comercialização e o consumo de produtos alimentícios contendo insetos.

O veterinário alemão Nils Grabowski, chefe do Departamento de Higiene e Tecnologia de Insetos Produtivos da Universidade de Medicina Veterinária de Hannover, no norte do país, atesta que o mercado de insetos comestíveis na Alemanha é pequeno, mas aparentemente está crescendo.

“A Alemanha é um país sem tradição real de entomofagia. Comer inseto era considerado um hábito curioso praticado por alguns povos extraeuropeus sem acesso à comida ‘real’ ou que precisam desse tipo de alimento para matar a fome. É claro que isso está longe da realidade. As pessoas não comem insetos porque precisam, mas porque querem”, declarou Grabowski a Pesquisa FAPESP.

Uma pesquisa na Tailândia, segundo ele, mostrou que a maioria das pessoas busca esses animais por causa do paladar. “Os tailandeses adoram comer insetos fritos com cerveja gelada”, conta. E as iguarias podem ser caras. “No México, certas pupas de formigas do gênero Liometopum, também conhecidas como ‘caviar asteca’, custam mais de US$ 50 [R$ 250] a porção de 30 gramas”, diz o veterinário. “Já um percevejo aquático gigante muito popular entre os tailandeses, Lethocerus indicus, é vendido pelo equivalente a € 0,20 [R$ 1,10] a peça. A demanda é tão alta que a Tailândia o importa de nações vizinhas.”

Grabowski coordena o projeto IFNext, em parceria com pesquisadores na Tailândia e no Camboja, cuja finalidade é desenvolver kits para a criação de grilos das espécies Gryllus bimaculatus e Teleogryllus mitratus e bichos-da-seda (Bombyx mori), além de novos produtos com essas matérias-primas.

Em nível mundial, os insetos inteiros ainda representam a maior parcela do mercado, sobretudo devido à maior disponibilidade e ao menor custo em comparação aos processados. No entanto, estima-se que o mercado das farinhas, barras e shakes de proteína de insetos terá maior taxa de crescimento nos próximos anos – o que se atribui à tendência das novas gerações de valorizar um estilo de vida saudável baseado em cardápios balanceados.

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Para a FAO, a importância dos insetos é ainda maior. Fundamentais para a existência humana por atuarem como decompositores na cadeia alimentar, reciclando matéria orgânica, e como polinizadores, garantindo a reprodução de plantas, eles começam a ser vistos como uma solução sustentável para a crescente demanda por alimentos no planeta.

O aumento populacional e a escassez de recursos naturais justificam essa percepção. Segundo o documento Edible insects – Future prospects for food and feed security (Insetos comestíveis – Perspectivas futuras para alimentos e segurança alimentar), elaborado pela FAO, o mundo terá em 2050 cerca de 9 bilhões de pessoas e para alimentá-las a produção de alimentos precisará dobrar.

Estima-se que a demanda por produtos agropecuários atinja 465 milhões de toneladas em 2050, diante de 229 milhões de toneladas em 2000. O relatório aponta que “alimentar as populações futuras vai exigir o desenvolvimento de fontes alternativas de proteína, como carne cultivada em laboratório, algas, feijões, fungos e insetos”.

Como opção proteica, os insetos apresentam vantagens nutricionais associadas a um menor impacto ambiental. “Eles têm teores de ferro, cálcio e proteínas acima dos valores encontrados em aves, bovinos e suínos. Sua produção requer menos água, emite pouca quantidade de gases de efeito estufa e pode ser realizada em prédios, evitando o desmatamento de grandes áreas”, enumera a entomologista Patrícia Milano.

A pesquisadora já incorporou insetos ao cardápio e, sempre que pode, os oferece para degustação, fritos ou banhados no chocolate, a amigos, parentes, alunos e ouvintes das palestras que têm proferido em universidades, congressos e eventos de divulgação científica.

O documento da FAO aponta, ainda, que os insetos têm alta taxa de conversão alimentar, ou seja, conseguem transformar a ração consumida em massa corporal com muito mais eficiência. Gafanhotos convertem 2 quilos (kg) de alimento em um 1 kg de massa corporal, enquanto bois fazem essa mesma conversão na proporção de 10 para um.

Outra vantagem dos insetos na comparação com mamíferos e aves é o baixo risco de transmissão de zoonoses, contrariando o senso comum que os associa a doenças. De maneira geral, eles são seguros, desde que criados em condições controladas e processados corretamente. Foi o que constatou o veterinário Nils Grabowski, que fez uma análise microbiológica desses animais.

O pesquisador alemão analisou 38 amostras de insetos em diferentes formas de preparação e concluiu que os secos apresentam maior número de bactérias do que os cozidos ou fritos.

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Especialistas dizem que o Brasil pode se tornar um dos grandes produtores globais de insetos, com foco no mercado externo. Foto: Pixabay

Todas as amostras foram negativas para patógenos como salmonelas, Listeria monocytogenes, Escherichia coli e Staphylococcus aureus, segundo Grabowski, mas insetos secos e em pó continham alguns patógenos de origem alimentar, como bactérias e fungos. “O aquecimento e a secagem matam muitos tipos de microrganismos do inseto, mas alguns suportam esses tratamentos, especialmente bactérias de formação de esporos. Por isso a importância de um tratamento térmico eficiente para eliminar também os microrganismos que sobrevivem a ambientes quentes e secos”, aconselha o pesquisador.

Precaução extra deve ter quem for alérgico a frutos do mar. Os insetos, tal como os crustáceos – ambos integrantes do filo dos artrópodes –, têm um exoesqueleto à base de quitina, capaz de provocar reações em consumidores sensíveis. Mas quem pode comer, sem susto, camarão ou lagosta não deverá ter problemas ao ingerir gafanhotos ou lagartas – e até achar leve semelhança na textura.

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Desafios à popularização

Estudioso há quase 30 anos da etnoentomologia, ramo da ciência que estuda como os insetos são percebidos e usados pelas populações humanas, o biólogo Eraldo Medeiros Costa Neto, da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs), observa que a tradição do consumo de insetos tem se mantido em muitas comunidades rurais do Brasil. Mas a popularização desse alimento nos grandes centros urbanos encontra forte obstáculo. Além de preconceito, há também por parte dos brasileiros aversão a comer insetos.

Para o engenheiro-agrônomo Ramon Santos de Minas, do Instituto Federal de Mato Grosso do Sul (IFMS), a informação é a melhor maneira de promover essa alternativa alimentar. Ele é organizador dos livros Antropoentomofagia e entomofagia: Insetos, a salvação nutricional da humanidade (Kiron, 2016) e Insetos na alimentação humana: Guia prático de receitas (Kiron, 2019). Este último foi lançado em parceria com a tecnóloga de alimentos Angela Kwiatkowski durante o Insetec 2019, o 1º Congresso Brasileiro de Insetos Alimentícios e Tecnologias Associadas.

O evento, organizado pela Associação Brasileira dos Criadores de Insetos (Asbraci), com apoio da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), reuniu cerca de 300 participantes, entre criadores de insetos, pesquisadores nacionais e estrangeiros e representantes de órgãos governamentais.

“Ao iniciar minhas pesquisas sobre o tema, em 2012, percebi que no Brasil havia poucas informações, apenas em periódicos e em linguagem científica. Procurei escrever algo que chegasse ao público de maneira simplificada”, conta o agrônomo do IFMS, que também tem feito palestras sobre insetos comestíveis e promovido degustações. “Por onde passo a recepção é boa”, declara Minas. Ele não espera, no entanto, mudanças de hábito em curto prazo.

“Acredito que devido a questões culturais e à fartura e variedade de alimentos que temos no país ainda vai demorar para vermos brasileiros comprando insetos no mercado rotineiramente. Mas temos capacidade e clima para nos tornarmos um grande exportador”, avalia.

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Chirps Salgadinhos da norte-americana Chirps fabricados com insetos processados. Foto: Chirps

Essa é também a opinião do zootecnista Gilberto Schickler, produtor de insetos para alimentação animal. Shickler foi o responsável técnico pela Nutrinsecta, uma das primeiras empresas do país a obter registro no Serviço de Inspeção Federal (SIF) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), para o processamento de insetos direcionados à alimentação animal, em 2012.

Segundo Schickler, não é preciso que o Brasil desenvolva um mercado interno para ingressar nesse novo e promissor ramo do agronegócio. “Podemos destinar 100% de nossa produção para exportação. Temos condições ambientais ótimas para nos tornarmos um dos campeões mundiais na produção de insetos, assim como já somos na produção de outras proteínas de origem animal”, defende o produtor.

Para exportar, no entanto, é preciso ter preços competitivos. “Hoje, 1 quilo de inseto desidratado no país não sai por menos de R$ 250. O Japão, que é um grande consumidor, paga R$ 70 reais o quilo”, informa o gastrólogo Casé Oliveira, presidente da Asbraci. Para que os criadores nacionais de inseto consigam ter preços competitivos, afirma Oliveira, é necessário ganhar volume na produção.

Outro fator limitante nesse novo campo é a regulamentação. Basicamente, esse setor está a cargo de dois órgãos, o Ministério da Agricultura, que controla produtos de origem animal, seja para consumo humano ou animal, e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), ligada ao Ministério da Saúde, responsável por aprovar novos ingredientes para alimentação humana.

Hoje, a maioria dos produtores de insetos, sobretudo os que visam ao mercado de alimentação humana, trabalha artesanalmente e de maneira informal. O próprio Casé Oliveira tem uma marca própria, a Bugs Cook, para produzir chocolates artesanais com grilo, tenébrio e formiga em edições limitadas. Mas, se ele quisesse fabricar seus chocolates em escala industrial, precisaria comprar a matéria-prima de um produtor com registro no SIF e solicitar uma autorização da Anvisa para a produção do alimento.

O Ministério da Agricultura até permite que se crie o animal, abata e produza o alimento no mesmo local, desde que em estruturas independentes e com garantia de preservação da condição sanitária.

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BugFoundation Hambúrguer da alemã BugFoundation fabricado com insetos processados. Foto: BugFoundation

A Anvisa ainda não tem uma orientação específica para esses produtos. A única referência da agência sobre o assunto é a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 14, de 2014, que trata dos limites toleráveis para a presença de fragmentos de insetos em alimentos, resultante de falhas no processo produtivo.

Por meio de sua assessoria de imprensa, a Anvisa esclarece que empresas interessadas em comercializar no país produtos alimentícios feitos com insetos deverão submetê-lo a um processo de análise. “Esse produto alimentício seria classificado como um novo alimento. Isso em tese, pois não temos na Anvisa nenhum pedido do tipo para análise de alimentos que tenham insetos em sua composição”, informa a agência.

“Acredito que, à medida que o produto for se popularizando e os preços caindo, as empresas começarão a entrar no processo industrial”, declara Oliveira, da Asbraci. Ele conta que a entidade criou um grupo de trabalho com membros do Mapa e da Anvisa a fim de incentivar a profissionalização do setor.

Para o veterinário Ricardo Moreira Calil, auditor fiscal federal agropecuário do Mapa, a regulamentação representa segurança para o consumidor e maior oportunidade de negócios para o produtor. “Precisamos regulamentar para termos mais interessados em produzir e o preço baixar. No Insetec 2019, encontrei produtores de Portugal que vão exportar para a comunidade europeia. Um país do tamanho do Brasil não pode ficar fora desse mercado”, declara.

Calil concorda com a FAO que a produção de novas opções de alimento é uma garantia para o futuro da espécie humana. “A ciência mostra com clareza que ao longo da evolução fomos comendo o que era possível. A conquista do homem no planeta sustentou-se nessa diversidade alimentar”, afirma o veterinário do Mapa. “Qualquer alternativa alimentar que possa contribuir para aumentar a diversidade nutricional é altamente favorável. E os insetos são uma boa opção.”

Uma iguaria global – Saiba mais sobre o consumo de insetos no planeta

Um dos insetos mais consumidos do planeta é a cochonilha (Dactylopius coccus) – embora muita gente nem saiba que ela faz parte de sua dieta. Esse animal é usado na fabricação do corante vermelho carmim, muito usado pela indústria alimentícia em todo o mundo.

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Insetos são consumidos por humanos nos cinco continentes. Foto: Moritz Bruder | Unsplash

ÁFRICA

Em Camarões, são concorridas as larvas do besouro Rhynchophorus. Cabe às mulheres a coleta. Elas detectam as larvas nas palmeiras colocando os ouvidos contra a árvore e ouvindo o som produzido pelas larvas escavando o interior da planta. O mesmo método é utilizado na República Democrática do Congo para a coleta de larvas de besouros e escaravelhos, que ocorrem em diversas espécies de palmeiras.

SUDESTE ASIÁTICO

Mais de 80 espécies de insetos são apreciadas na Tailândia, das áreas rurais às ruas da capital Bangkok. Muitos deles podem ser encontrados enlatados, como grilos cozidos, pupas de bicho-da-seda e larvas de bambu. Indonésia, Laos, Malásia, Mianmar, Filipinas e Vietnã também consomem de 150 a 200 espécies diferentes.

JAPÃO

O inseto comestível mais popular é um gafanhoto da espécie Oxya yezoensis. Chamado de inago, ele é cozido com molho de soja e açúcar e vendido como alimento enlatado.

MÉXICO

O chapulín (o gafanhoto Sphenarium purpurascens) é tão popular que inspirou até um personagem da TV, o “Chapulín Colorado” (ou Chapolin, na tradução para o português). Os mexicanos comem chapulines com sal, limão e pimenta, acompanhando a tortilha, ou banhados no chocolate.

BRASIL

Um total de 135 espécies de insetos comestíveis é encontrado no país. Os mais consumidos são os himenópteros (ordem das formigas), com 63% do total, seguidos pelo coleópteros (besouros), com 16%, e os ortópteros (gafanhotos e grilos), com 7%.

No Norte, sobretudo na Ilha do Marajó (PA), uma tradição indígena é o consumo do “bicho do tucumã”. É a larva de uma espécie de besouro (Speciomerus ruficornis) que se instala nas sementes do tucumã. Elas podem ser ingeridas in natura ou fritas, na farofa. Das larvas também se extrai o “óleo (ou banha) de bicho” que pode ser comido puro, substituindo a manteiga no pão ou na fritura de ovos e carnes.

No Parque Nacional do Xingu, insetos são fonte de alimento para diversas etnias indígenas. São consumidas, torradas ou assadas junto com beiju, espécies de formigas, como saúva ou tanajura (do gênero Atta), além de cigarras, cupins e gafanhotos.

No sertão de Pernambuco, é comum encontrar nos bares tira-gostos feitos com tanajura. Abril e maio, época das revoadas do inseto, é quando há maior oferta da iguaria. A tradição do consumo das formigas tanajuras, ou içás, preserva-se também no Nordeste, na zona rural de Minas Gerais e no Vale do Paraíba, em São Paulo, compondo uma farofa.

Em Minas e partes do Norte e Nordeste, é comum o consumo de larvas do bicho-do-coco (Pachymerus nucleorum). Elas se desenvolvem no interior do fruto do coqueiro, babaçu e carnaúba e são preparadas fritas, como farofa, ou misturadas no arroz.

Além de indicados e seguros para alimentação humana, os insetos também podem ter efeitos terapêuticos. É o que afirma o biólogo Eraldo Medeiros Costa Neto, da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs), na Bahia. “No Pará, por exemplo, usa-se popularmente o óleo do bicho do tucumã. A substância é extraída da larva de um besouro [Astrocaryum vulgare], que cresce dentro do coquinho da palmeira tucumã. É muito utilizado para tratar dores articulares”, exemplifica.

Costa Neto estuda o uso de insetos na culinária e na medicina popular desde 1994, no âmbito da etnoentomologia, que busca entender como os insetos são percebidos e utilizados pelas populações humanas.

Em suas pesquisas, já encontrou usos medicinais para diferentes espécies de insetos. Essa tradição está na história de sua própria família. “Quando criança, minha mãe colocava besouro do amendoim [Palembus dermestoides] na sopa, como fortificante”, lembra o pesquisador. Até hoje o besourinho preto tem fama de tratar diversas doenças, como bronquite, asma e reumatismo.

O pesquisador avalia que ainda faltam pesquisas científicas que confirmem a sabedoria popular. Talvez a riqueza nutricional desses alimentos explique a fama. “Os insetos absorvem as propriedades nutricionais dos vegetais dos quais se alimentam. O amendoim, por exemplo, é um alimento muito rico em nutrientes, que são incorporados pelo besouro”, considera.

Segundo a bióloga Patrícia Milano, da Esalq-USP, já foram encontradas evidências científicas de que os insetos podem agir como probióticos, ou seja, componentes alimentares não digeríveis que estimulam a proliferação de bactérias benéficas no intestino. “A nutricionista Valerie Stull, da Universidade de Wisconsin-Madison [EUA], viu que grilos podem aumentar o número de uma espécie de bactéria parceira da nossa microbiota, Bifidobacterium animalis, que inibe agentes patogênicos. Essa alteração pode estar ligada às fibras presentes nos insetos”, relata a pesquisadora.

Projetos

1. Pesquisa e desenvolvimento de sistema otimizado e semiautomatizado da biofábrica Hakkuna para produção massal de grilos Gryllus assimilis (Orthoptera: Gryllidae) (nº 19/00735-7); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisador responsável Marcelo Romano Teixeira (Hakkuna); Investimento R$ 95.004,97.

2. Insetos para alimentação animal e humana: Adaptações e pesquisas para futura criação massal no Brasil (nº 16/00152-3); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisadora responsável Patrícia Milano; Investimento R$ 102.225,56.

Artigos científicos

VAN HUIS, A. Insects as food and feed, a new emerging agricultural sector: A review. Journal of Insects as Food and Feed. 27 ago. 2019.

GRABOWSKI, N. T. et al. Microbiology of processed edible insect products – Results of a preliminary survey. International Journal of Food Microbiology. 21 fev. 2017.

SCHARDONG, I. S. et al. Percepção de consumidores brasileiros aos insetos comestíveis. Ciência Rural. v. 49 no 10. 23 set. 2019.